Entrevista: Stoyca

por Dary

Stoyca é o tipo de banda que não faz música por encomenda. O som é denso e as letras empurram o ouvinte contra a parede, sem concessões. Volta e meia o rock nacional sofre um espasmo autoral que soa como um grito (ou suspiro?) de esperança em meio à indigência das ‘playlists’. Aí é que está: Stoyca também não é rock, mas dialoga com este e outros gêneros, como o trip hop e a MPB, para criar uma experiência sensorial capaz de cooptar mesmo quem não foi iniciado.

Reflexões filosóficas sobre o outro e o mundo cospem verdades inconvenientes em BPMs alternados. A música brasileira precisava disso: alguém que provocasse tudo, menos indiferença. A discografia, construída com coesão, começou pelo EP “Stoyca” (Independente, 2015). No ano seguinte, o primeiro disco “cheio”, tanto de canções quanto de provocações: “Ninguém Estava Aqui”. Em 2018, ano em que a banda finalmente bateu asas longe de Brasília, veio outro EP, “Formas de Voar”.

A simplificação pode ser traiçoeira ou insuficiente, mas os dois parágrafos acima buscam resumir uma banda que você provavelmente não conhece. E deveria saber quem é. Eu já tinha ouvido os primeiros EP e álbum, mas nunca trocara uma palavra sequer com Jorge Verlindo até 22 de novembro de 2017, quando gravei uma entrevista com o líder da banda para o Refrão, programa de música da TV Justiça do qual fui editor e apresentador por dois anos e meio. A gravação nem terminara e eu já sabia que iria me aproximar ainda mais do som e da fúria, ambos aparentemente – e só aparentemente – calculados, da Stoyca. Bingo.

Agora, a Stoyca lança o clipe de “Alongamento”, música do álbum “Ninguém Estava Aqui”, escrita depois de Verlindo ser vitimado pela Síndrome de Burnout, estresse associado à sobrecarga ou excesso de trabalho. É uma oportunidade de mergulhar no discurso e na linguagem de uma banda que conseguiu algo muito difícil em pouco tempo de vida: identidade. Além de Verlindo (voz e violão), o time conta com Arthur Lôbo (baixo), Caio Fonseca (bateria), Adriah (guitarra e vocal) e Walter Cruz (teclado), estrelas que dividem a bola e não jogam fechado.

O que segue abaixo, portanto, não é uma entrevista formal. É uma tentativa de recriar o clima de irreverência e debate dos encontros que tive com Jorge Verlindo ao longo de 2018, ano em que pudemos conviver de perto, tanto em bares e restaurantes quanto nos shows conjuntos das nossas bandas em São Paulo, Brasília e Curitiba. Via WhatsApp, o cara deu risada das perguntas, como se esperava, mas não se furtou a respondê-las. Afinal, também é de estoicismo que se trata a vida.

Quem é a Stoyca na fila do pão?
Stoyca é uma banda brasiliense que adora tocar fora, que curte ver a plateia em transe, e que suspeita que na fila não haverá pão.

A capa do EP “Formas de Voar” é inspirada em Goya. Os clipes de “Valha” e “Alongamento” têm coreografias. Tudo o que diz respeito ao som e à imagem da Stoyca revela cuidado e refinamento. Aí, uma provocação: você se sente atingido quando dizem que muitas das bandas atuais pensam mais em conceito do que em música?
Acho que hoje a música vive uma precarização do processo criativo. Veja o caso do transporte: antes o táxi te levava num lugar e te cobrava um valor específico, hoje o motorista de Uber tem que ter balinha do carro, dar água, ser extrovertido, e se ganhar nota baixa se prejudica. O artista da música vive reflexos dessa cadeia também: ganha pouquíssimo [a fila do pão!] com distribuição, disputa bravamente a ocupação dos palcos, a atenção da audiência é concorrida com superproduções, com a mídia de fora [as multinacionais do pão!] e aí é natural haver uma oferta mais robusta de experiências. Do meu lado, o que eu quero mesmo é dar um pouco da experiência artística avassaladora que eu consumo. Quando leio um Valter Hugo Mãe, um Murakami, quando ouço um Clube da Esquina, um Massive Attack, quando estou de frente pra uma Adriana Varejão. Pra mim isso tudo é muito, é um mar de experiência. Então isso acaba contagiando a nossa música, os nossos conceitos. O que a Stoyca vem criando hoje são camadas, quem quer entrar mais fundo, vê mais.

Travis tocou “…Baby One More Time”, de Britney Spears. Flaming Lips regravou “Can’t Get You Out of My Head”, de Kylie Minogue. Paul Gilbert, “2 Become 1”, das Spice Girls. Como seria uma versão da Stoyca para “Baba Baby”, de Kelly Key?
Certeza que seria uma versão psicodélica sensual. O problema de “Baba Baby” é que a experiência erótica fica toda na admiração do objeto e na negação da consumação do fato ao sujeito. Uma versão da Stoyca fatalmente envolveria o lambuzamento.

Qual é o seu problema com o refrão? É passageiro ou você está apenas tentando dizer quem é que manda?
Refrão, antes de mais nada, é vida. É catarse, é pra delirar junto. Refrões do Gil, do Criolo, da Anitta. A gente também tem, veja “Bruxa Cega”, “Valha”, “Dédalos”. Mas tem coisa nossa que a ideia é a disrupção. É um gosto novo no ouvido. Uma cultura apenas de refrão ensina o ouvinte que só existe suco de frutas onde há cachaça, vinho, gim. Então há que se beber de tudo.

A Stoyca gravou duas músicas, em áudio e vídeo, quando passou por Curitiba, em setembro do ano passado. A meu ver, o material mais acessível da banda. Quando será o lançamento?
Foi um grande prazer gravar no Nico’s, uma experiência única, engrandecedora para qualquer banda. Estamos ansiosos para lançar esses vídeos. Em março agora vou ao SXSW levar um portfólio da Stoyca. A ideia é lançar os novos vídeos e o novo single em abril, já pensando nas próximas ações do ano.

Dono de agência, cantor, compositor, roteirista e diretor de clipe, booker da banda, estudante de alemão e marido. Você não faz coisas demais para quem já teve um apagão?
Já pensei muito nisso. O apagão não é apenas uma crise da quantidade. O meu burn out com certeza veio da qualidade do que eu estava fazendo. Vivendo relações tóxicas, sem saber dizer não, sem esperança de ter uma outra perspectiva [olha aí mais uma letra da Kelly Key]. Na verdade hoje eu acabo fazendo bem mais do que fazia quando escrevi “Alongamento”. O que aprendi é que o tempo para cuidar de si é inegociável, e tem que ser generoso. Não dá pra gozar pensando em afazeres, senão os afazeres ficam contaminados com o sonho do gozo. Acho que trato um pouco disso em “Lua Cheia no Céu Claro” – duas pessoas ali, são cúmplices no refúgio, se dão muito enquanto mergulham num tempo que é só delas. Então pra mim a questão hoje é saber dizer “não” para o que não serve, para sobrar bastante espaço para os “sim” que me atraem.

Dary é jornalista e músico em Curitiba (PR). Foi cantor e compositor nas bandas lorena foi embora… e Terminal Guadalupe. Hoje, dedica-se ao projeto solo Dario Julio & Os Franciscanos. A foto que abre o texto é de Thais Mallon / Divulgação.

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