Entrevista: Carlinhos Carneiro

Entrevista por Janaina Azevedo
Introdução por Marcelo Costa

Carlinhos Carneiro decidiu dar férias para sua banda mais famosa em 2016 porque estava cansado de ser “apenas” o “Carlinhos da Bidê” – e também porque achava que a banda tinha se transformando em um relacionamento tóxico, e queria dar um tempo para que a Bidê ou Balde voltasse a ser divertido – e queria “atrapalhar” a galera. Funcionou. De lá para cá ele gravou dois discos em 2017, dois em 2018 e planejava lançar cinco em 2019. Isso sem contar peça de teatro, direção de clipes, composição de músicas e muita diversão ao vivo com bandas como Bife Simples, Império da Lã, Orquestra da Depressão Provinciana, Só Amor, Carlinhos Carneiro e a Jovem Tiozinhice (a foto que abre o texto é desse projeto)…

E também a Atahualpa Y Us Panqui, nome seminal do rock sulista brasileiro dos anos 80, que tinha em suas fileiras Jimi Joe, Flu, Castor Daudt (os dois últimos também do DeFalla), o Paulo Mello e, como líder, o saudoso Carlos Eduardo Miranda, que nos deixou cedo demais, em 2018, aos 56 anos, com uma cabeça fervilhante de ideias. Entre as ideias do Miranda estava a de produzir um disco com a Bidê gravando apenas clássicos dos subterrâneos de Porto Alegre. Miranda partiu, e quando fez um ano de sua morte, lá estava Carlinhos cantando músicas da Atahualpa em um show em sua homenagem. “Miranda está aqui e mandou te dizer que gostou muito”, avisou um médium depois do show.

Na reflexiva conversa abaixo, Carlinhos conta como se deu a reunião que resultou em “Mini Mundo” (2019), disco que gravou como vocalista e tecladista da Atahualpa Y Us Panqui, registrando oficialmente pela primeira vez clássicos da banda lançados apenas em fita demo nos anos 80, detalha de maneira minuciosa todos os seus outros projetos e avisa que já há conversas para a volta da Bidê ou Balde. Ainda pontua tudo de bom que está acontecendo musicalmente no Rio Grande do Sul na atualidade, não deixando de observar as diferenças de cenário entre a sua geração (e de Tom Bloch, Video Hits, Wonkavision e, depois, Cachorro Grande e Fresno) e a de nomes como Saskia e Supervão. Papo (longo e) muito bom! Fala, Carlinhos!

Eu queria entender como foi essa volta do Atahualpa.
O Atahualpa é uma das primeiras (bandas) dessa galera do rock, era a banda do Miranda, né? Um dos projetos que ele tinha lá com o Jimi Joe – ele tinha outros com a galera do Vortex, que era o selo / estúdio, como a Urubu Rei, tinha também o Vingança de Montezuma, Três Almas Perdidas… É o começo de um Miranda que a gente conhece muito pouco. Eu pelo menos conhecia muito pouco. O conheci desde que comecei a gostar de música, me lembro da imagem do Miranda quando pintou o grunge, ele falando das demos das bandas brasileiras da época. Depois veio todo aquele boom da Banguela Records, Raimundos, daí eu conhecia [o Miranda] dessa forma (como produtor e agitador). A galera mais antiga conheceu o Miranda músico, criador, cantor principalmente e o Atahualpa era a principal banda dele. Era ele, o Jimi Joe, o Flu, o Castor (Daudt, os dois últimos do DeFalla), o Paulo Mello, teve uma época que o Flu se acidentou e o Carlo Pianta participou. E teve algumas participações ocasionais, tipo o Paulo Nequete, que é um guitarrista, já falecido, e outras pessoas. Uma vez eles fizeram um show no Gigantinho (ginásio que fica ao lado do Beira-Rio, em Porto Alegre), levaram uma mulher pra ficar batendo com umas correntes num botijão de gás, faziam um monte de coisa experimental assim. É muito doido. A referência deles é o Butthole Surfers, em 80 em poucos, tipo, bem no começo (risos).

Enquanto estava rolando o Butthole Surfers lá…
Isso, começando o Butthole Surfers lá (e tinha o Atahualpa Y Us Panquis aqui). É muito doido que o Miranda tinha esse negócio de conhecer um monte de coisa e de antecipar, e também de mostrar pra todo mundo, de ser generoso: “Bah, olha tem que ouvir isso, ouvir aquilo”. Foi isso o que fomentou aquela cena. Não só por isso dizem que ele é o cara que inventou o rock gaúcho, além de ter inventado a mostarda do Ribs. Ele deu o golpe ali pra chamar tudo de uma mesma coisa por mais que fossem coisas tão diferentes. O que faz todo mundo hoje querer negar o rótulo e acabar caindo nele igual (risos). O Atahualpa surgiu nesse começo do Replicantes, então, muitas coisas do Atahualpa ficaram conhecidas depois, por bandas que não eram o Atahualpa, tipo “Sandina”, que é um dos maiores sucessos dos Replicantes, e é do Atahualpa, é do Jimi Joe. Depois tem “Agora é Tarde” que eles deram também pro Replicantes, teve “Shoobydahbydoobah Porto Alegre é Meu Lar”, da Damn Laser Vampires. Elas não tiveram registro do Atahualpa, só teve uma demo, da Vortex, acho que de 86, com os clássicos deles. Só que é muito mal-gravada. Dividiram com a Vingança de Montezuma, que é a outra banda daquela turma. Daí não foi lançado (como disco). Quando eles lançaram o disco, que é o “Agradeço ao Senhor” (1993), eles eram muito loucos né, tudo amigo do Edu K, e resolveram: “Não, vamos gravar um disco, conseguimos um esquema”, tinha uma barbada de estúdio que o Miranda fez, produziu alguém, e ele diz: “Só vamos inventar tudo música nova na hora”. Eles gravaram tudo músicas na hora

E aquelas outras [músicas já escritas]?
Ficaram pra trás. E aí diz que eles, há muito tempo, vinham falando com o Miranda pra gravar isso. E eu bati um papo com o Miranda lá por 2010 e ele estava nesse papo da Bidê gravar um disco de músicas antigas de Porto Alegre, da 3D, do Atahualpa, Urubu Rei, a gente começou a bolar o papo depois paramos. E daí ele e os caras do Atahualpa, ele o Carlo, o Jimi Jjoe estavam conversando sobre gravar essas músicas que nunca tinham sido gravadas. Só “Todo Mundo Saca” que foi bem gravado, num “Rock Garagem II” (essa coletânea, de 1985, ainda trazia Os Eles, Os Bonitos e Banda de Banda).O resto ficou tudo mal gravado e tinha umas músicas que eles nem sabiam as letras. Era meio que um dos últimos projetos que ele estava envolvido, além das coisas que ele estava produzindo, e que ele parou por causa desse lance de saúde dele. Quando ele faleceu, o pessoal fez um show em homenagem a ele no Ocidente, e me chamaram, eu e a Júlia Barth (vocalista do Replicantes), pra cantar. Várias pessoas tocaram, mas eu cantei umas músicas do Atahualpa, e a Júlia também cantou “Todo Mundo Saca” e “Agora é Tarde”. O Flu e o Castor gostaram e falaram “Vamos fazer um show só do Atahualpa”. Eles bolaram de fazer um show de Atahualpa no um ano de morte do Miranda, que foi agora em março. Só que daí pra ensaiar esse show, a gente foi pro estúdio, tirar todas as músicas e já gravamos. A gente gravou, ficou bom e a gente falou “é a volta”. Eu já vinha pensando “bah, tem que fazer um disco”. Mas rolou natural. A gente gravou as bases naquela época dos ensaios, depois continuamos gravando. A gente gravou músicas na minha casa, na casa do Flu, em Maquiné, e mixamos lá em SP, nas últimas temporadas em que eu estava em SP. Foi uma aventura, né, porque as letras não tinha como entender. Eu sou autor de quase todas. Nem o Jimi Joe, que era o autor, se lembrava (risos). E ele: “Não, tu vai lá e faz, o Carlinhos gosta de inventar as coisas na hora, ele vai lá e faz”. Sofri. Depois vou ouvir xingamento da galera (risos).

Então é a volta da banda? Tem shows?
Pelo menos uma turnê a gente vai fazer. Vai ter show em Porto Alegre, interior. Tem datas em SP. Nossa ideia é fazer alguns. Os caras têm vontade. Pra mim é uma honra tocar com eles.

Tu te dava bem com o Miranda?
Era um conhecido. Conheço ele desde piá, desde que entrei na faculdade, tinha uma amiga que era muito amiga dele. Me apresentou pra esses caras tudo, pro Wander (Wildner), pro Miranda. Não era tão piá, devia ter uns 17, 18. E a gente foi no show do Make Up, um show clássico que teve aqui, lá na (rua) 24 de outubro. Era 96 acho. E conheci ele, depois ao longo dos tempos a gente tentou combinar coisa de produzir com a Bidê, se encontrava sempre nos shows, mas não tinha coisas estreitas, não era amigão.

Mas ele gostava da Bidê?
Ele parecia simpatizar. Quando o chamei pra produzir (a Bidê), mandei umas demos, foi uma fase que a gente passou um tempão sem gravar. Uma das causas de a gente ter ficado sem gravar um tempão era que estava combinado do Miranda produzir, isso depois do “Acústico (MTV Bandas Gaúchas)” (2005). Daí veio o negócio do “E Porque Não?” (a música da Bidê que sofreu acusações de apologia à pedofilia, e resultou numa ação que tramitou na Justiça e resultou num acordo) e a gente ficou bem desestabilizado, mas criando o tempo inteiro. Até hoje tem música sobrando dessa fase. Inclusive vou te contar agora uma historinha: a gente mandou uma demo com umas 20 músicas pro Miranda e ele: “Bah, velhinho, massa, vamos fazer isso aí, só tem uma coisa: eu não gostei de nenhuma música. Só gostei dessa daqui, ‘Só Um Milagre’”. E essa música a gente não gravou, é a única que a gente nunca gravou depois (risos), era a que ninguém gostava. Não fizemos nenhum registro dela. Depois dessa época, passou o preço dele, a gente não fechou em grana e acabamos nem produzindo nada, demoramos mais uns dois anos. Apareceu a possibilidade de gravar com gravadora, nós estávamos tentando meter o Miranda nisso, não rolou, daí demorou mais dois anos, e fizemos mais uma demo, com essas sobras de músicas. E daí saiu em 2010 um EP, “Adeus Segunda-feira Triste”, que é o começo dessa leva. É uma trilogia, são os três discos das músicas dessa época, a gente ficou quase dez anos, uns oito anos sem gravar nada. Disso, a gente fez três discos. E o Miranda estava no meio desse imbróglio com o Atahualpa Y Us Panquis, e tentou lá por 2010 botar essa pilha. A gente se encontrou num festival, acho que lá em Belém. E ele botou essa pilha da gente gravar algumas músicas do Atahualpa, mas eu “nah, primeiro a gente tem que lançar as nossas”. E a gente ia gravar tipo por agora. As férias da Bidê teriam sido pra gravar essas músicas (perdidas) de Porto Alegre, só que daí ele morreu.

E essa ideia da Bidê gravar essas músicas sobre Porto Alegre, vocês pensam ainda?
Morreu com ele no show do David Byrne (no dia 22 de março de 2018, quando o talking head se apresentava primeira vez em Porto Alegre, chegou a notícia do falecimento do produtor). Eu vi o Frank (Jorge) chorando

O Frank soube no show?
No show. O Guri (Assis Brasil, ex-Pública) também estava, a gente se encontrou depois no Alfredo (bar que fica aberto 24 horas em Porto Alegre), e ele estava muito mal, pois estava tocando com o Miranda no Cumbia Negra. Foi muito chato.

Mas não era conhecido (o estado de saúde de Miranda)…
Ele não contava pra ninguém. Queria ser generoso.

Tu sente alguma responsabilidade (por estar no lugar do Miranda)?
Total responsabilidade. Pra começar, o negócio das letras, por mais que ele não fosse exatamente o letrista, eles já tinham na ideia deles de voltar com a banda, já tinha a ideia de atualizar as letras. tipo “Shoobydahbydooba” falar de uma Porto Alegre atual. Essa pra mim, bah, tenho até certa vergonha e estou louco pra ver como as pessoas vão reagir, pois me falta aquele sarcasmo que eles cantavam. Meti na letra o cara da sunga (homem que é visto com regularidade correndo pelas ruas da cidade vestindo apenas uma sunga), falei do Fantaspoa (festival anual de cinema fantástico), do Ocidente com alvará (risos – o tradicional bar de Porto Alegre obteve a regularização oficial da prefeitura em dezembro do ano passado, após 30 anos com as portas abertas). E dá esse temor: como é que o pessoal vai receber? Mas tudo bem, até porque é um negócio punk. Por mais que minha primeira banda do colégio fosse punk, agora é a primeira vez que eu tenho uma banda punk.

Nunca tinha gravado punk?
Nunca consegui gravar nada, é a primeira vez e é realmente hardocre, uma doideira. Tá muito Butthole Surfers, foi muito legal, eu estava curtindo muito Butthole Surfers, daí o Castor veio com essa. A nossa maior referência é o Butthole Surfers, “é isso, sempre quis ouvir isso”. E também rolou um negócio espírita…

Como assim?
Nos ensaios, que foram gravação também, o Rogério Ferrari foi fotografar e filmar a gente, a e a gente estava muito envolvidão ali, e falando do cara o tempo inteiro, e não só dele, mas de outros mortos também, do Nequete, dessa moça que batia com uma corrente, eu não sei o nome dela, mas ela morreu. E a gente falando muito sobre isso, Nequete tem histórias muito loucas, divertidíssimas. Então a gente contando essas histórias, e tiramos uma foto e na hora que fomos olhar os caras disseram: “Olha ali o Miranda”. Na minha sombra. É a foto de divulgação do Atahualpa. A minha sombra ficou muito parecida com o Miranda em uma foto. Rolou esse papo, e no dia do show que a gente fez no ano da morte do Miranda, o pessoal enlouqueceu, foi muito massa, uma emoção estar tocando, e estou tocando teclado também, que é uma loucura, nunca tinha tocado um instrumento ao vivo um show inteiro. E quando acabou chegou um rapaz e disse: “Oi, Carlinhos, deixa eu dizer que sou médium e que o Miranda tá aqui”. Aí eu disse: “É, a galera está comentando”. Ele disse: “Miranda está aqui e mandou te dizer que gostou muito”.

Tu acredita nessas coisas?
É o que me sobrou (risos).

Que bom que ele estava ali né? Ia ser chato se tivesse em outro show.
É, se ele tivesse perdido o show. Mas rolou isso daí. Já é uma responsa. Ainda mais dizendo que o cara está ali. Tá sendo muito legal. Me envolvi um monte na produção junto com o Flu, que produziu tudo, gravou tudo e eu fui assistente do Flu, em todas as etapas. O Castor é super apegado nesse negócio de Instagram, tocou tudo, fez um monte de coisas. E ele tá lá em Maceió, e eu e o Flu daqui. Eu e o Flu já tocamos no Só Amor também, que é um negócio que a gente faz por aí. Flu quando vem pra Porto Alegre fica na casa da minha mãe. Ele mora em Maquiné, onde a gente gravou. Ele não tinha conseguido gravar nada lá em Maquiné e aí eu disse “vamo gravar as minhas vozes lá em Maquiné”. Daí passamos uns quatro dias lá gravando.

É um estúdio que ele tem lá?
É uma casinha que ele tem com todas as coisas de estúdio. Gravamos na rua, tudo aberto, tudo vazando, mic de mão, tudo muito punk, tudo muito tosco. Gravei com microfones direcionais, que não são microfones de registrar voz. A mix é que foi uma mix grandona, pois é da YB, um baita estúdio de SP, nossa parceira, gravadora que está lançando o disco. E a mix é que foi num outro sistema, com o Cacá Lima, que é o cara que mixou, reclamando o tempo inteiro da qualidade de gravação (risos). O registro das bases foi bom, num estúdio aqui do IAPI, mas os microfones ele dizia “que que é isso”, e a gente tava tri feliz.

Tem alguma música nova?
Três músicas novas no disco.

São de quem?
Duas a gente fez improviso na hora da gravação, e eu inventei duas letras na hora, enquanto estava gravando, tinha microfone de guia e fiquei inventando umas bobagens na hora. Depois a gente editou essas viagens, uma era de 17 minutos e passou para oito (risos). E eu falando bobagem o tempo inteiro. A outra era 7 passou pra 3. Essas duas músicas foram inventadas. Uma terceira, os guris… a gente quando fez os ensaios, eles falavam “ah, vamos tocar esse sonzinho Atahualpa, esse pop básico”, a gente dizia. “Qual é a estrutura?”, “ah, a estrutura é estrofe-refrão, pop básico”. A gente ficava brincando, só que era tocando hardcore. E chamava de pop básico. Pensamos em chamar o disco de “Pop Básico”, e por muito tempo ficou fixo na nossa cabeça, e eu estava adorando esse nome. Só que daí a galera lembrou-se do nome que o Miranda usava no Instagram, o Minimundo, e a gente: “Vamos chamar de Mini Mundo”. E eu “bah, mas temos que usar o pop básico”, a gente queria usar numa dessas músicas que a gente tinha inventado, e eu “bah, mas aquelas já têm nome”. Uma é “Micose” outra é “Plus a Mais”. Um dia saí caminhando na rua e inventei uma música. Cheguei em casa, gravei com meu tecladinho tosco e mandei pra eles. E chamamos de “Pop Básico”, depois a gente só botou mais uns elementos, Castor mandou um ukulele lá de Maceió, chamou participação do Guri e do Gui que eram da Pública. Essas três têm mais a ver com “Agradeça ao Senhor”, que era uma coisa inventada na hora assim, mas é legal porque eu fiz pensando nisso, de manter a poética do Atahualpa que é uma coisa pessimista, é uma coisa que traz muito dos elementos do Flu, do Jimi, das conversas que a gente vinha batendo. O Flu ouviu a “Pop Básico” e disse: “Ah, é tudo que a gente estava conversando” (risos). E eu disse: “É isso aí”. Então são três músicas novas: “Pop Básico”, “Plus a Mais” e “Micose”, cuja letra diz: “Se a gente fosse só micose, dando no pé de alguém que a gente não conhece, visitando lugares que a gente não conhece sem poder aproveitar.”

E isso é a poética do Atahualpa?
É uma poética cósmica. Micósmica (risos).

Vocês acham que toda uma nova geração que não conheceu a banda vai se ligar agora? Porque o Atahualpa era uma coisa de escavação.
Era um supertrunfo. Eu espero que valorize, coloque o Atahualpa mais nesse cenário histórico do rock gaúcho, que tenha essa importância – nem eu sabia o quanto tinha antes.

Acho que muita gente não sabe…
Mas ao mesmo tempo, acima de tudo, são os caras fazendo som pra se divertir, que é como tem que ser. Como fizeram naquela época, como eu tenho procurado fazer ultimamente. Tenho sido tão feliz com isso, não quero mexer mais.

Vocês vão prosseguir com isso, fazer um novo disco?
Primeiro as primeiras coisas: vamos lançar, fazer shows, tentar Goiânia, Belém, lugares até que o Miranda teve alguma história. Porque o show vai ser uma grande homenagem ao Miranda, tem uns vídeos que a gente passa antes, mostrando coisas do Miranda. É muito desse negócio de valorizar, mostrar um lado do Miranda que pouca gente conhecia. E também ver se ajuda um pouco a família, a Bel e a Agnes (viúva e filha do Miranda).

Vocês vão reverter a renda…
A gente fez dois shows nesse clima, e a gente botou também a autoria do Miranda em todas as músicas, mesmo as que ele não fez, é a gente e ele. Só “Pop Básico” que não. É a primeira música da minha vida que sou só eu. Depois que vi o contrato foi “bah, a primeira vez que eu assino sozinho contrato de edição”.

E a Império?
Lançou o terceiro disco, “Tôco Maravilhoso” (2019), uma consequência do disco anterior, “Só no Pallets” (2017), eles dialogam, porque eles vêm das músicas que a gente inventou pro bloco de carnaval. “Só no Pallets” bem mais, ele é um disco do bloco de carnaval. Pro “Tôco Maravilhoso” a gente já imaginou assim, que é o que a gente tem feito, é a mesma coisa, são músicas que a gente fez pro bloco de carnaval, e o bloco hoje já não toca só marchinha e só axé como foi no “Só no Pallets”. A gente toca mais ritmo, tem bem mais funk agora, e mais outros estilos. O disco tem um monte de ritmo.

É bem festivo…
Isso porque a gente fez durante ensaios do bloco de carnaval. A gente faz o ensaio aberto e fica inventando música ao vivo, e daí a gente foi registrando essas músicas, algumas a gente já sentia necessidade, acabou virando disco. Ia ser um EP, mas aí foi “ah, tem mais essa, mais aquela”, e acabou virando um disco. Já estamos pensando no próximo. Império é esse desafogo de junção dos amigos. Como eu disse, tenho feito música bem mais voltada para me divertir. Citando “Campo dos Sonhos” (um filme de 1987, com Kevin Costner), “se você construir eles virão”.

Mas antes não era assim?
Em algum momento não, em algum momento virou sério, na Bidê estava muito sério, claro, sempre foi se divertido, mas um pouco de pressão existiu na época. Tanto que a gente passou quase 10 anos sem lançar um negócio, tentando fazer esquemas com gravadora, e isso aí atrapalha um pouco.

Um senso de responsabilidade?
Não por querer, mas por negócios, business. Coisas que surgem e acabam tomando conta mais do processo e atrapalhando, às vezes ajuda. Às vezes quando pinta uma grana te insufla, quando tem uma gravadora que te bota dentro de um estúdio, surge um disco inteiro, mas no sistema independente a gente precisa se lembrar mais da diversão. As férias da Bidê foram uma coisa minha, porque eu entrei num processo de desintoxicação, de impurezas espirituais…

Física?
Física, química. E coloquei os “evites hábitos, pessoas e lugares”, porque ou eu ia ter que largar a música ou eu ter que reinventar o jeito de fazer. E eu pensei na época justamente isso. Coloquei a Bidê nos meus evites, foi “ah galera, a gente está num relacionamento tóxico, todo mundo, vamos dar um tempo pra gente ter saudade e voltar depois”. Isso foi em 2016. A Vivi estava fazendo já o mestrado dela e estava pintando a proposta pra ela ir pra Portugal, então fechou todas pra ela. A gente se combinou. No final de 2016 a Bidê parou e eu tinha um monte de música guardada, dessas que eu vinha fazendo com a Império, com o bloco de carnaval, daí a gente gravou o “Só no Pallets”. Tinha as músicas do Bife Simples, que eu vinha inventando shows, então eu queria botar pra fora, e no processo de botar pra fora, eu encontrei esse prazer de novo pela música e agora estou bem mais apaixonado pela música e querendo fazer bem mais e mais e mais. Inclusive estu pensando muito nas próximas coisas da Bidê.

Qual que é a perspectiva pra Bidê? Vocês já se falam?
A gente conversa. A Vivi está fazendo doc ou pos doc em Portugal e assim que ela acabar ela volta e nossa ideia é quando a gente se encontrar fazer alguma coisa. Mas é como eu disse, tem música sobrando, tem algumas coisas que a gente andou se conversando: “Bah, tinha que gravar aquela, vamos ver o que vai acontecer”. Primeiro vamos se encontrar e dar uma risadas juntos, fazer um churrasco antes.

Bom jeito de começar.
É como eu sempre faço.

Mas voltando ao disco da Império. Entrou “Lucina” (versão de uma antiga da Superguidis). É a mesma que tinha entrado na coletânea?
Isso, no tributo à Superguidis.

Mas como foi a ideia de fazer?
Fernando Rosa criou esse tributo à Superguidis e me ofereceu: “Quer fazer alguma coisa?” E eu: “Quero ‘Lucina’”. Na hora. Já sabia o que era. E aí, com quem? Porque a gente tocava “Lucina” bem no comecinho, uma versão folk do começo da Império, com o Guri e o Guilherme, que eram da primeira geração da Império. Quando fui pra SP no ano passado pra ver o show do Primal Scream, o Guri estava com estúdio, e eu disse: “Vamos gravar ‘Lucina’”. E a gente fez essa versão mais funk psicodélica, mais dançante, que é bem diferente do que a gente tinha feito lá em 2007, 2008, no começo da Império. E sem querer querendo tem tudo a ver com o resto das músicas da Império. É muito sem querer que o disco da Império meio que tem uma identidade. É um ritmo diferente em todas as músicas, nenhum ritmo quase se repete. Tem a coisa cumbia latina que rola em “Louca pra Ir pra Praia”. E “Impune” era uma base que era pra ser “Louca pra ir pra Praia”, só que daí a gente tocou ela orgânica, a “Louca pra ir pra Praia” então deixou aquela base, e eu: “Vou chamar o Fabão (vocalista de reggae porto-alegrense) pra inventar uma música pra gente”. Mas de resto é um ritmo diferente do outro, mas de alguma forma elas têm essa unidade. Se criou um estilo no disco. Sou muito feliz com esse disco da Império, produzi ele, eu e o Marcelo Granja. Vem do Granja isso de tirar um som semelhante apesar dos ritmos diferentes, foi ele que mixou o disco, deu uma cara pro disco. Algumas coisas aconteceram ao natural, como o fato de ser meio político.

E sobre a música dos salários, como surgiu essa ideia? (“Meia Parcela” fala sobre o parcelamento de salários do funcionalismo gaúcho, que vem acontecendo desde o governo passado, em função da crise).
Ah, no auge do sartorismo (José Ivo Sartori, governador do RS até o ano passado), a gente estava no Rosa e inventou uma música na hora, eu Granja, o Sassá, esperando o Império chegar pra um show, a gente inventou a música, ficou cantando por três horas, daí depois a gente chegou em Porto Alegre e registrou. Foi tudo sendo registrado separadamente. A gente não sabia como seria lançado. Foi gravado música por música. Elas já tinham essa coisa política. De certa forma o mesmo tom, é político, mas é “bora festejar, bora dançar”. Esquerda festiva. Isso tem a ver com o fato de ter origem nos blocos. Já que está difícil não pensar e falar sobre isso, vamos criar sobre isso. Ainda mais no ano passado, quando criamos o disco, e era o ano da eleição, aquilo ali era impossível de não estar vivendo. Essa história dos salários serem pagos parcelados, agora nem tão pagando (no meio deste ano, o atual governo passou a quitar os salários somente no mês seguinte), e fiquei chateado. Quando saiu o disco, pensei: “Bah, agora trocou de governador, ninguém vai entender, demorou pra sair a música”, mas agora estão fazendo pior (risos).

Mas quando tu escreveu tu achou que isso ia se resolver?
Não, não, a gente até não botou o nome dele pensando que poderia ser qualquer governador. E aconteceu. Infelizmente. Mas, além disso, teve a questão do Lula ter sido preso, do Rafael Braga, essa coisa de prisão política. Por outro lado tem o Fabão, que nos chama de esquerdopata, ele é super anarquista louco, inclusive foi no que a gente se identificou na hora de fazer a música, mas a gente juntou duas formas de ver uma coisa dentro de uma só. Essa frase no ‘Impune’, “não conheço ninguém que não mereça ser preso”, que representa bem isso, toda prisão é política, vamos dançar na hora do atraque e todos nós meio que merecemos ser presos. Ainda não liberaram a maconha e estamos andando com ela por aí (risos).

Vocês fazem show com a Império direto…
…de tudo quanto é formato,

Alguma vez vocês notaram alguma reação negativa?
Não, quem poderia ficar de cara acho que não percebe. Não aconteceu até porque não somos tão expostos assim. Quer dizer, no carnaval a gente tocou pra 30 mil pessoas, mas acho que quem está no carnaval está mais do nosso lado. Mas “Dançando no Giroflex” é uma coisa que todo mundo se identifica, todo mundo manda coisa falando, mandaram vídeo, a gente pede que a galera mande vídeo dançando perto de sirene de giroflex.

Mandaram?
Mandaram (risos).

Vocês fizeram alguma coisa?
Queremos fazer, no clipe vai ter alguma coisa com isso, não sei se o clipe ou o teaser do clipe vai ser nesse clima, dependendo do que a gente captar, a gente vai usar no meio ou de teaser, monte de gente, velho, novo, dançando no giroflex.

Já tem coisa engatilhada pra Império no futuro?
Continuar, sim, a gente vai sempre continuar inventando, mudando. Vamos manter sempre um clima de não ter formato, não ter estilo fixo, pode pintar uma coisa. É uma cooperativa divertida, a gente está combinando de ir pra praia e inventar pela primeira vez tudo junto, de uma vez, já pra ser diferente. Nosso método é o “quem está, estava. Quem for, participou do disco”. Então dessa próxima etapa pro final do segundo semestre é gravar alguma coisa. Vamos ver o que vai sair, e vai ter o carnaval de novo ano que vem, a gente já tem show marcado até dezembro. Tem o Império Novelas, a gente é chamado pra muita coisa, evento corporativo, casamento, aniversário, muita festa diferente. O Império as pessoas pedem, a gente vende de um jeito assim, a gente se adapta ao gosto do freguês. É uma questão de cachê: “Ah, quanto é que a pessoa quer pagar?” Paga tanto, então vou levar só eu e mais um magrão e era isso, aí a gente pensa no repertório. Império é pra ser assim.

Banda de baile?
Começou como uma banda de baile, daí foi virando também autoral, trabalhos específicos, a gente fez 40 discos inteiros (“Classic Albuns”, um evento que rolava no antigo Beco em Porto Alegre, em que a banda tocava um disco clássico na íntegra). Isso é muito trabalhoso, era meio estressante, daí não é divertido, tinha que cobrar da galera, tem que ir no ensaio, tem que tirar música.

Mas era tão legal…
Era muito legal, eu sinto falta, e estou sempre com essa ideia na cabeça. Se tiver alguém que dê um cachê mensal fechado, rolaria. O problema é que a gente fazia na bilheteria e daí às vezes esse stress todo não valia tanto a pena. Alguns valiam, estava sempre cheio quase, mas alguns não valiam. Daí dava uma dor na alma.

Quantas bandas tu tem no total?
Tem o Bife Simples, que sou associado às guarnições. É a minha viagem de improviso mesmo, de ficar inventando música na hora. Quem deu o start e é minha parceria mais frequente é a banda O Carabala lá de São Leopoldo, e também o Jojô, João Augusto, (que agora toca com Filipe Catto, Tagua Tagua), e o Petraquinho, Pedro Petracco, que me acompanharam bastante. Mas tem outras bandas que ajudam o Bife Simples, ou eu faço o show Bife Simples e as Guarnições mais Preza, recebendo um monte de convidados, para improvisar. O improviso que a gente faz geralmente é assim: ou inventa uma música inteira na hora, no show, ou “Ah, lembra daquela, daquele último show? Ah, não lembro do tom, então toca como tu quiser, a gente vai tentando lembrar músicas que a gente tocou no último show” e aí vai mudando a música, e algumas a gente consegue se lembrar e repetir, meu processo de criação desde sempre foi muito assim. O que tu lembra é o que é bom. Então invento, saio cantarolando, e se eu gravo, “ah essa é boa, essa eu vou lembrar”. Algumas coisas lembro de cabeça. Tem músicas que eu me lembro de cabeça desde a infância que eu nunca gravei. Tem um monte de música solta na minha cabeça. Daí essas que eu lembro eu penso “essas são as boas, essas ficaram”. Então gravamos. Os guris do Carabala não tavam fazendo mais nada junto há um tempão, a gente inventou as músicas há um tempão e ficamos sem fazer nada. Então descobri um rolo de fita pra gravar no Panamá (estúdio que fica em Porto Alegre), e eles não tinham usado! Eu disse: “Ô meu, vamos gravar aqui”. A gente foi pra lá e gravou o que lembrava (risos), quatro músicas, que rendeu o primeiro EP com “O Cheiro da Chuva”, “Na Farmácia”, “Pobre da Velha” e “Congela!”. Depois a gente gravou um segundo EP lá no IAPI seguindo o mesmo sistema: cada show que a gente fazia ficava inventando as músicas e o que se lembrava, gravava. Nesse também algumas a gente gravou só a base e eu inventei música em cima na hora, que foi a do Beto Bruno.

Qual a história dessa música?
Uma época teve um negócio com um músico daqui, que eu e ele meio que discutimos no Twitter.

Qual músico?
Não vou dizer.

Faz tempo isso?
Uns 10 anos.

Mas é do rock?
Se tu acha que aquilo é rock (risos). A gente discutiu. Eu contei pro Beto e o Beto: “Para de brigar com esse cara (imitando o sotaque forte de interior que tem o Beto), briga comigo que a gente é amigo daí a gente pode brigar”. E ele: “Bah, vamos inventar uma briga”, e fiquei com isso na cabeça. E durante os shows da Bife Simples há uma música do EP novo que chama “Saudades da Mesbla”, e a Mesbla aqui, no centro, da Dr. Flores, foi uma das primeiras escadas rolantes que existiram em Porto Alegre. No dia que inventei a música lembrei da escada rolante. E daí não entrou na gravação, essa parte da escada rolante. Mas no dia que eu inventei (a música “Beto Bruno”) “aí eu te encontro na escada rolante, vai tá tomando refrigerante, e a minha música é feita com rima sem graça que nem as da Cachorro Grande (risos)”. Que eles têm “Roda Gigante” (música do disco “Todos os Tempos”), e eu sempre me arrio (debocho, em gauchês) “bah, que que é aquelas rima de vocês”. E fiquei com aquilo na cabeça. Quando os guris inventaram uma base na gravação, o Viça, que é o Vicente Guedes, disse: “Eu te mando esse bounce, tu inventa uma letra”. E eu inventei a letra, misturei todas essas coisas sobre o Beto. Já tinha esse versinho ali, “bróder, tua voz é chata e as letras não ajudam nada”. Isso eu já tinha na minha cabeça, daí fui pra esse lado da nossa briga combinada. Vamos fazer um vídeo indo às vias de fato. Foi muito massa. Na época o Petraquinho tinha ido pra SP pro Lollapalooza, ia ficar na casa do Beto, só que daí o Beto mandou uns áudios muito engraçados pro Petraquinho, e a gente usou na música. Tem o tempo inteiro ele falando, “Tô preocupado com o show do Liam Gallagher (risos)”, ele falando um monte de coisa que é de um áudio de Whatsapp que o Petraquinho usa muito. A criação do disco do Império tem muita coisa de áudio de Whatsapp. No “Só no Pallets” tem uma voz inteira minha gravada pelo Whatsapp, a gente pira bastante nisso.

Acaba sendo mais uma maneira de criar.
Exatamente.

Áudio de whatsapp é arte?
É, também. Tudo é, né. Duchamp também (risos).

Tu foi no show da Cachorro Grande (a despedida, em Porto Alegre)?
Não consegui ir. Dia 13 de julho é o nosso 20 de setembro (feriado da Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul) dos roqueiro, tem que trabalhar pra caralho. Tive três shows nesse dia.

O que tu achou quando tu soube que a banda ia acabar?
Não sei o que eu achei. Não posso dizer que fiquei triste porque a banda já estava muito descaracterizada depois que o Gross saiu, e foi legal que ele voltou, até falei que tinha que ter chamado o Bocudo (Jerônimo Bocudo, ex-baixista), já que o Rodolfo (Krieger, baixista da última formação) foi viajar no meio da turnê. Enfim, eles fizeram muito bem feito, deram o valor que a banda merecia. O Beto está de parabéns por ter bolado isso. Ele já estava bolando o disco solo dele, “vou fazer uma turnê legal pra Cachorro”, acabar isso, o jeito que eles fizeram foi super emotivo, mas super legal, envolveu todo mundo. Acho que eles estão de parabéns, salvou da bad vibe que tinha rolado com “Electromod” (2016), então acho muito afudê, não que a banda tenha acabado, mas o jeito que trataram isso. Cheio de carinho, principalmente da parte deles e carinho também com o público, atenção com o público, a galera seguindo eles afu.

(Carlinhos retoma a listagem de bandas)
Além do Bife Simples tem a Só Amor, em que eu toco com o Flu e o Chicão. Tem também a Carlinhos Carneiro e a Jovem Tiozinhice, que é o único projeto que leva o meu nome porque eu inventei pro meu aniversário de 40 anos, no ano passado, e minha ideia era tocar uns boleros, umas músicas dessas que eu guardo na minha cabeça, que eu imaginava boleros e eu nunca botava em nenhum dos meus projetos. Então inventei esse show de boleros, a gente fez no meu aniversário. A Gisela Sparremberger assistiu e veio falar comigo “Carlinhos, tu não tem algum desses teus projetos que a gente possa levar pra teatro?”. E eu disse “esse”. Eu imaginava esse show em teatro. A gente criou a peça “Coração de Búfalo’. Teve duas temporadas no começo do ano. E o “Coração de Búfalo” é o espaço dessa banda, da Jovem Tiozinhice, que é pra tocar músicas de tiozinho. É o porquê de eu estar com o cabelo pintado.

Tu pinta o cabelo?
Eu pintei isso aqui, eu não sou grisalho.

Não é grisalho?
Eu tenho que parecer mais velho, sou muito jovem (risos). Só tenho (cabelos brancos) dos lados. A gente tinha apoio de cabeleireiro, então fui lá e disse “quero ficar velho, grisalho”.

Tu atuava?
Mais canto do que qualquer coisa. Mas canto atuando, daí tem três atrizes, a Gisela Sparrembeger, a Adriana Deffenti e a Denizeli Cardoso. A Adriana e a Denizeli cantam também. E a Gisela dá os textos. A gente criou junto com o Bob Bahlis, que é o diretor da peça. A gente criou uma linha, falando sobre amor, sobre coisa da criação, da musa, coisa por trás do artista, a partir de cartas de poetas e tudo mais, projeto que o Bob já tinha, na cabeça dele, de usar cartas da Clarice Lispector, da Sylvia Plath e do Caio Fernando Abreu. Daí as atrizes também trouxeram textos, Denizeli trouxe uma Elisa Lucinda, a Adriana trouxe um texto do Mario Quintana e do Aldir Blanc, e fomos criando esse formato, mas ainda está em aberto, a gente vai formatando a cada apresentação. A primeira vez foi no Teatro de Arena, dentro do Porto Verão Alegre. A segunda foi no Teatro da Santa Casa, e foi totalmente diferente, palco italiano, e daí muda o jeito de ser. Então é outra coisa que a gente está explorando. Desde essa parada da Bidê fiz outro negócio com teatro que é o “Reuniões Importantes”, com Marcos Contreras, Alexandre Cardoso, Thiago Souza e Nathalia Nunes, que era de improviso no teatro. Também tinha música. Levei os guris do Carabala. A gente fez o Bife Simples, mas também tinha atuação. Era uma reunião, a gente dava um tema pra reunião e aí cada um saía inventando o que queria daquela reunião. Podia ser uma intervenção de um jovem louco ou a decisão de um novo imposto do governo federal, qualquer coisa, o que surgia na hora. Tem a ver com aquele processo que eu pensei “como fazer diferente meu trabalho com a música ou com a arte em geral”. Então essas coisas estão surgindo ao mesmo tempo. Eu penso bastante em teatro, vídeos, cinema. Dirigi uns clipes também. Penso em mostrar pro público hoje esse artista que faz coisa demais. Quero atrapalhar a galera. Quero justamente isso. Porque sou sempre o “Carlinhos da Bidê” e quero justamente brincar com esse atrapalho. Quero atrapalhar pra que essa atrapalhação seja uma forma de linguagem artística. Que é verdade, como eu venho te dizendo, eu fico fazendo as coisas, tudo meio instintivo, aos poucos as pessoas vão entendendo. Nesses últimos dois, três anos, isso aumentou. Até o fim do ano irá sair uns 4, 5 lançamentos. Em 2017 e 2018 eu lancei dois discos por ano. Esse ano acho que serão cinco. Até porque já estou pensando que daqui a pouco vai vir a Bidê e daí vou parar pra fazer, vou querer parar pra isso. Então estou brincando com um monte de coisas. Mas gosto dessa ideia de passar a mensagem de estar fazendo um monte de coisas. Porque acho que tem a ver com os tempos de hoje, o novo jeito desse artista se posicionar. A diversão ainda é o carro chefe, mas existe um pensar por trás disso tudo. Querendo ou não, sempre tem algum projeto que ainda não coloquei em prática, e que está na minha cabeça. Tenho vários. Tem uma peça que a gente tá escrevendo. O nome provisório é “O Vazio entre os Irmãos Muscoff”. Eu e o Mario Contreras e o Lúcio Fernandes. Estávamos escrevendo. A gente começou, parou, agora acho vamos retomar. Tem um filme, um vídeo que eu queria fazer, um filme mudo em que a trilha sonora fosse tocada ao vivo, sempre improvisada, um Bife Simples cinematográfico, esse está mais guardado, mas tenho uma ideia do roteiro. Eu quero fazer pro Fantaspoa, pois sou amigo dos guris, e o desejo é tocar todos os dias do Fantaspoa, 15 dias, cada vez com um pessoal diferente, uma trilha totalmente diferente, que o clima do filme muda a partir da trilha sonora.

Como seria o filme?
Uma mistura de terror com faroeste com realidade sociopolítica brasileira. Um trabalhador braçal envolvo em apuros de terror e faroeste.

O que é algo bem real.
Exatamente. Que se for tocado com um clima de suspense vira um filme de suspense, se tocado com um clima de comédia vira comédia. É mais ou menos essa base da ideia. Tem mais algumas ideias soltas. Tem muita coisa solta na cabeça. Tem músicas que estou fazendo, eu tocando violão, que nunca gravei e que pode sair esse ano ainda. E tem uma banda que a gente fez em São Paulo só pra fazer uns shows enquanto a gente estava mixando o Atahualpa, que é a Orquestra da Depressão Provinciana, que é com os amigos que moram lá, como o Clayton Martim (Cidadão Instigado), a Biba Graeff, o Guri Assis Brasil e Guilherme Almeida, o Malásia na percussão, e o Haroldo Paraguassu. O Papel tocou com a gente também, Alexandre Loureiro.

É uma banda de lá…
Com repertório de músicas minhas e do Flu. Agora a gente está botando música dos outros também, mas que está com um som bem seu. O Clayton toca bateria de pé, meio Moe Tucker do Velvet, e daí essa banda tem uma sonoridade bem sua. Tocamos músicas da Coração de Búfalo, da Bidê, do Bife Simples, do Império, do De Falla, do Atahualpa, e todas estão soando super diferentes das originais. A gente gravou uns shows, não sei se vamos lançar pirataria oficial, que também é um negócio que quero fazer com a Bife Simples, que tem gravação desses shows que a gente inventa música inteira. Cogito também botar pra fora isso, mal gravado, vai que é um Dodge. Mas ainda não sei se de repente essas músicas que tenho não vão ser absorvidas pela orquestra, ou se vão ser uma coisa minha, ou se vão ser do Bife Simples, ainda não sei como vai vir à tona isso. Tem música que eu guardo há mais de 10 anos. Eu não sei tocar direito. Daí quando eu aprendo eu invento uma música.

Quando tu fica elaborando as músicas vem só a letra, a melodia, tu já pensa um arranjo, como é que isso se dá na tua cabeça?
Ah de todos os jeitos, às vezes vem inteira, sobrando partes, estrofes inteiras, refrões, e tudo mais, e depois edito e vira música. Às vezes as pessoas tocam e eu invento em cima, uma coisa na hora. E às vezes, que nem eu fiz no “Pop Básico”, invento caminhando na rua. Daí tento, e isso é novidade pra mim, botar os acordes dentro. Nunca fazia isso, eu sempre cantava pra alguém e a pessoa fazia, agora estou conseguindo. “Pop Básico” foi a primeira que eu compus inteira, agora tem umas tantas que eu fiz, não sei se vão acabar sendo só minhas, se não vão melhorar depois que alguém mexer.

Mas tu pensa assim: “Agora vou parar e inventar uma música’?
Às vezes eu penso: “agora eu vou parar e inventar uma música”. Às vezes eu tô lavando louça, inclusive, ó, mais um lançamento desse ano, Irmãos Panarotto e Império da Lã que a gente gravou com o pessoal do Repolho, a gente estava combinando de gravar uma música deles. A gente tem uma piada entre nós que eles fizeram com o Júpiter há muito tempo.

Da estátua?
É! Eles falaram pro Júpiter que a estátua do desbravador em uma das avenidas principais de Chapecó era em homenagem a ele, e ele “ó, que interessante, man, porque que colocaram um machado e não uma guitarra?” (risos). Eu ia gravar com eles e me lembrei, a gente falou “ah vamo gravar a música deles – que é ‘Bunda’ – e vamos inventar mais uma”. Daí fui lavar louça e me veio vários versos sobre a estátua para Júpiter Maçã.

Tem nome a música?
“Estátua para Júpiter Maçã”. Vai sair esse ano (junto com “Bunda”), só falta gravar os vídeos. É com parte do bloco, mais o clima do bloco. Uma música deles que é “Bunda”, é um funk, e essa daí que é meio Caribe Para Bahia (risos). A gente tá muito nessa onda Caribe. Tem mais música que estou fazendo com a Comunidade Nin-Jitsu. Fiz ano passado uma música com o Fred Chernobyl, que se chama “Te Acalma”, que a gente lançou pela Deck, com a Melina Vaz cantando, Erick Endres, Arthur de Faria e King Jim, uma galera.

Tipo Os Vingadores de Porto Alegre?
Isso aí, que é meio clima gypsy. E com funk. E agora com a Comunidade tem uma música que eu tinha inventado com a Império depois cantei com a Comunidade, encaixamos, e estamos desenvolvendo ela, mais pra além. Se chama “Amante Extraordinário”. Naturalmente não é autobiográfico.

Existia essa época, essa geração mais recente do rock gaúcho, que vocês e a Comunidade participavam. E hoje, o que que está rolando?
Hoje está muito afudê que tudo que dxtá surgindo vem com uma linguagem totalmente oposta a esse daí. Esse pessoal tipo a Saskia, toda aquela galera da Tronco, Pedro Borghetti, o Poty, pós-Ian Ramil, pós-Apanhador, pós-Dingo Bells, que surge agora, a Paola Kirst, Supervão. As bandas mais gurizada rock, os Bordinis, os Croquetes que vão abrir pra gente e que são punk mesmo. Toda aquela galera do Dub (estúdio de Porto Alegre), Cine Baltimore, a galera do Cidade (Everton Cidade, músico e escritor de São Leopoldo), Santo Suzuki, tem o Murder Ballads. Mas em comum, mais uma vez, a música feita aqui não tem muito em comum. Na real, até os hipsters, essa galera da Trompa, até eles tem uma coisa que os interliga, mas é muito legal que mais uma vez tudo isso seja bastante plural, bastante diverso, então tem muita coisa acontecendo de uma forma bem diferente de como acontecia antes. Acho sempre inspirador, é sempre legal. E pra esse tempo novo, não tem mais nenhuma rádio. Não existe nem o meio nem a ideia de se ligar uma rádio pra ouvir música, tudo muda o jeito de fazer música. Se é Spotify, se é playlist do Spotify, é o teu nicho, o Supervão é um exemplo disso, acho que a Saskia também, os dois têm apoio da Natura Musical, já vem nesse clima de uma coisa super nicho mesmo que pode tomar uma proporção maior e diferente, a gente não sabe como é a nova proporção de um novo artista desses, o pessoal tem muito pra explorar. São todos ultra-autorais, bastante cabeça, cabeça não sei se é o termo, mas bastante artístico, tem bastante coisa bem artística, cheio de referências que não são referências pop necessariamente. Ainda tem coisa pra acontecer, os meios determinam um pouco do produto final. Como que a música vai adiante, que tipo de show pra que tipo de público. Aquela história do David Byrne de que quando o cara toca na garagem faz o show de um estilo, quando vai tocar numa arena faz o show de outro estilo. O som é de outra forma. Como esse público agora está fazendo música em casa, criando nos seus home studios, leva isso pra um primeiro show pra 20 pessoas dentro do Sofar, e depois pro Sesc Pompeia ou pro Bananada com apoio da Natura Musical. Mais uma vez é isso, Supervão e Saskia, é exatamente disso que estou falando, como eles vão fazer isso ainda é uma incógnita, ainda não enxergo como isso vai acontecer. E é maravilhoso. Essa incógnita é que é divertida. Mas tem um monte de gente fazendo um monte de coisa, muita gente no interior também, agora está mais democrático. Acho que a música que está sendo feita aqui passa por essa incógnita gostosa que está surgindo. Acho que é legal e tem muita gente legal.

Tu vê alguma comparação dessa sua geração com o agora?
Não tem como. Costumo pensar que a Bidê acabou com o rock gaúcho. Porque a Walverdes não tinha foto até 2000 e pouco, eles tocavam desde 94 e nunca tinham feito foto oficial da banda. Quando a Bidê surgiu, a banda já veio com foto, logotipo, site. Na mesma época a Tom Bloch estava fazendo isso, a Wonkavision, a Video Hits, todo mundo surgindo na mesma época, e com a Bidê a gente meio que fez isso (de surgir com tudo pronto). Logo em seguida veio tudo que é banda com tudo prontinho, às vezes nem sendo tão legais, e isso meio que atrapalhou (hesita). Hoje em dia, o pessoal tem logotipo e foto antes de qualquer coisa… Não tem nada com matar o rock gaúcho…

Mas domesticou…
É, mas antes já existiam também montes de bandas que não duravam, sempre existiu isso. E naquela época existia rádio. O que aconteceu com a Bidê não tem como acontecer de novo. A gente botou “Melissa” quando gravou na demo, na Ipanema, na Pop Rock, na Atlântida e tocou nas três, a mais pedida em duas semanas das três rádios. Depois pintou contrato com a gravadora, a Abril, que era uma gravadora nacional. Para repetir aquilo lá só através de um Natura Musical. Isso é muito massa, é o formato da música mudando. Está todo mundo pensando novas formas de lançar. Ainda sou fã de disco, lancei o “Tôco Maravilhoso” por isso, ainda gosto disso, sou velho. Youtube serve pra botar o full album e deixar ouvindo. No Spotfiy não fico tanto ouvindo playlist, escuto discos inteiros. Sei que absorvo a plataforma de um jeito diferente. Vinil é um artigo de luxo, a fita cassete a pessoa compra sem ter onde ouvir. Então existem outras possibilidades, tem outras coisas. São outras realidades. Quando a Bidê surgiu, a gente entrou com “Melissa” (na programação das rádios)e saiu ganhando cachês super grandes. Já entramos juntos com a Comunidade, a Tequila Baby, que já estavam no cenário há um tempinho. Depois quase nenhuma banda conseguiu isso, só a Cachorro e a Fresno. A Pública e o Cartolas nunca conseguiram da mesma forma que nós, a Cachorro e a Fresno conseguiram.

Pra terminar: se tu pudesse escolher isso que aconteceu com o Atahualpa de gravar novas canções, fazer isso com a Atahualpa com outra banda, qualquer banda, de qualquer tempo, qual banda tu escolheria?
Que difícil, hein? Pois é. Desse jeito que eu fiz, eu não era fã, né. Não sei. Daniel Johnston. De repente fazer alguma coisa com ele seria legal. Se é pra chutar, pegar aquelas músicas que ele gravou naquelas fitas no começo dos anos 80, e estragou tudo quando conheceu o Butthole Surfers. Que são a maior inspiração da minha banda preferida que é o Flaming Lips. É tudo culpa do Butthole Surfers.

– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2010.

2 thoughts on “Entrevista: Carlinhos Carneiro

  1. Entrevista massa. Incrível quanta informação esse cara carrega/produz. Muito respeito por ele! =)

  2. Que entrevista bacana! Sou fã da Bidê mas não conhecia esses trabalhos novos do Carlinhos, fui escutando enquanto lia aqui sem pressa.

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