Boteco: 10 cervejas de 5 países

 por Marcelo Costa

Abrindo esse passeio de duas cervejas por cervejaria em Sabadell, na Espanha, casa da Nomada Brewing, que retorna ao site com a Hanami, uma India Pale Lager cuja receita blenda os maltes Pale e Munich com aveia e os lúpulos Magnum, Sorachie Simcoe. Há, ainda, adição de flor de cerejeira, yuzu (limão japonês) e shichimi togarashi, a pimenta vermelha japonesa. De coloração amarela turva (como uma New England IPA) e creme bege claro de boa formação e retenção, a Nomada Hanami apresenta um aroma delicioso de frutas tropicais em destaque combinando com um leve floral e doçura. Na boca, mais frutas tropicais no primeiro toque, seguido de doçura de mel, mais floral e um amargor honesto, 40 IBUs muito bem inseridos. A textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente surge o conjunto de uma American IPA tortinha e deliciosa, com frutas cítricas e condimentação interessante. No final, secura e amargor suave. No retrogosto, frutas tropicais, amargor suave e condimentação.

Do Espanha para a Holanda com a primeira da Oedipus, da capital Amsterdã, a passar por aqui! Trata-se da País Tropical, uma receita sazonal anual que premia o pessoal que financiou os painéis de energia solar da cervejaria. A versão 2016 foi uma Belgian Pale Ale, a 2017 uma American Pale Ale e a 2018 e 2019 uma Solar Session IPA, com alteração nos lúpulos. Essa da foto é a versão 2019, e destaca o late hopping com os lúpulos Simcoe, Citra, Mosaic e Mandarina Bavaria. De coloração meio amarelo palha, meio amarelo juicy, com creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Oedipus País Tropical 2019 apresenta um aroma deliciosamente cítrico (casca de limão e laranja) e levemente floral. Na boca, suquinho cítrico delicioso no primeiro toque seguido de leve amargor (30 IBUs) e muita refrescancia. A textura é cremosa e picante. Já o conjunto prima pela deliciosa combinação de frescor e frutado cítrico. No final, amargor bem leve. No retrogosto, cítrico e refrescancia. Delicia.

Da Holanda voltamos a Santa Catarina, desta vez para Blumenau, cidade que dá nome a cervejaria fundada em 2016, e que surge aqui primeiramente com uma Witbier cuja receita recebe adição de casca de laranja e de semente de coentro. De coloração âmbar alaranjada (que já denota a escolha pela escola Blue Moon em contraponto a escola Hoegaarden) com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Blumenau Witbier escancara sua opção Blue Moon já no aroma, com a pega cítrica remetendo diretamente a laranja (uma rodela da fruta é destacada no rótulo, outra aproximação com o ícone estadunidense – lá, a Blue Moon é servida com rodelas de laranja na taça). Na boca, a laranja dá as cartas desde o primeiro toque, com uma condimentação bastante sutil chegando na sequencia. O amargor não é relevante (12 IBUs que parece a metade disso), a textura é levemente frisante (com picância cítrica) e, dai pra frente, segue-se um conjunto bastante saboroso, ainda que a laranja pareça sobressair exageradamente em alguns momentos. No final, pegada cítrica e refrescancia. No retrogosto, laranja e refrescancia.

De Blumenau para a Cidade do Panamá, que abriga a cervejaria Casa Bruja, que chega com seu quinto rótulo a passar por aqui, a Chitra, uma Session Pale Ale de coloração dourada levemente turva com creme branco majestoso, de alta formação e longa retenção. No nariz, frutas tropicais abundantes (manga, abacaxi e lichia), leve doçura maltada caramelada e um toquezinho herbal. Na boca, mais frutas tropicais, desta vez no primeiro toque, seguida de doçura de mel e caramelo, mais manga, lichia e abacaxi e, ainda, um toque herbal bem discreto, mas que o bebedor percebe. O amargor é baixinho (não deve chegar a 30 IBUs, apesar do lúpulo bem presente) e a textura leve caminhando para o suave. Dai pra frente, um conjunto bastante tropical, perfeito para a América Central e, também, para boa parte do Brasil, com muitas frutas, doçura equilibrada, herbal discreto e amargor leve. No final, secura e amargor cítrico. No retrogosto, mel, manga e amargor suave.

Do Panamá para Santa Rosa, na Califórnia, com minha segunda Russian River: depois da lendária Pliny The Elder, uma das IPAs mais badaladas do mundo, agora é a vez primeiro da Damnation, uma Strong Golden Ale inspirada na belga Duvel. De coloração dourada com creme branco majestoso de excelente formação e longa retenção, a Russian River Damnation apresenta um aroma que remete mais a Tripel Karmeliet do que a Duvel, com condimentação (derivada da levedura) incrível sugerindo, entre outras coisas, cravo e pimenta branca, bastante frutado (pera e maçã) e também cereais. Na boca, frutado no primeiro toque seguido de condimentação suave, alta carbonatação (perceptível assim que se tira a proteção da rolha, que sozinha poderia ser arremessada para fora), doçura, cereais e álcool bem leve (7.5% bem convidativos). O amargor é comportado, a textura é condimentada e picante, e, dai em diante, surge um conjunto sublime e incrível, ainda que derivado de uma Tripel Karmeliet. No final, secura e picancia. No retrogosto, doçura de mel, frutado, calor alcoolico e leve condimentação.

Voltando ao início agora com a segunda da espanhola Nomada, a Marabunta, uma Double IPA que apresenta uma coloração amarelo dourada (com turbidez a frio) com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, uma deliciosa pancada de frutas tropicais, com bastante força cítrica, mas não só – há sugestão de manga, lichia, abacaxi e laranja. Na boca, a pegada de frutas tropicais chega inteira no primeiro toque, incrível (manga, lichia e abacaxi brilhando), mantendo-se brilhante na sequencia, que ainda traz uma doçura bastante leve e, ainda, amargor marcante, mas não exagerado. A textura é suave, caminhando para o sedoso, e mesmo assim os 7.5% de álcool não incomodam, picando a língua, mas belamente inseridos no conjunto. Dai pra frente segue-se um conjunto bastante tropical, com frutas explodindo na boca, doçura suave e amargor presente, mas amigável, até o final. No retrogosto, mais frutas tropicais, refrescancia e amargor equilibrado. Outra grande espanhola.

A segunda cerveja da Oedipus é a Swingers, e eles se orgulham de terem produzida a primeira Gose holandesa (com sal marinho e lúpulo Citra), quase uma Kettle Sour devido a adição de cascas de lima e de toranja, que amaciam o ataque do estilo tornando essa cerveja uma delícia refrescante para o verão. De coloração amarelo palha com creme branco de boa formação e retenção, a Oedipus Swingers apresenta um aroma cítrico incrível, que combina lima e toranja com percepção de acidez, salgadinho e azedume, antecipando sensação de refrescancia. Na boca, tudo que o aroma adianta surge ainda mais brilhante, desde o primeiro toque, o doçura frutada rápida, passando pela forte pancada de acidez, o azedume suave e as frutas, num conjunto que, mesmo amaciado, ainda segue deliciosamente ríspido, como o tradicional estilo alemão (ou seja, tá mais pra Gose do que pra suco de Kettle Sour). Não há amargor (o lance aqui é o poder da acidez e do azedume, caprichados), a textura é frisante (e salgada) e, dai pra frente, surge uma Gose absolutamente incrível, que honra o estilo. No final, salgadinho, cítrico e adstringência. No retrogosto, lima, toranja, azedinho. Delicinha.

A segunda da Blumenau é a 1850, Barley Wine da casa que homenageia a data de fundação da cidade e que aqui aparece em sua versão Barrel Aged, envelhecida em barricas de madeira Nogueira Pecã. De coloração âmbar avermelhada com creme bege de boa formação e longa retenção, a Blumenau 1850 Nogueira Pecã Wood Aged apresenta um aroma amendoado com toques de caramelo, avelã, chocolate, cacau e leve sugestão de turfa além de percepção bastante sutil dos 10.5% de álcool. Na boca, doçura caramelada no primeiro toque abrindo-se para nozes e avelã na sequencia sem aumentar o dulçor. A sensação de turfa permanece, ainda que mantendo a sutileza, e há muito pouco que remeta a madeira diretamente. O álcool surge maravilhosamente equilibrado, e demonstra parte de sua força sobre a língua, onde (a textura suave) pinica, pica e aquece, dando sinal do que fará com o bebedor com o passar do tempo. Dai pra frente, o conjunto caprichado de inverno continua descendo bem, mesmo com a doçura e o álcool. No final, dulçor e calor alcoólico. No retrogosto, avelã, nozes, caramelo e calor. Baita!

A segunda da Casa Bruja é a Chivoperro IPA, a primeira IPA panamenha a ser engarrafada. De coloração dourada alaranjada com leve turbidez e creme branco de ótima formação e retenção, a Casa Bruja Chivoperro IPA apresenta um aroma puxado para o frutado, com toques cítricos e remissões a manga, laranja e maracujá. Há, ainda, leve doçura que remete a mel. Na boca, o primeiro toque reforça o caráter frutado do conjunto, com manga em destaque. Na sequencia, doçura media de mel, um toque de maracujá e um amargor bastante comportado (48 IBUs que podem se passar por 30) – a cervejaria se defende dizendo que não quis fazer uma IPA tão amarga ensejando introduzir mais bebedores no mercado local. A textura é leve e, dai pra frente, segue uma IPA bem agradável, com amargor baixo, álcool moderado (6.1%) e muitas notas de frutas tropicais. No final, frutado cítrico e leve docinho. No retrogosto, mel, manga, maracujá, refrescancia.

Encerrando a série pela Califórnia com mais uma Russian River, a Consecration, uma American Wild Ale Barrel Aged que matura de 8 a 12 meses em barricas que maturaram vinho Cabernet Sauvignon local com adição de cassis e leveduras selvagens (brettanomyces, lactobacillus e pediococcus). O resultado é uma cerveja de coloração âmbar avermelhada meio rubi com creme bege bem claro de baixa formação e rápida dispersão. O aroma destaca notas sutis de azedume além de percepção de madeira, de vinho tinto, de cassis, de cereja e de acidez. Na boca, azedume com toque de Cabernet Sauvignon no primeiro toque seguido de percepção de cassis bem suave, mais azedume, madeira, vinho e acidez suave. Não há nada de amargor, mas a acidez é caprichada. A textura é suave e levemente picante. Dai pra frente, uma Sour incrível, que equilibra com charme acidez, azedume, frutado e madeira. Uma delícia que se encerra amadeirada. No retrogosto, mais madeira, cassis, vinho tinto e azedume suave.

Balanço
Começando com uma espanhola meio japonesa, a Nomada Hanami é, mais do que uma American IPA, uma Japanese IPA deliciosa, condimentada e cítrica. Queria mais uma. A Oedipus País Tropical 2019 é uma Session IPA deliciosa, que chegou fresquissima ao Brasil. Já a Blumenau Witbier é uma American Wit na pegada da Blue Moon, e ainda que a laranja se destaca com demasiada assertividade no conjunto, é uma bela cerveja. A Casa Bruja Chitra é uma Session APA bastante tropical e deliciosa. A Russian River Damnation é uma Belgian Strong Ale que mira na Duvel e acerta na Tripel Karmeliet. Já a Nomada Marabunta mantém a qualidade percebida na Hanami, e impressiona ainda pelo frescor. Que seja incrível. A Oedipus Swingers é uma Gose caprichadíssima e deliciosa com lima e toranja. Uma das melhores Barley Wine nacionais, a Blumenau 1850 Nogueira Pecã Wood Aged é delicada e deliciosa. A Chivoperro IPA, da Casa Bruja, é uma boa IPA de entrada, com amargor baixo e muitas frutas tropicais. Fechando com a Russian River Consecration, uma American Wild Ale maravilhosa.

Nomada Hanami
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Espanha
– Graduação alcoólica: 5.8%
– Nota: 3.59/5

Oedipus País Tropical 2019
– Produto: Session IPA
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.43/5

Blumenau Witbier
– Produto: American Witbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.11/5

Casa Bruja Chitra
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Panamá
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3.28/5

Russian River Damnation
– Produto: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3.41/5

Nomada Marabunta
– Produto: Double American IPA
– Nacionalidade: Espanha
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3.63/5

Oedipus Swingers
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.61/5

Blumenau 1850 Nogueira Pecã Wood Aged
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10.53%
– Nota: 4.00/5

Casa Bruja Chivoperro IPA
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: Panamá
– Graduação alcoólica: 6.1%
– Nota: 3.28/5

Russian River Consecration
– Produto: American Wild Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4.11/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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