Entrevista: Los Espiritus

entrevista por Leonardo Vinhas 

Quando aquele seu amigo vier com o papo xarope de “não tem nada novo que preste no rock”, mostre a ele Los Espiritus. O combo argentino tem frescor e qualidade de sobra para ganhar espaço cada vez maior no cenário internacional (Europa incluída) e já entregou pelo menos um grande disco (“Agua Ardiente”, de 2017). Se o seu amigo responder que não escuta música em espanhol… bem, mande ele pastar.

Quando se juntaram, Los Espiritus tinham uma premissa; fazer música que tivesse blues, psicodelia e percussões. Desde seu primeiro lançamento de 2011, o EP “Lo Echaron del Bar” (ok, em 2010 houve o single “Hacele Caso a Tu Espiritu!”), conseguiram esse intento. A faixa-título desse disquinho virou um hit underground, mas a alquimia era melhor revelada na suingada “Jesús Rima con Cruz”. Estão ali os três elementos propostos pela banda em doses exatas, que seriam buriladas gradativamente nos álbuns “Los Espiritus” (2013) e “Gratitud” (2015) até chegar a essa receita chapada e borbulhante que é o citado “Agua Ardiente”.

Maxi Prietto (guitarra) e Santiago Moraes (violão) dividem as vozes, as composições da banda e um passado no colégio Nicolás Avellaneda, em Buenos Aires. Formaram uma bandinha grunge, Dasfemme-ins, que gravou um disco nunca lançado, e foram tocando a vida entre bandas underground e a vida de trabalhador comum (essa que muito músico finge não viver). Maxi conseguiu fama no circuito independente com seu projeto Prietto Viaja al Cosmos con Mariano, que foi elogiado até por Julieta Venegas. Mas só quando reencontrou o amigo de escola e dos primeiros tempos que se iniciou uma guinada sem volta rumo a uma vida integralmente musical.

Aos amigos se juntaram o percussionista Fer Barrey, o guitarrista Miguel Mactas, o baixista Martín Fernandez Batmalle e o baterista colombiano Pipe Correa. Assim como o Midnight Oil fazia com Gary Morris, eles consideram seu empresário de primeira hora Nacho Perutti um integrante da banda. Esse septeto já passou por México, Colômbia, Chile, Uruguai, Espanha, Alemanha e Brasil, quando se apresentou no festival Mucho!, em dezembro, no Cine Joia, em São Paulo.

Los Espiritus é caso incomum de banda que funciona tanto em espaços pequenos como em festivais. Seu som é “livre” o suficiente para se adequar a um espaço pequeno, assim como rico e poderoso ao ponto de soar bem em grandes espaços. Vi-os no Cosquín Rock 2018, um dos maiores festivais na Argenina: ainda à luz do dia, entregaram um dos melhores shows do evento e ganharam a adesão até de quem não os conhecia.

Mas a fama não bateu à cabeça, aparentemente: Santiago Moraes conversou com o Scream & Yell por WhatsApp, dando mais detalhes sobre a sonoridade da banda, o crescimento de seu público e outras questões que são muito mais interessantes na voz dele do que nessa introdução. Finda a entrevista, ainda se manteve online mandando fotos dos vinis de música brasileira de sua coleção (Caetano, Toquinho e Vinícius, Chico Buarque, Tim Maia) enquanto recebia dicas do repórter. Aliás, dada a reação dele diante de “Menina Mulher da Pele Preta” e “Umba Bara Uma”, não estranhe se em breve eles lançarem canções influenciadas por Jorge Ben.

“Agua Ardiente” é um disco que parece inesgotável: ele continua levando a banda a lugares novos, além de mantê-los altamente requisitados na Argentina. Mesmo com o EP “Guayabo de Agua Ardiente” o álbum ainda é mais forte. A que atribuem isso?
Bem, sim, o EP é com as sobras de “Agua Ardiente” e foram gravadas no mesmo momento. Eram canções que ficavam um pouco fora do que queríamos para o álbum, mas são como um rabinho de “Agua Ardiente”. Para nós, as canções de “Agua Ardiente” ainda têm vigência, e não é um disco que gravamos faz muito tempo, foi gravado e lançado no ano passado. Por outro lado, espero que as canções não estejam tão amarradas a um momento. Bem, ao menos eu gostaria disso. Há várias letras que falam de uma realidade social que vivemos hoje em dia, e me parece que tratamos de não ancorar a música em um momento tão específico, que não perca vigência porque os tempos mudam. (nota: de fato mesmo uma canção de cunho mais “social” como “La Mirada” não traz nenhuma informação diretamente temporal em sua letra).

Na imprensa e até nas redes sociais fala-se muito do que chamam de “renascimento” do rock argentino – em termos de mercado, claro, porque o estilo sempre esteve aí. Seja como for, Los Espiritus são sempre citados nesse renascimento, junto com Usted Señelemelo, El Mató a Un Policía Motorizado e outros. O público voltou a se importar com o rock?
Creio que o que está acontecendo com o rock argentino é uma renovação. Não creio que se possa dizer renascimento porque nunca morreu, mas sim, há sons novos e grupos novos, e o que caracteriza essa nova camada de grupos é a diversidade das propostas. Acredito que o mercado mudou, sim, e hoje em dia a maioria dos grupos que você cita são os que se guiam pela independência, e têm liberdade para fazer a música que lhes dê na telha, e por sorte encontram uma audiência que se interessa por essas propostas diferentes e que quer essa diversidade. Então me parece ser um momento incrível para fazer música e lançar discos.

Mesmo com o núcleo compositivo dividido entre você e Maxi Prietto, o som resultante é bastante coletivo. Parece ser uma música exaustivamente trabalhada até chegar naquela forma final, com a participação de todos.
A forma que temos de trabalhar é justamente essa. Maxi e eu fazemos as letras, ou chegamos à sala de ensaio com uma canção nova, e uma vez que começamos a tocar, o resto do grupo se junta e cada um dá o que tem para dar. Não é como se o autor da canção definisse toda a estética da canção. É algo que trabalhamos coletivamente na sala de ensaio, e como você disse, tocando muito. Não conversando sobre a canção, mas escutando o que cada um faz, prestando atenção no outro, e deixando que a canção encontre seu lugar. Isso é muito bom para quem leva a canção ao grupo, porque ela se enriquece muito e chega até a perder o rumo original. Isso está ótimo, e é uma das coisas que mais gosto em tocar nesse grupo.

Ainda assim, vocês não têm vontade de expandir o formato, incluir mais elementos nos arranjos para um próximo disco?
O próximo disco já está gravado. Gravamos durante todo o 2018, começamos em fevereiro e terminamos agora neste mês (novembro). Gravamos ao longo da turnê, e começamos aqui em Buenos Aires quando veio o Bombino (renomado artista do Niger e um dos grandes nomes da guitarra moderna), que gravou algumas canções com a gente, e depois aproveitamos que estávamos na estrada e não paramos. Então gravamos na Espanha, em um estúdio em Madri. E também em Berlim, em Cuba… À medida que fomos viajando e encontrando um dia livre, ou um estúdio que nos interessasse, ou a música local que nos interessasse, nos dávamos um dia para gravar. Assim, o disco se gravou ao longo da turnê. Não tem vozes femininas, mas tem uns pianinhos que alguém enfiou ali. Estamos no processo de mixagem de toda essa música, mas uma instância é gravar as canções e outra é ver o que fica dessas gravações. O que soma e o que fica. Não tem arranjos de metais, e isso não significa que nada disso nos interesse. Essas canções são assim, e é isso. É um disco com poucos convidados. Mas são todas coisas que seriam fantásticas. Vontade não nos falta. Quem sabe em um futuro isso aconteça.

Em uma reportagem do jornal La Nación, Gustavo Santaolalla diz que adoraria produzi-los. Sabemos que ele não é qualquer um (nota: é produtor estrelado de gente como Café Tacuba, Bersuit Vergarabat e Julieta Venegas, entre outros, fundador do Bajofondo e compositor oscarizado de trilhas para cinema), então vale perguntar se essa parceria pode mesmo acontecer.
Gustavo Santaolalla nos deu uma baita moral, se aproximou e nos convidou a visitá-lo no hotel quando ele esteve em Buenos Aires. Queria conhecer-nos e falar de música. Também queria falar sobre trabalharmos juntos, e claro que isso seria ótimo. Valorizamos muitíssimo tudo o que ele fez e continua fazendo. É um músico e produtor muito bom, reconhecido em todos os lados, e a porta está aberta.

São muitas as vezes em que vocês citam o papel de Nacho Perutti para que a banda chegasse a esse momento que está vivendo agora. Ele também participa do processo criativo?
Bom, Nacho é um integrante do grupo. Somos oito pessoas: Nacho não se ocupa só da projeção do grupo, de armar as turnês e produzir cada show que fazemos, mas também das gravações, do trabalho com os designers gráficos na hora de desenhar os posters (nota: um diferente para cada show) e as capas. Ele tem voz e voto sobre tudo que fazemos, na verdade.

Sei que te perguntam bastante sobre isso, mas queria que você falasse um pouco sobre como é a sua relação com Maxi. Afinal, é intrigante ver como existe um som da banda, e ao mesmo tempo estão preservados os estilos individuais de vocês dois como compositores.
Maxi e eu nos conhecemos desde os 17 anos, ficamos amigo quando estávamos no segundo grau. Nossa amizade veio pela música, mas ele já tinha banda e eu comecei a tocar quando o conheci. Aprendemos muitas coisas juntos, escutamos muita música juntos, e existe uma ligação muito natural com ele. A forma que temos de trabalhar não envolve compor juntos, porém. Isso é raro. Cada um faz as canções em casa e leva para a sala de ensaio, sem conversas prévias. Quem faz a canção começa a tocar, os outros músicos escutam e começam a tocar juntos até que a canção tome forma. Uma vez que ela se integre ao grupo, ele se apropria da forma dessa canção, e cada um pode agregar acordes, tempos, andamentos.

Soa esquisita a definição de “blues amazônico” que deram à banda. Não só pela impossibilidade geográfica (nota: preciso lembrar ao leitor que a Amazônia não passa nem remotamente perto da Argentina?), mas também porque dá para escutar elementos de música africana, folclore rio-platense, e o próprio rock argentino.
Não sei por que dizem que fazemos “blues amazônico”. Talvez porque a percussão dê uma impressão “selvática”, não? Mas desde que começamos a tocar, antes mesmo de termos uma canção, os ensaios eram assim: tocar muito e ver do que se tratava o grupo. O que sabíamos é que queríamos fazer uma música que tivesse blues, tivesse percussões e tivesse psicodelia. Com esses elementos é que a música foi se desenvolvendo, e continua até hoje em dia.

A música brasileira entra de alguma maneira nesse rol de influências?
Estou começando a conhecer música brasileira agora. Consegui uma picape para tocar vinis, e comecei a escutar muitos discos de Vinícius, Toquinho, Caetano, Tim Maia. Sou muito fã de Tim Maia, e desse funk brasileiro. Também gosto da fase dele dos anos 80, quando ele ficou todo romanticão. Mas eu gosto de tudo, é incrível, me parece uma mistura muito boa. Quer dizer, é funk, mas funk feito por músicos brasileiros, o que dá outra cor incrível. E claro, os Mutantes. Agora há pouco foi aniversário do [guitarrista] Miguel Mactas e eu dei de presente um disco dos Mutantes, porque ele gosta muito de guitarra com fuzz – essa guitarra que parece um mosquito, sabe, essa que tem em “A Minha Menina”? Essa guitarra distorcida, aguda e saturada que o George Harrison metia em algumas músicas dos Beatles. Mas a verdade é que me falta conhecer muito da música brasileira. Sempre tive uma barreira idiomática, mas hoje em dia eu já posso entender as letras com a internet e com isso descobri um mundo novo na música brasileira. E consegui aqui um vinil do Chico Buarque em castelhano, é uma coletânea com as canções mais conhecidas dele vertidas para o espanhol. Mas você vê, o que eu conheço é tudo dessa época mais antiga. Do que se faz agora conheço muito pouco (pausa). Ah, sabe quem conheci há alguns anos?(se anima) Tocamos no mesmo dia com o Marcelo Callado, nossos amigos do Morbo y Mambo nos apresentaram. Ele nos deu uns discos e são muito bons! Mas do que se faz hoje em dia, conheço mesmo bem pouquinho.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. É o responsável pela produção e curadoria dos álbuns “Um Grito Que Se Espalha – Tributo a Walter Franco”, “Faixa Seis” e “Brasil Tambien És Latino”  (artistas latinos gravando canções brasileiras), “Ainda Há Coração” (em tributo a Alceu Valença), “Caleidoscópio” (em homenagem aos Paralamas do Sucesso) e “Somos Todos Latinos” (com 16 artistas independentes brasileiros regravando temas pop e rock dos países de idioma espanhol).

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