Faixa a faixa: A estreia dos mineiros d’A Outra Banda da Lua

Introdução por Renan Guerra

A Outra Banda da Lua já existe desde 2015 e já tocou em diferentes palcos de Minas Gerais. Capitaneada por Marina Sena – uma das integrantes do sucesso mineiro Rosa Neon –, o grupo lança agora seu primeiro disco, de título homônimo, onde é possível entender de forma ampla o universo pop, rock e ao mesmo tempo brejeiro pelo qual o grupo habita.

A Outra Banda conta ainda com Matheus Bragança (baixo e voz), Edson Lima (violão, guitarra e backing vocal), Mateus Sizílio (bateria) e André Oliva (guitarra e percussão), e lança seu primeiro disco pelo selo belo-horizontino Under Discos. “A Outra Banda da Lua”, o disco, é composto por 10 faixas, e conta com produção de Rafael Carneiro (Guella Music). Esse lançamento apresenta a banda de novas formas e é um bom cartão de visitas para um grupo que já venceu duas vezes uma das principais premiações musicais mineiras, o Prêmio de Música de Minas Gerais.

A Outra Banda da Lua busca diretamente um diálogo entre o velho e o novo: as influências deles resgatam nomes mineiros como o Grupo Agreste e o Grupo Raízes, referências importantes no norte de Minas nos anos 70; ao mesmo tempo em que se conectam ao rock, ao indie e à neo-MPB atuais que movimentam os festivais alternativos pelo país. A banda gosta de dizer que “carrega em seu DNA o regionalismo dos professores em questão e a inquietação dos dias correntes”.

Para aprofundar ainda mais esse universo, os integrantes d’A Outra Banda fizeram um faixa a faixa especial para o Scream & Yell, onde contam suas influências, um pouco de suas histórias e suas intenções nesse lançamento. Confira abaixo:

01 – Serra do Mel (Mateus Sizilio)
Mateus Sizilio: “Composta a princípio em forma de poema, declamado pelo grupo Baru Sonoro, a música ‘Serra Do Mel’ é sobretudo um grito de alerta, foi criada em um momento em que a serra no entorno de Montes Claros estava sendo loteada ilegalmente para a construção de um grande condomínio. Com A Outra Banda Da Lua a música ganhou uma roupagem mais rockeira e se tornou nosso primeiro single.”

02- Desentoado (Tino Gomes/Charles Boavista)
Matheus Bragança: “Desentoado é uma música dum grupo de Montes Claros que nos influenciou bastante e que teve bastante relevância no cenário regional na década de 70, o Grupo Raízes. E essa canção tem uma representatividade muito forte do que é ser do norte de Minas. ‘Eu sou fruta do norte – No curral sou boi de corte’ isso diz muito sobre a história do sertão mineiro. Durante muito tempo e até hoje na verdade, essa região apesar de toda riqueza cultural de seu sofrido povo, sofre de um isolamento e esquecimento, faz parte daquilo que não se encaixava nas ‘Minas’ então sobrou aos ‘Geraes’ os pastos e a seca. E essa cultura ainda persiste muito em todos os âmbitos, e essa música traduz esse sentimento muito bem e mostra que apesar da dor, o norte de minas traz também muita força e muita luta. Não a toa é a única releitura no disco, versão um tanto progressiva que nós gostamos bastante, que remete desde a anscestralidade do tambor dos catopés até a modernidade de um groove funkeado com guitarras e efeitos.”

03- Na Roça (Mateus Sizilio)
Mateus Sizilio: “A inspiração para compor ‘Na Roça’ veio da vivência na fazenda dos meus avós. Desde a infância, quando brincava com meu irmão, tia e primos subindo em árvores, comendo fruta do pé, biscoito quentinho da Dindinha e tomando leite no curral às 6 da manhã, tirado pelo meu avô. Outra influência foi uma oportunidade que tive, anos mais tarde, de conhecer, em uma comunidade alternativa, um novo olhar, como era possível trilhar um caminho fora da correria da cidade e do consumismo exacerbado. Senti como um chamado para uma vida mais saudável e auto sustentável. Assim nasceu ‘Na Roça’.”

04 – Cavalaria (Marina Sena)
Marina Sena: “‘Cavalaria’ foi composta uns três anos atrás, eu tinha acabado de me iniciar na capoeira e tava completamente apaixonada por tudo, aprendi sobre alguns toques, incluindo a Cavalaria, e consegui encaixar muito naturalmente nessa música uma mistura da cultura da capoeira com a paixão que eu tava sentindo por Bragança (baixista da A Outra Banda Da Lua) na época, rs.”

05- Lua (Marina Sena)
Marina Sena: “‘Lua’ foi feita logo no início da A Outra Banda da Lua, como uma declaração de amor para a banda que tanto me libertou e possibilitou que eu fosse essa mulher que sou hoje. A música fala de amor próprio, de sensações corporais, e da coragem que acompanha esse processo.”

06- Novo Baile Perfumado (Edssada/Matheus Bragança)
Edssada: “Essa surgiu completa. Veio assim de vez mesmo. Letra, melodia e fui harmonizando. Andava lendo Rosa Luxemburgo em ‘Reforma ou Revolução?’, então no decorrer da leitura relembrei de cenas do longa pernambucano ‘Baile Perfumado’, dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que resumidamente conta as proezas do libanês-brasileiro Benjamin Abrahão Botto que conseguiu se inserir no meio do bando de Lampião e registrar por meio de fotografias e vídeos o que se passava na caatinga dos sertões nordestinos. As belezas e mazelas durante a revolução do cangaço. No meio dessa ebulição de pensamentos e influenciado por isso tudo me veio a letra buscando um caminho talvez menos violento e usando outras armas que nem são palpáveis. Alegria, gentileza, a sincronia e devir das coisas por meio da simpatia. Nota-se o ultimo verso ‘…nesse Baile até Maria vai dançar…’, o grito e ato libertário para as pessoas (Mulheres, Negros, LBGTQ+) que há tanto tempo sofrem e até perdem suas vidas por causa de um gigantesca opressão ainda presente nessa ainda sociedade patriarcal enraizada e infeliz que o próprio bicho homem construiu. A canção vem pedir isso tudo diferente, livre por isso ‘O novo Baile Perfumado’. Em sua estrutura musical predomina a clave rítmica do ijexá. Posteriormente mostrei o que tinha para Matheus Bragança e ele inseriu um tema dele no refrão onde deu muito mais suingue e dinâmica para música. Daí então veio a voz linda de Marina acentuando melhor a melodia. No Guella Music a magia aconteceu.”

07- Sangue no Olho (Marina Sena)

Marina Sena: “‘Sangue no Olho’ foi composta na época em que Dilma sofreu o impeachment, através de um golpe de estado que teve início com a inconformação do candidato Aécio por não ter vencido as eleições e com o apoio de toda a direita, chefiados por Sérgio Moro. Quando Dilma sai, entra na presidência o seu vice Michel Temer, que representa tudo que há de pior tanto esteticamente quanto na prática na política brasileira, um velho rico branco e colonizador. Essa música foi feita como um grito pra dizer que ‘aqui não violão!’.”

08- Carrim de Picolé (Mateus Sizilio)
Mateus Sizilio: “Música inspirada na esperança de um dia acordar cedo e fazer música todos os dias na beira de um rio, brincadeira!! A canção é uma crítica ao sistema vigente, às pessoas acomodadas, que não reagem à monotonia. É também uma mensagem de otimismo para não deixarem de sonhar e ir atrás dos seus sonhos. Composta originalmente como samba, e quando foi apresentada à Outra Banda da Lua, tornou-se um rock psicodélico progressivo a partir de um processo criativo bem experimental onde se deu vida a um arranjo com trechos instrumentais longos, passagens e reviravoltas dentro da música.”

09- Mês de Cores na Avenida (Edssada\Karla Celene Campos)
Edssada: “A aura mágica e também os ventos que tomam Montes Claros no mês de agosto onde as guardas e ternos de Catopês, Marujos e Caboclinhos aparecem ocupando a cidade para render homenagens a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo. No miolo de tudo e todos, bem na igrejinha de nossa Senhora do Rosário acontece o levantamento dos mastros e toda a mística que sente quem está próximo. Esse manifesto ancestral abre uma porta de reconexão com nós mesmos e nossos antepassados.

Dentro desse contexto, ‘Mês De Cores Na Avenida’ surgiu em meados de 2011 inicialmente com a harmonia trabalhada ali no campo harmônico de Sol menor (Gm), então escrevi a letra que em algum momento de apresentação com a Orquestra Catrumana do Groove Solto, grupo em que eu fazia a direção musical e tocava, a educadora e poetisa Karla Celene Campos assistiu e disse que tinha uma poesia que se encaixava com a mensagem da música. A reafirmação do congado como ferramenta de empoderamento, força e fé do povo.

A Karla me enviou a poesia e encaixei na estrutura. Assim ela ficou pronta. Anos depois já com A Outra Banda da Lua sugeri que rearranjassemos ela e assim fizemos junto do Rafael Carneiro (Guella Music), que já estava na lida da nossa produção musical e programou o timbre diferente pro meu violão, que fez soar algo como um bandolim. Fizemos uma colagem na música com trechos de registros de distintos anos das festas de agosto em Montes Claros. Além disso, ela ganhou uma nova roupa com lindo arranjo melódico de contra baixo elétrico por Bragança, Marina abriu voz em cima da minha base vocal, André, ainda como convidado da banda, desenhou melodia no violoncelo. Ainda contamos com coro somado por nós todos juntamente com Caio Bastos e Fábio Parrela. Essa música tem uma representativade muito forte pro povo do Norte de Minas Gerais.”

10- Menino do Lago (Mateus Sizilio/Adriano Lelis)
Mateus Sizilio: “‘Menino do Lago’ é uma música que tenho uma ligação especial, para mim é um hino de amor ao meu primeiro filho Ariel Sol. Foi composta com o sentimento de querer para nossos filhos uma vida mais leve e em comunhão com a natureza. Tive o imenso prazer da colaboração do amigo Adriano Lélis, que também acabara de ser pai. Em 2016, logo no início da banda, apresentei esta canção para eles, que de pronto gostaram e cada um usou sua criatividade nos arranjos. Edssada arranjou no sitar indiano acompanhando a melodia mântrica e criou uma surpreendente introdução no violão de aço juntamente com Victor Hugo Manga (ex-integrante) na flauta transversal e Matheus Bragança no baixo.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.



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