Três EPs: Ana Carolina, Spinosa e Qinho

por Renan Guerra

“Som (Ruído Branco)”, Ana Carolina (Armazém / Sony Music Brasil)
Ana Carolina tem um séquito de fãs e mantém uma carreira sólida de mais de 20 anos, porém, desde o início dos anos 2000, Ana firmou-se numa estética e sobre ela se repetiu exaustivamente até alcançar o fundo do poço com “#AC” (2013), disco que flerta com o pop e a eletrônica em meio a uma poesia de gosto duvidoso (voltem lá e ouçam “Pelo Iphone” e tirem suas próprias conclusões). Em 2016, Ana resolveu ir por outros caminhos e lançou o livro de poesias “Ruído Branco”, que deu nome também a sua nova turnê, mais intimista e podada de seus exageros usuais. É desse trabalho que surge o EP “Som (Ruído Branco)”, com poesias musicadas a partir do livro homônimo. Com ecos de spoken words, as faixas lembram algumas experimentações de Adriana Calcanhotto (lá pelos idos de “A Fábrica do Poema”), trazendo essa mescla entre canto e declamação, navegando por camadas e camadas de eletrônica (sonoridade que se comunica com o ótimo disco “Turbulência”, de Sandra-X). “Velho Piano” é a faixa mais comercial do disco, a que mais se aproxima da Ana-Carolina-das-trilhas-de-novela, mas mesmo assim já apresenta um dedilhar de piano turbulento, que demarca novos horizontes para a cantora. No todo, a poética apresentada aqui não é surpreendente ou inovadora, mas o simples fato de Ana Carolina sair de sua monótona repetição já é louvável e por isso vale a audição. Que ela siga inquieta.

Nota: 6

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“Beijo Burocrático”, Spinosa (Independente)
Renato Spinosa é formado em Composição pela USP e é professor da Escola do Auditório do Ibirapuera, porém já tem um longo caminho pelo universo pop: tocou piano com as bandas Onagra Claudique e Seychelles e fez parte do grupo vocal The Fellas. Essas informações são apenas para deixar claro que Spinosa não tem uma relação nova com a música, e servem também para clarear o fato de que seu trabalho não engendra-se em qualquer academicismo ou formatação rígida. Sua primeira aventura solo, o EP “Beijo Burocrático”, traz um frescor pop ao cenário nacional, um viço juvenil, que se comunica com o rock nacional dos anos 80 e com uma estética kitsch (no maior estilo Almodóvar 80’s). Há aqui um tratado sobre amores e desilusões, num olhar bem maturado pelo tempo, demonstrando um artista meticuloso, que parece premeditar cada passo, gerando um trabalho delicado, que soa como natural. “Beijo Burocrático” tem menos de 20 minutos, mas traz refrãos pegajosos, que falam sobre temas universais e atuais: dor de cotovelo, desilusões, comprimidos para dormir e o sentido da existência. Com um currículo forte e temáticas complexas, o que Spinoza nos oferta é um trabalho leve, que nos faz dançar e rir em meio aos estilhaços dos problemas modernos. Para se ouvir no repeat enquanto esperamos um disco completo do artista.

Nota: 7

“Fullgás”, Qinho (Independente)
Qinho aventurou-se pelo repertório de Marina Lima para o programa Versões, do Canal Bis. Depois da participação, Qinho acabou levando suas versões para os palcos e, contando com a bênção da própria Marina, lança agora o EP “Fullgás”, que traz novas sonoridades para as clássicas faixas “Fullgás”, “Uma noite e meia”, “Criança” e “Charme do Mundo”. A primeira impressão é de que seriam escolhas demasiado óbvias ou hits marcantes demais para releituras, mas Qinho traz novo fôlego a elas, com batidas eletrônicas que remetem ao passado, mas sem nostalgia, apenas com um ar cool, que combina com essa zona sul praiana do universo sonoro de Marina e Antônio Cícero, seu irmão e parceiro de composições. A sonoridade do EP segue coerente com aquilo que o artista carioca havia apresentado em seu disco “Ímpar” (2015), porém demonstra ainda mais maturidade de Qinho, que consegue dosar cada vez mais o seu universo poético com as batidas eletrônicas. É delicioso de ver como “Uma noite e meia” se tornou um reggae sensual e como o EP se divide em dois momentos: os anos 80 e sua estética kitsch nas duas primeiras faixas e os anos 90, com sua estética sensual, porém entristecida, nas duas faixas finais. Em menos de 20 minutos, Qinho consegue penetrar na obra de Marina (uma artista com material suficiente para muitas redescobertas) e reconfigura essas canções já conhecidas, dando a elas novos cenários e possibilidades.

Nota: 8,5

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha e Scream & Yell.

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