Três filmes: “O Motorista de Taxi”, “Uma Mulher Fantástica” e “O Insulto”

por Marcelo Costa

“O Motorista de Taxi”, Jang Hoon (2017)
Meses após o assassinato do ditador Park Chung-hee (que comandou a Coréia do Sul entre 1963 e 1979), o país sofreu um novo Golpe de Estado: em 12 de dezembro de 1979, o general Chun Doo-hwan ascendeu ao poder, instaurando a Lei Marcial, que proibia atividades políticas e reduzia ainda mais a liberdade de imprensa no país. Parte do povo se rebelou e o embate foi violento e trágico. Indicado pela Coréia do Sul ao Oscar 2018, mas não incluso entre os cinco finalistas, “A Taxi Driver” (no original) revela as memórias do jornalista alemão Jürgen Hinzpeter, de quando ele esteve no país para acompanhar o que viria a ser conhecido como o Massacre de Gwangju, levante popular acontecido na cidade sul-coreana entre 18 e 27 de maio de 1980, violentamente reprimido pelo Estado. O roteiro inspira-se na história de Hinzpeter, que assim que pousa em Seul é informado por fontes que a cidade de Gwangju está sitiada. Ele, então, necessita de um motorista que o leve até lá, e é aqui que entra em cena Kim Man-seob, um motorista de taxi (recriado pela memória de Hinzpeter e romanceado no roteiro) que é a favor do governo, não acredita que os militares possam ser violentos e reclama de manifestantes, um típico “pobre de direita”, tudo isso até ser confrontado com a verdade em Gwangju. Kim Man-seob assume o serviço porque precisa do dinheiro, mas, alheio a tudo o que está acontecendo no país, não tem a mínima ideia da importância e dos perigos da viagem. “O Motorista de Taxi” é, então, dividido em duas partes: a primeira é cômica, quase pastelão. Já a segunda é dramática, violenta e triste, com o poder de provocar gastrites. Essa dualidade causa estranheza, mas não tira o mérito de uma grande história.

Nota: 6.5

“Uma Mulher Fantástica”, de Sebastián Lelio (2017)
Finalista chileno ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Una Mujer Fantastica” (no original) apresenta, logo no início, o casal Marina e Orlando. Ele é um empresário muito bem sucedido que está arrumando com toda a calma do mundo um par de passagens que comprou para levar a sua amada para as cachoeiras em Foz de Iguaçu enquanto ela, garçonete e frontwoman de uma banda, transpira sensualidade durante um show. Corta para o apartamento do casal, e uma tragédia está prestes a acontecer: Orlando começa a sentir uma forte dor de cabeça, que o faz desmaiar e se revelará um aneurisma fatal. Marina ainda o levará para o hospital, mas ele não sobreviverá, começando então todo o drama que cerca este “Una Mujer Fantastica”: o espectador descobrirá 1) que Marina é uma mulher transexual (interpretada de forma magnifica por Daniela Vega); 2) que Orlando abandonou mulher e filhos para ficar com Marina; 3) que após a tragédia, Marina precisará lidar com a família de Orlando, o que, claro, se revelará traumático, muito porque Marina amava Orlando, um amor reciproco rompido por uma tragédia. Descrito desta forma, “Una Mujer Fantastica” pode soar simplista, clichê e até óbvio, mas o que transforma este filme de Sebastián Lelio numa pequena pérola cinematográfica sul-americana é a delicadeza com que roteiro, fotografia e atuações contornam um personagem… fantástico. Preso entre estigmas e estereótipos cruéis, Marina é confrontada por médicos, pela polícia, pela esposa e pelo filho de Orlando. Até pelo cunhado. O que parecia sinalizar um futuro feliz no começo do filme transforma-se numa via-crucis que, no entanto, não apagará o brilho de Marina, o que a emocionante cena final revelará.

Nota: 8

“O Insulto”, de Ziad Doueiri (2017)
Um grupo de trabalhadores se move em uma rua de um bairro periférico de Beirute quando recebe uma ducha de água suja vinda da calha quebrada de um apartamento no segundo andar de um prédio. O mestre de obras responsável pelo grupo de trabalhadores, Yasser (um refugiado palestino), procura o dono do apartamento, o mecânico Toni (um cristão libanês) e sugere consertar a calha, mas Toni recusa a oferta. Yasser ainda assim faz o conserto, mas Toni vai e quebra a calha novamente, dando início a um desentendimento que, a cada segundo de “L’Insulte”, o concorrente libânes ao Oscar 2018 na categoria Melhor Filme Estrangeiro, subirá um degrau no caos urbano, social e religioso que vive a região até se transformar em assunto nacional, daqueles que podem detonar uma guerra civil. Parece tolo, visto pelo lado sul-americano, mas em países em que palavras como honra e respeito ainda são levadas a sério, um insulto pode tomar proporções épicas, ainda mais em um momento de extrema-direita acesa em todo o mundo. Ziad Doueiri, que dirige e assina o roteiro com Joelle Touma, é didático nessa alegoria (cinematograficamente forçada em algumas passagens) das diferenças sociais de um povo num filme de tribunal que resgata o melhor do gênero. “Tangerines”, o concorrente da Geórgia na categoria em 2013, não tinha a mesma força, tensão e impacto de “O Insulto”, ainda que lidasse de forma mais tátil com o tema e, sim, carregado de inocência, algo que só pode ser flagrado no trecho final de “O Insulto”, mas não desmerece, de maneira alguma, este grande filme libanês sobre relações humanas num território assombrado por tensões étnicas, políticas e religiosas, um tema cada vez mais mundial.

Nota: 9 (em cartaz nos cinemas)

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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