Entrevista: de Lisboa, Beatriz Pessoa

entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa

A primeira impressão que Beatriz Pessoa me transmite é de uma enorme simpatia, comprovada pelo seu sorriso aberto, mas a conversa que mantemos nas instalações da agência Arruada revelará igualmente a forma convicta como fala da sua música ou de outros artistas e alguns assuntos que considera importantes. O EP de estreia, “Insects” (2016), que gravou com 21 anos, deu a conhecer o lado jazzístico de Beatriz, através de canções suaves, denotando um espírito jovem e garantiu a presença da canção “You Know” na coletânea “Novos Talentos FNAC 2017”. Relativamente às suas influências musicais, a intérprete e compositora lisboeta evidencia uma escolha eclética, referindo o gosto pela cantora britânica Lianne La Havas, a adoração por Björk, Ella Fitzgerald ou Beyoncé e incluindo os brasileiros Marcelo Camelo, Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso e Tom Jobim no lote dos músicos que mais admira.

Uma das características marcantes de Beatriz é a forma expressiva como interpreta as canções, assumindo a importância da execução vocal que também partilha com os seus alunos (leciona aulas de voz). “A interpretação vem da forma como pegamos num texto ou numa melodia e fazemos o sentimento chegar ao outro. Mesmo que não seja a mesma emoção, porque o desempenho tem sempre esses dois lados, por isso eu atribuo muita importância ao poema, ao que falo e às emoções que pretendo passar à outra pessoa”, explica. O seu novo EP (“II”), embora mantenha a tônica em faixas melodiosas e não descarte alguns elementos jazzísticos, representou uma viragem para o pop, destacando-se a imaginativa “Vento” ou a catártica “Feminina”, que consolidou o trabalho desenvolvido anteriormente por Beatriz Pessoa e valeu-lhe diversos elogios na mídia portuguesa.

Sobre a sua fonte de inspiração, a cantora lisboeta reconhece a importância das histórias pessoais e de relatos alheios que pretende recriar, mas assume a influência da língua: “Quando escrevo em português (aconteceu pela primeira vez no EP “II”), acredito que aborde algo mais pessoal, por ser o meu idioma e ter muito de mim, comparativamente ao que aconteceria se fosse escrito em inglês”. No que respeita ao universo musical feminino português, Beatriz cita Manuela Azevedo (Clã), Márcia, Selma Uamusse ou a fadista Teresinha Landeiro, entre outras e elogia o panorama atual: “Sinto que existem mais oportunidades para as mulheres e registro ainda o cuidado em deixar que determinados preconceitos fiquem de parte. A coragem é maior e há muito boa música sendo feita tanto por homens como mulheres. Na verdade, existem mais canções em português, isso é importante e o público está reagindo bem a essa tendência”.

No passado dia 13 de Julho, Beatriz Pessoa atuou no Coreto do Festival NOS Alive, num dia em que o palco (com curadoria da agência Arruada) contou apenas com a participação de mulheres, nas quais se incluíram Surma, Minta & The Brook Trout e Isabel Nóbrega, integrando também uma aparição surpresa de Mallu Magalhães. Para a cantora lisboeta, as suas expectativas foram largamente superadas: “No show estavam muitas pessoas cantando e dançando as minhas músicas e isso foi muito importante para mim. Habitualmente, faço shows em auditórios e o público está sentado, mas quando as pessoas estão de pé e aderem ao espetáculo, sentimos o apoio delas e fica tudo mais especial. Quando eu entrei no palco estava nervosa, mas depois fiquei radiante e é uma memória que guardarei com muito carinho”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Beatriz Pessoa conversou com o Scream & Yell. Confira:

Você formou-se em canto jazz pela Escola Superior de Música de Lisboa e passou também pelo Hot Clube de Portugal. Em que medida essas experiências influenciaram as suas composições?
As experiências do passado e a rota acadêmica que trilhamos influenciam sempre muito. Conheci muitos músicos nesses dois locais, que se tornaram meus amigos e com os quais partilho música, tocando ou fazendo shows. No primeiro EP (“Insects”) notam-se mais essas influências jazzísticas, principalmente na forma de compor e nos músicos que tocaram comigo nas turnês. O segundo EP (“II) e o álbum de estreia, que chegará em breve, representam um regresso às minhas referências do passado como o pop, indie e a música brasileira, mas tudo se complementa e acho que terei sempre a Escola Superior de Música de Lisboa e o Hot Clube de Portugal presentes em mim.

No EP “II” você cantou em português pela primeira vez e adotou o pop em detrimento do jazz. Sentiu que poderia ir mais longe com essas escolhas?
Quando estou escrevendo música em casa, desabafando e tirando algo de mim nunca penso nisso, porque esse não é o papel dos músicos. Claro que existe um entendimento no meio musical sobre o que é importante fazermos, mas a nossa função é compor canções e ser o mais genuíno possível. Depois, a transformação da música num produto vem de outras áreas. Sinto que sou influenciada pelo gênero e não tanto pelo assunto. O tema “Feminina” foi escrito, porque eu senti que era uma questão muito falada e seria importante dizer algo sobre essa matéria. Esse tópico, como outros que são relevantes, levou-me a fazer uma música, não para ir mais longe, mas possibilitando que a temática tivesse maior alcance. O fato dos meus caminhos me terem conduzido ao pop foi algo muito natural e escrever em português de Portugal ou do Brasil remete-me para esse universo, porque associo o inglês mais ao jazz. De qualquer modo, a língua teve um impacto significativo nessa questão.

A faixa “Vento” revela o seu lado mais imaginativo e na canção “Feminina” a sua interpretação sugere uma perspetiva libertadora. Concorda com esta observação?
Concordo! “Vento” é um tema jovial, não só pelo fato de eu ser nova, mas também porque o vento pode ser o que cada um quiser, por ter uma letra mais desprendida e retratar a liberdade inerente aos jovens. Para além disso, implica estar com quem se gosta e sentir-se bem com essa decisão. A faixa “Feminina” está muito ligada às questões do feminismo, remete para um debate geral sobre o que é ser mulher e as respetivas consequências. Eu já referi várias vezes que é muito importante que esse assunto esteja na moda. Para mim ser feminina (e eu digo isso na música) não é usar baton ou vestir de cor-de-rosa, isso são apenas estereótipos em que a pessoa se pode sentir bem, mas diz pouco sobre a sua personalidade. Também gostava de dizer que essas questões de gênero atuais precisavam um pouco da liberdade contida no tema “Vento”. As pessoas têm de ser mais liberais, julgar menos e fazer com que todo o mundo tenha um lado sólido e genuíno. Um indivíduo pode ser forte e igualmente uma flor ou vice-versa e é isso que eu abordo na canção.

O seu álbum de estreia continuará a trilhar o pop de “II”, recuperará a toada jazz de “Insects” ou abordará novas sonoridades?
É garantido que irei incorporar novos elementos na minha música. O álbum vai ser maioritariamente cantado em português e aproxima-se mais daquilo que fiz no EP “II” do que no “Insects”. As minhas influências brasileiras vão se sentir nesse disco e embora seja uma mistura de várias coisas o trabalho vai ter uma pegada pop vincada. Poderá ter um pouco de eletrônica, mas sou mais adepta do formato acústico (risos).

Você interpretou o tema “Eu te Amo” (de Mallu Magalhães), no Festival da Canção de Portugal 2018. Como surgiu esse encontro com a Mallu?
Eu conheci a Mallu num show dela e tive o privilégio de sermos apresentadas. Depois disso, mostrei-lhe o meu trabalho e falamos um pouco. Quando a Mallu me pediu para interpretar o tema “Eu te Amo” fiquei surpreendida. Tratou-se de um convite incrível e adorei trabalhar com ela e a Jessica Pina. O processo foi muito bonito, a Mallu inclui-me também na seleção da música e lembro-me de ir a casa dela e ter visto um caderninho de canções que ela estava a preparar para o Festival da Canção 2018. A dada altura ela perguntou-me qual era o tema que gostava mais. Eu identificava-me com “Eu te Amo”, a Mallu confiava igualmente nessa música e assim se deu a escolha. Foi incrível, porque eu já escutava a música da Mallu Magalhães garota e acompanho o seu trabalho desde o começo, bem como do Marcelo Camelo. Trabalhando com ela, apercebi-me da luz, leveza, mas também da exigência que coloca naquilo que faz e ao vivo consegue ser uma pessoa ainda mais luminosa. Acho que a Mallu é uma mulher incrível.

Relativamente à música brasileira, existem outros artistas com quem gostasse de colaborar?
Sem dúvida. Eu escuto muita música brasileira. Ultimamente descobri o trabalho do Rubel, do Cicero e andei viciada na Anitta. Gosto bastante do Tom (filho de Caetano Veloso). Escutei uma canção dele (“Todo Homem”) e a sua voz é celestial. Adoraria trabalhar com o Tom. Gosto imenso do Rodrigo Amarante, a Céu tem músicas legais mais eletrônicas e a Elza Soares é incrível. Qualquer um desses artistas se quiser colaborar comigo mande um e-mail que eu vou (risos).

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.

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