Navegando pelo córtex interestelar da Monstro Amigo

Texto por Guilherme Espir

Por meio de diversos estilos, a música se manifesta. Numa tentativa constante de externalizar ideias, ela é fomentada e flui como num improviso. Desse ponto em diante, formatos e objetivos estéticos se cruzam com as influências dos integrantes e o resultado final surge como uma esfera indivisível de pura identidade grooveada.

É claro que isso não é uma receita de bolo, mas em tese, todo grupo passa por esse processo antes de firmar sua sonoridade. No caminho, integrantes acabam saindo – seja por motivos pessoas ou divergências no funk – mas o projeto continua e isso no final das contas faz parte e contribui na vivência e experiência dos instrumentistas.

Novamente, não é uma receita de bolo. Mas é muito enriquecedor conseguir acompanhar o início de uma banda, observando a sonoridade crescer com o passar dos anos. No cenário independente nacional, o underground têm revelado artistas muito interessantes no últimos anos e isso se deve ao caráter multiétnico das referências que essa galera consome.

Pega o Monstro Amigo, por exemplo. O power trio começou em 2013, em São Paulo mesmo. A formação da banda era muito interessante porque reunia três figuraças. No teclado o Lukas Pessoa. Multi instrumentista de estilo vigoroso, era bem comum vê-lo interromper um solo para tocar saxofone com uma cueca na cabeça e óculos de natação. Como se não fosse o bastante, ainda rolavam intervenções com poesia falada e a dinâmica do som criava um clima todo trabalhado nos climas do Gill Scott Heron.

Na bateria, Danilo Contim Frizzarini. Muito do peso do som do trio se dava em função de seu estilo. Rápido e preciso, sua bateria pulsava com um sotaque mais trash, algo que proporcionava um cenário caótico e perfeito para as frases do Lukas e o intrigante baixo de Leonardo Cangellar. Leonardo Jabba Jabba – para os íntimos – o baixista é figura carimbada no underground paulista desde os tempos de Expresso Monofônico. Músico de grande talento, toca o baixo como se fosse uma guitarra e é dos caras que melhor sabe explorar o timbre que sai dos graves, além de ser um peculiar letrista. É ele que leva a psicodelia que é o último toque dessa viagem.

O grupo ficou nessa configuração até meados de 2018. Durante esses 5 anos, rodaram o país com shows contundentes e gravaram um debutante lançado em 2016, pesado, com letras derretidas e cantado em português, o disco homônimo lançado de maneira independente mostra um rock progressivo com tempos quebradiços, distorções e vertiginosos jams com a fluência dos grandes jazzistas.

O grupo se manteve nessa configuração até meados de 2018, quando Renato Pestana entrou para o trio no lugar de Danilo. Daí pra frente a sonoridade do grupo atingiu um novo pico. Baterista dos mais versáteis, conheci o Renato na época que ele estava fazendo os shows do “Deixa Quieto” (2017), disco de versões do Nirvana que foi o último lançamento de estúdio do Macaco Bong, antes do Kayapy suspender o groove.

Ele tocava bateria com a galera do 25° Experiência também e hoje ainda segura as baquetas num projeto de rap com jazz com o pianista Gabriel Gaiardo e baixista Rob Ashtoffen, o Átrio. Músico de grande recurso, Renatinho tem sido um cara requisitado na cena em função de seus rudimentos de jazzman e seu vasto repertório, capaz de acompanhar o peso descomunal do St. Louis Disaster e segurar o tempo progressivo da Monstro Amigo com uma classe, peso e swing toda trabalhada na escolástica do Tony Williams.

Seu vasto repertório deu um novo fôlego para o som da Monstro. Mais oxigenado, seu estilo fez com que os músicos pudessem expandir a visão musical do projeto como um todo. Passados poucos mais de 1 ano dessa reconfiguração, a banda já excursionou por São Paulo, Assis, Bauru, Maringá, Londrina, Cascavel, Ponta Grossa, Curitiba, Blumenau, São Francisco do Sul, Florianópolis e Balneário Camboriú. O resultado? Por onde quer que o som tenha feito uma jam, a galera se ligou que eles elevaram o patamar.

Com um show mais denso e melhor roteirizado, até mesmo o repertório do debutante soa mais bem orquestrado atualmente. Numa dinâmica onde o Lukas monta um verdadeiro laboratório com seus teclados – e um piano de cauda quando possível – o trio atingiu um novo tipo de alquimia, com um baterista capaz de acompanhar as ideias psicodélicas de Jabba Jabba, enquanto seu baixo – que acredite se quiser, funciona também como um pipe – sola por cima de uma camada densa de pianos e teclados, com Renato à cargo de propor um acompanhamento pra tudo isso.

É tão insano e revigorante quanto parece. Semanas atrás eles tocaram no Centro Cultural São Paulo (CCSP) como parte do festival Centro do Rock, e depois de um set de 60 minutos – executado praticamente sem intervalo – era possível observar a cara de consternação estampada na plateia. Com temas repaginados e novas composições – como a animalesca “Chapado” – o grupo está preparado para jogar um novo lançamento na praça e hoje conta com um dos shows mais ultrajantes do Brasil.

Não só a riqueza do piano do Lukas, tampouco os riffs e a facilidade com que ele tece cenários luxuriosos no marfim malhado. Também não é o baixo do Léo e suas centenas de solos insulares e distorções… Também não é pelo estilo peculiar do Renato e seu grande vocabulário, o ponto chave é entender que esse som atingiu esse grau de pressão, justamente em função de ter reunido músicos com gostos tão diferentes entre si.

A loucura vem do Jabba Jabba, o mar de notas do Lukas faz a parede e agora o Renato acompanha tudo isso e direciona pra qualquer lado que o trio esteja disposto a levar. São mais de 6 anos no rolê e agora parece que a cozinha atingiu seu potencial completo, mas o que impressiona é como um som que já era original conseguiu se reinventar e ficar ainda mais genuíno.

O som da Monstro Amigo pode ser definido como um fusion progressivo, mas isso é minimizar a grandeza dessa cozinha. É preferível dizer que o som deles é o som da Monstro Amigo mesmo e de resto, tu vai ter que conferir um show pra descobrir.

É impressionante.

– Guilherme Espir já escreveu pra Vice, pra Noize e fritava neurônios no Macrocefalia Musical. As fotos ao vivo que ilustram o texto são de Welder Rodrigues

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