Boteco: Cinco cervejarias dos EUA, Dez cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo uma série de cinco cervejarias norte-americanas pela Deschutes Brewery, cervejaria familiar fundada em 1988 em Bend, no Oregon, com sua Fresh Haze India Pale Ale, uma New England IPA cuja receita combina os maltes Munich, C 15, Pale 2 Row, cevada em flocos e duas versões de trigo, uma delas malteada, com os lúpulos Northern Brewer, Cashmere, Mandarina Bavaria e Amarillo numa lata de pint 566 ml. De coloração alaranjada, juicy tal qual um suco de laranja, e creme bege clarinho, quase branco, a Deschutes Fresh Haze oferece um aroma intensamente cítrico, sugerindo laranja e tangerina frescas, tiradas do pé no minuto passado. Na boca, o lúpulo continua dando as cartas e a sensação de laranjada é incrível desde o primeiro toque, seguindo com reminiscências de tangerina e outras variáveis levemente adocicadas (ou seja, nada de toranja). O amargor é levíssimo e até os 45 IBUs sugeridos pela casa soam exagero. Já a textura é leve e vai se tornando cremosa (mas a sensação é que falta corpo para uma Haze). Dai pra frente, surge uma IPA deliciosa, ainda que não tão NE. No final, laranja, tangerina e um tiquinho de doçura de trigo, sensações que retornam no retrogosto, delicioso.

Fundada em 2000 em São Francisco, mas com planta e sede atual em San Leandro, vizinha de Oakland do outro lado da baia, a 21st Amendment Brewery (com nome que homenageia a emenda que revogou a Lei Seca nos EUA) marca presença primeiramente com a Brew Free or Die! IPA Blood Orange, uma cerveja cuja receita combina os maltes Two-Row Pale, Munich e Caramalt com os lúpulos Centennial, Chinook, Cascade, Mosaic, CTZ e Amarillo além de adição de blood orange, uma variação de laranja (avermelhada) entre toranja e tangerina. De coloração alaranjada translucida com creme branco de boa formação e retenção, a Brew Free or Die! IPA Blood Orange apresenta um aroma com uma pancada de notas cítricas sugerindo, claro, laranja, ainda que remeta mais a suco de caixinha do que a própria fruta. Na boca, suco de laranja de caixinha no primeiro toque com mais suco de laranja de caixinha na sequencia e um amargor bastante leve para os 70 IBUs que a lata adianta (e olha que 40 já seria muito). A textura é cremosa e picante e, dai pra frente, surge quase uma Fruit IPA Bier, com a fruta adicionada radicalizando o conjunto e tomando todas as impressões para si. No final, amargor leve e cítrico. No retrogosto, laranja, toranja, tangerina, suco de caixinha e amargor suave.

Mantendo-se na Califórnia e em São Francisco com a terceira Cellarmaker a passar por aqui (precedida pela 5 Year Anniversay Pale Ale e pela Dank Williams), a Kilning Me Softly, a melhor das American IPAs que provei no tap room da casa em Sanfran (e que, por sorte, tinha acabado de ser enlatada). Na receita, lúpulos Simcoe, Mosaic, Strata e Citra. Trata-se de uma NE de coloração amarela turva, juicy como um suco, e creme branco espesso de boa formação e retenção. No nariz, doçura de lichia, manga, reminiscências tropicais mais laranja e maracujá e, ainda, pinho. Na boca, pegada cítrica no primeiro toque com laranja em destaque seguida de leve sugestão de manga e de lichia. A presença de pinho diminui, mas continua aqui, e o amargor de 55 IBUs é confortável, delicioso, daquele que te abraça. A textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente, laranja, lima, maracujá, manga e um amargor bem sutil preparando a cama para o final, cítrico e refrescante. No retrogosto, uma salada de frutas e refrescancia. Delicinha!

Partindo agora para Boonville, cidadezinha de pouco mais de mil habitantes que fica num vale (o Anderson Valley) a duas horas de São Francisco e que abriga a badalada cervejaria Anderson Valley, que retorna ao site com duas Gose. A primeira é a Briney Melon Gose, cuja receita combina o malte Pale Two-Row com trigo e o lúpulo Bravo e recebe adição de melancia, sal marinho e coentro. De coloração dourada com alguns traços de amarelo palha e creme branco de boa formação e média retenção, a Anderson Valley Briney Melon Gose apresenta um aroma com percepção evidente de melão (em primeiro plano) disputando espaço com a doçura do trigo e deixando tanto a sugestão de acidez quanto a mineralidade na base, em segundo plano. Na boca, melão no primeiro toque e duas pancadas seguidas: a primeira é de acidez, suave, e a segunda, mais intensa, é de salgado, que honra o estilo original alemão. Esqueça IBU e amargor aqui (não são consideráveis) e foco na acidez (média), que samba delicadamente sobre a língua, deixando posterior cremosidade. Dai pra frente uma Gose bem caprichada, com melão delicioso, salgadinho envolvente e alta refrescancia. No final, acidez e um toque mineral. No retrogosto, adstringência suave, refrescancia, melão e salgadinho. Mais uma delicinha!

Ainda na Califórnia, mas saindo de São Francisco e atravessando a Golden Gate em direção a Santa Rosa, pequena cidade que abriga a mítica Russian River Brewery, responsável por uma das American IPAs mais celebradas do mundo (a Pliny) e por outras belezinhas, como esta Blind Pig, uma West Coast American IPA clássica, de coloração âmbar quase dourada e creme branco meio bege espesso de ótima formação e longa retenção. No nariz, uma combinação intensa de frutado, cítrico e herbal sugerindo laranja, maracujá, pinho, ervas, manga e tangerina além de resina suave, floral, um discreto terroso e mel. Na boca, frutado cítrico no primeiro toque remetendo a toranja seguido de uma combinação incrível de herbal e cítrico, pinho e maracujá e manga. O amargor é marcante, 70 IBUs honestos que cobram cada pontinho da escala, mas não maltratam. A textura é suave, quase sedosa, e levemente picante. Dai pra frente segue-se um conjunto intenso, entre cítrico e herbal, e refrescante. O final é seco, picante e refrescante. No retrogosto, laranja, tangerina, pinho, ervas, mel e manga. Uou!

Retornando para Bend, no Oregon, com a Fresh Squeezed India Pale Ale da Deschutes Brewery, uma deliciosa Old American IPA cuja receita combina os maltes Pale, Crystal e Munich com os lúpulos Citra, Mosaic e Nugget resultando em uma cerveja de coloração âmbar alaranjada com creme bege de boa formação e longa retenção. No nariz, uma combinação matadora de notas cítricas (maracujá, toranja, laranja) com leve presença herbal (pinho) e floral. Há percepção discreta de doçura, resina sutil e muito aroma tropical. Na boca, uma incrível pegada frutada e doce no primeiro toque (remetendo a laranja) seguida de um leve enrugamento a lá toranja, doçura melada leve e, enfim, uma pancada justa de amargor, 60 IBUs fieis ao estilo. A textura é suave querendo ser cremosa (e picante). Dai pra frente, uma deliciosa American IPA do Velho Oeste, bastante frutada, sutilmente doce e longamente amarga. No final, doçura e uma pancada de amargor, extenso, que se envolve no retrogosto em meio a frutas tropicais e refrescancia. Delicia!

A segunda da 21st Amendment Brewery é uma Wheat Ale sazonal de verão (nos EUA) que recebe adição de purê de melancia numa receita que combina o malte Two-Row Pale com trigo e o lúpulo Magnum. O resultado é uma cerveja de coloração amarelo palha querendo ser dourado com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, doçura de trigo, delicado frutado remetendo a melão em primeiro plano, e melancia mais tímida. Na boca, a percepção repete o aroma, com o melão tomando à frente desde o primeiro toque, a doçura do trigo marcando presença e a melancia, bem sutil, dando um toque de distração ao conjunto. O amargor é praticamente nulo (17 IBUs) e a textura, bem leve. Dai pra frente, uma Wheat bastante refrescante e delicadamente frutada, que soa saborosa. No final, doçura de trigo e melão. No retrogosto, mais melão, mais doçura de trigo e refrescancia.

A outra da Cellarmaker, também enlatada no pub em São Francisco, é a Mo’ Nelson, uma American IPA produzida com os lúpulos Mosaic, Columbus e a estrela da receita, o neozelandês Nelson Sauvin. De coloração amarela turva, juicy como um suco de laranja, e creme branco espesso de boa formação e média alta retenção, a Cellarmaker Mo’ Nelson apresenta um aroma absolutamente espetacular, com muita sugestão de fruta (laranja, melão, maracujá doce, kiwi amarelo, lichia) sobre uma base tropical com leve traço de mineralidade. Na boca, o mesmo impacto causado pelo aroma com uma pancada tropical já no primeiro toque expandindo-se para melão (em destaque), laranja lima e leve kiwi amarelo além de doçura discreta. Falando nisso, o amargor é bem suave para os 58 IBUs listados na lata. Já a textura é levemente picante. Dai pra frente, uma baita New American IPA, extremamente frutada, levemente (mas muito levemente) amarga e altamente refrescante. No retrogosto, adstringência suave e melão. No retrogosto, melão, lima e refrescancia.

A segunda Gose da Anderson Valley mantém a mesma receita da Briney Melon, mas troca a fruta pela
blood orange, a mesma laranja sanguínea utilizada na IPA da 21st Amendment Brewery, a Brew Free or Die! A diferença dessa Gose para a anterior da Anderson Valley já surge na cor, que tende mais a um dourado alaranjado. O creme é branco de boa formação e média retenção. No nariz, equilíbrio entre notas cítricas derivadas da fruta e da acidez advinda do acréscimo de lactobacilos na fermentação. Há, ainda, sensação de mineralidade, salgado, doçura de trigo e suave azedinho. Na boca, a acidez parece tomar à frente das notas cítricas no primeiro toque, mas a laranja sanguínea busca equiparar o passeio na sequencia, e consegue, permitindo espaço ainda para um suave azedume. A textura parece um tiquinho mais frisante do que na Briney Melon, e deixa sobre a língua uma camadinha de sal marinho, que causa mais salivação. Dai pra frente, uma Fruit Gose exemplar, cuja fruta acrescenta informações e profundidade ao conjunto sem descaracteriza-lo. No final, secura, acidez e azedinho. No retrogosto, leve adstringência, salgadinho, cítrico distante, azedinho e refrescancia.

A segunda da Russian River é a Happy Hops, recriação de uma receita produzida em 1944 em Santa Rosa por outra cervejaria, a Grace Brothers Brewery, que veio a falir nos anos 60. Para brindar seu pioneirismo local, a Russian River recriou a receita original utilizando os lúpulos Amarillo, Azacca, Brewers Gold e Cashmere e o resultado é uma American IPA com jeitão Session (apesar dos 6.4% de álcool) de coloração dourada cristalina com creme branco espesso, de ótima formação e média alta retenção. No nariz, uma pancada forte de notas cítricas (abacaxi e tangerina) e leve percepção de minerais. Na boca, muita leveza cítrica no primeiro toque (repetindo as frutas percebidas no aroma), seguida de refrescancia e um amargor bem macio, 33 IBUs limpos. A textura é leve desejando ser cremosa, com percepção de picância. Dai pra frente, uma Old Old Old IPA sugerindo muita leveza, suavidade e refrescancia. No final, resina suave, cítrico e picância. No retrogosto, mais picância, abacaxi e refrescancia.

Balanço
Abrindo uma série de 10 cervejas norte-americanas que vieram na mala com a deliciosa Fresh Haze da Deschutes, do Oregon, uma India Pale Ale que está longe de ser uma New England IPA, mas é tão deliciosa quanto. E pra você ver: a Deschutes não tem adição de fruta, e é incrível. Já a 21st Amendment Brew Free or Die! IPA Blood Orange tem bastante adição de fruta, e soa artificial. Ok, não tão artificial assim, mas a laranja sanguínea aparece muito mais do que deveria e de maneira caricata. Ainda assim, uma bela cerveja. A Cellarmaker Kilning Me Softly é uma deliciosa New England IPA, frutada, cítrica e refrescante. A melhor deles que bebi até a próxima deles. Primeira das Gose da Anderson Valley, a Briney Melon surpreende pelo equilíbrio e paladar caprichado. Boa pedida. A Russian River Blind Pig não é a melhor IPA da cervejaria (oi Pliny), mas, ainda assim, é uma American IPA sensacional. De cair o queixo. A Deschutes Fresh Squeezed foi uma baita surpresa, uma American IPA das “antigas” com um capricho e um equilíbrio deliciosos. A Cellarmaker Mo’ Nelson é uma IPA tão sensacional quanto a outra Cellarmaker desta degustação, e as duas me soaram ainda melhores na lata do que no tap room deles em Sanfran. A Anderson Valley Blood Orange Gose é ainda mais deliciosa do que a Briney Melon, com ainda mais equilíbrio e sabor. Já a Russian River Happy Hops é uma receita antiga adaptada ao mundo moderno (de uma extrema oferta de lúpulos), mas ainda soando uma IPA que não precisa provar nada pra ninguém. Delicinha!

Deschutes Fresh Haze
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Oregon, EUA
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,61/5

21st Amendment Brew Free or Die! IPA Blood Orange
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Califórnia, EUA
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,40/5

Cellarmaker Kilning Me Softly
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Califórnia, EUA
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3,86/5

Anderson Valley Briney Melon Gose
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Oregon, EUA
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 3,41/5

Russian River Blind Pig
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Califórnia, EUA
– Graduação alcoólica: 6.25%
– Nota: 3,99/5

Deschutes Fresh Squeezed
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Oregon, EUA
– Graduação alcoólica: 6.4%
– Nota: 3,80/5

21st Amendment Hell or Higth Watermelon
– Produto: Wheat Ale
– Nacionalidade: Califórnia, EUA
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3,29/5

Cellarmaker Mo’ Nelson
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Califórnia, EUA
– Graduação alcoólica: 6.9%
– Nota: 3,89/5

Anderson Valley Blood Orange Gose
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Oregon, EUA
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 3,48/5

Russian River Happy Hops
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Califórnia, EUA
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,80/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.