Entrevista: Amorphis

entrevista por Homero Pivotto Jr.

O tempo opera mudanças. Na vida, na arte ou em qualquer esfera. E os finlandeses do Amorphis — que começaram em 1990 apostando no death metal e agregaram elementos do folk e do progressivo no decorrer da carreira — entendem o peso que o passar dos anos exerce. Não à toa nominaram o disco mais recente como “Rainha do Tempo” – “Queen of Time”, que saiu em 2018 pela Nuclear Blast.

Com uma discografia de 13 registros em estúdio e mudanças consideráveis na formação, o Amorphis soube aproveitar cada fase de sua trajetória. É por essa, entre outras razões, que o grupo continua relevante hoje em dia. “Precisávamos nos desenvolver como músicos e encontrar novas abordagens para o death metal”, conta o tecladista Santeri Kallio na conversa abaixo. “O envelhecimento também afetou a banda”, justifica também.

Santeri assina cinco das dez faixas de “Queen of Time”, inclusive “Amongst Stars”, que conta com os vocais de Anneke van Giersbergen (as outras cinco faixas do disco são do guitarrista Esa Holopainen), e inclui o disco entre os três melhores que o Amorphis já fez (“É superpesado, cheio de beleza, e novo ao mesmo tempo”). Na entrevista abaixo, ele avalia o passado, faz reflexões sobre o presente e arrisca previsões para o futuro. Confira o bate papo!

É curioso como há uma grande quantidade de bandas de rock na Escandinávia. Tem do clássico ao black metal, passando pelo death metal, hardcore e outros estilos extremos. Como você é da Finlândia, gostaria de perguntar especificamente sobre o seu país: por que acha que há tantos grupos finlandeses interessantes fazendo boa música?
Bem, a Escandinávia é um lugar muito escuro e depressivo, se você excluir uns dois ou três meses de verão que começam a partir de junho. É por isso que a área é mais categorizada como local de hard rock / metal em vez de dub, disco ou reggae. As atmosferas de metal pesado se encaixam bem para nós. No inverno, praticamente, não há sol. Também existe uma mentalidade clássica dos povos nórdicos. A estética suave e ao mesmo tempo agressiva do metal pesado se encaixa muito bem para quem vive na Escandinávia.

O Amorphis começou predominantemente death metal. Mas conforme o tempo foi passando, elementos de outros estilos ganharam espaço na musicalidade da banda. Por que isso aconteceu? Foi natural ou uma decisão proposital?
Ambos. Precisávamos nos desenvolver como músicos e encontrar novas abordagens para o death metal. O envelhecimento também afetou a banda. O primeiro álbum foi feito quando os caras eram realmente muito jovens. Quando se está na casa dos vinte, seus ídolos musicais começam a mudar e você começa a explorar mais suas possibilidades como músico. Além disso, as alterações na formação foram uma grande razão pela qual a música do Amorphis mudou tão rapidamente. O vocalista foi alterado algumas vezes, além da troca de baterista.

As mudanças na formação tiveram algum impacto na identidade musical do Amorphis? De que maneira?
As trocas de integrantes sempre causam impacto. É apenas uma questão de qual perspectiva você estará procurando. Mudança de baterista afeta no arranjo e no groove, a mudança de vocalista também é grande, pois altera o tom do instrumento mais importante: a voz. Também muda normalmente a imagem inteira das bandas. No entanto, as mudanças na formação — se a banda não é uma ditadura — sempre têm um grande efeito sobre as composições. Portanto, a opinião de cada pessoa conta pelo menos um pouco. Por exemplo: o Amorphis é uma banda bastante democrática, então a mudança de integrantes altera a direção musical. Qualquer um pode ouvir a diferença de “Tales from the Thousand Lakes” (1994) e do “Elegy” (1996) em questões de arranjo, quando o baterista e o tecladista mudaram. Ou até mesmo a maior mudança com “Elegy” e “Tuonela” (1999), quando Pasi assumiu os vocais. Meu exemplo pessoal favorito sobre como as mudanças se deram em nossa música é a transição de” Far From the Sun” (2003) para “Eclipse” (2006). Foi quando Tomi Joutsen (voz) entrou e começamos a fazer heavy metal novamente em vez de testes psicodélicos de space rock.

Quão importante você acredita que é saber envelhecer, na música e na vida?
Bem, em nossa profissão não há muito tempo para pensar ou planejar sobre como ficar mais velho. As principais mudanças na vida, como o nascimento do primeiro filho ou mortes dentro da família, sempre causam transformação e, normalmente, tornam você uma pessoa mais sábia. Pelo menos esses acontecimentos dão uma compreensão mais ampla sobre o que é a vida. Eu nunca planejei nada, exceto tentei ficar longe de problemas e também quis colocar o máximo de esforço nas bandas em que estive. Geralmente, ficar mais velho não é realmente divertido. Mas você precisa lidar com isso de alguma forma e tentar não se estressar.

Considerando que o Amorphis está na ativa há quase três décadas, o que é melhor e o que é pior hoje em dia na indústria da música?
Difícil dizer no momento. A indústria está na encruzilhada. A digitalização mudou tudo em termos de negócios e de produção. Hoje em dia, as bandas precisam se esforçar muito mais em turnês e autopromoção. As gravadoras basicamente se foram, exceto as majors que naturalmente mandam no mercado. E a dominação muitas vezes é igual ao poder para decidir sobre tudo. Claro que, quando as bandas ficam maiores, mais independência e suporte elas recebem. Pessoalmente, estou feliz que o Amorphis já tenha se estabelecido antes dessa modificação na indústria. Para novos artistas deve ser muito mais difícil viver de música. Você tem que vender tudo o que pode para conseguir um contrato com a gravadora. Talvez eu esteja errado nisso, espero mesmo estar.

Vocês têm 13 álbuns de estúdio. Se tivesse que listar três lançamentos inovadores da carreira, quais seriam e por quê?
– “Tales from the Thousand Lakes” (1994): Verdadeiro clássico em todo o gênero que representa. Muito bem montado, sem besteira incluída. Sofisticado, brutal e primitivo ao mesmo tempo. A maioria das músicas é lendária.

– “Skyforger” (2009): terceiro álbum desde que Tomi Joutsen apareceu. A direção musical que reinventamos com “Eclipse” (2006) atinge o pico com esse lançamento. Não há músicas ruins nesse disco. Muito boa mistura de heavy metal, hard rock e elementos étnicos.

– “Queen of Time” (2018): décimo terceiro trabalho de estúdio em nossa carreira. Um disco forte de metal. Soa como nada mais. Música e produção são muito boas, e a banda está na melhor forma. É superpesado, cheio de beleza, e novo ao mesmo tempo. Talvez seja cedo demais para analisar isso, o tempo dirá, mas vou apostar que é atemporal.

O Amorphis recentemente anunciou que vai tocar “Queen of Time” na íntegra em shows selecionados na Finlândia. E para apresentações fora de sua terra natal, como no nosso caso é o Brasil, qual previsão de repertório?
Só com as melhores. Músicas do “Queen of Time” sem esquecer as raízes. Esperamos ainda colocar pelo menos algumas composições dos primeiros anos da nossa carreira.

O show em Porto Alegre será em uma convenção de tatuagem. Você consegue ver um paralelo ou fazer conexões entre a música do Amorphis e a técnica milenar de desenhar na pele?
Esa (guitarra) e Tomi J. (voz) estão cheios de tatuagens desde os anos 1990. Há alguns anos Koivusaari (guitarra) e Jan (baterista) aderiram a esse hobby também. Nos vejo encaixando perfeitamente nesse tipo de evento. Ao longo dos anos, tenho visto dezenas de grandes desenhos inspirados por nossa música na pele dos fãs. Também alguns autógrafos tatuados (haha). Quem não gosta de tatuagens? Eu ainda estou sem, mas nunca diga nunca!

Para terminar: vivemos tempos em que os seres humanos parecem cada vez mais mecanizados. O quão importante é a arte como elemento inspirador e que faz as pessoas pensarem não tão conscientemente? Quero dizer, quando você ouve música, lê um livro ou olha para uma pintura, pode deixar que sua mente simplesmente flua — algo cada vez mais incomum no mundo de hoje.
Eu sou tão velho que vivi antes de os computadores domésticos dominarem. Então, é muito fácil para eu falar sobre a importância de não olhar para o seu telefone 24 horas por dia, seja vendo notícias falsas ou conteúdo comercial. Vá ler um livro clássico, quadrinhos, tocar música, ouvir música ou algo que seja possível de socializar com seus amigos em vez de colocar todo o esforço nas redes sociais. Mais fácil falar do que fazer. No futuro, provavelmente teremos alguns fios na cabeça conectados à nuvem comercial. Então, as corporações vão poder enviar a você algumas ideias estranhas, como qual cor de calça comprar, por exemplo. Com certeza as mídias sociais são a nova plataforma para anunciar sua arte, mas eu prefiro outras maneiras.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal. Entrevista cedida pela Abstratti Produtora. A foto que abre o texto é de Ville Juurikkala / Divulgação

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