Três perguntas: Os Gringos

por Cristiano Bastos

Formada por quatro nativos dos EUA e um brasileiro nato em Itajubá, interior de Minas Gerais, a banda Os Gringos, radicada no Brasil desde 2013, já tem um disco lançado e agora prepara um segundo lançamento, previsto para meados de 2017. Com o primeiro álbum, que reúne 14 músicas autorais, a banda já se apresentou em festivas no interior de Minas e São Paulo. Inspirados pelo blues, rock, funk americano, country, hip-hop, jazz e uma boa dose de música brasileira, os shows da banda chamam atenção pela performance da banda ao vivo.

“Os Gringos” (2014), o disco de estreia dos caras, pode ser baixado gratuitamente no site oficial da banda (http://www.osgringos.com). Mas logo mais tem coisa nova, afinal eles estão trabalhando no estúdio Little Big America, de propriedade da banda, na produção do segundo álbum, que já tem nome: “The Animal Kingdom”. Para este próximo registro, o quinteto acrescenta à receita sonora uma boa dose de “rock-blues psicodélico”, o que injeta uma boa dose de “veneno” ao som cheio de punch da banda.

Segundo o guitarrista Daniel Friend, que respondeu a entrevista abaixo, o nome do novo trabalho é uma metáfora em relação à evolução tanto pessoal quanto artística pelas quais têm passado os integrantes da banda em suas jornadas musicais. “Ao vivo costumamos desdobrar os temas em números mais pesados, alongados e/ou improvisados”. O resultado é pura nitroglicerina. Tais características você poderá conferir acessando o canal do na banda Youtube: www.youtube.com/c/OsGringos.

Como vocês avaliam o resultado obtido com o primeiro disco?
A recepção ao disco foi excelente. Sempre prezamos pelo trabalho autoral, e nossos fãs conhecem as músicas e as letras, e pedem músicas do primeiro álbum durante nossos shows. Lançado no final de 2015, o álbum serve como uma amostra viva da qualidade que sempre procuramos imprimir em nossas composições, além do profissionalismo que empenhamos para fazer o disco ficar bonito, tanto em termos sonoros quanto em termos visuais e de acabamento físico. O que talvez tenha faltado ao primeiro disco foi uma distribuição maior. Estamos no Spotify, iTunes, Deezer, entre outras plataformas, porém, não sabíamos as melhores táticas para fazer o disco rodar fora de nossa região geográfica com maior impacto. Vivendo e aprendendo. Por conta disso, estamos constantemente estudando o mercado. Em termos de produção e composição, consideramos que o disco representa nossa musicalidade e diversidade sonora, suas origens e raízes. Cada um na banda tinha um gosto e influência nata. Os sons vão do rockabilly, country, hip-hop até o funk americano, mais tudo com uma costura comum de blues e rock clássico. Realizá-lo foi bem experimental em alguns pontos. A letra da música “Polyglot”, por exemplo, usa nove línguas. Já “Brazilian English” mistura rock com uma levada parecida com samba, e as letras tratam das experiências de nós d’Os Gringos no Brasil, inclusive com a inserção de instrumentos tipicamente brasileiros, a exemplo da cuíca.

O que a música brasileira tem de especial? Dá para traçar diferenças (ou semelhanças) entre a música brasileira e a norte-americana?
Ritmicamente, a música brasileira é extremamente única e contagiante. As batidas do samba, tropicália, baião, entre outros ritmos, são uma fusão de culturas e histórias que somente o Brasil poderia proporcionar. Quanto ao instrumental há mistura muito forte de sons e batidas africanas e de melodias e levadas europeias, o que muitas vezes cria uma levada caracterizada por se solta e subdivisões muito marcantes. É difícil ficar parado. A respeito de letras, a língua portuguesa tem em si uma poesia natural e verdadeiramente muito bonita, que atravessa a imensa gama de estilos musicais presentes na musicalidade brasileira. Também é marcante o fato de que grandes brasileiros, como Chico Buarque, Milton Nascimento, Raul Seixas e Criolo, têm letras que, além de sua grande carga poética, abordam temas relevantes com grande impacto. Existe, sim, um paralelo entre a música brasileira e a norte-americana, no sentido de que os dois países criaram suas próprias identidades musicais a partir de uma fusão das matrizes africanas e europeias. Há certas semelhanças na história de surgimento de blues e samba, vindo de comunidades e culturas de escravos, que contam histórias de tristeza, sofrimento, opressão, redenção e esperança. Para nós, a questão do rock não é de imposição cultural. Buscamos sempre introduzir em nossa sonoridade elementos de vários estilos (jazz, blues, samba, flamenco, funk americano), mas tudo com uma dosagem boa de rock. Quando se fala a palavra “roqueiro”, no Brasil, a imagem que vem em mente é do sujeito de cabelo compridão, camisetas pretas e coturnos, mas a questão é que existem outros vertentes de rock que também podem ser exploradas e se pudermos deixar isso claro ao nosso público, ficaremos felizes.

Como é ter uma banda de rock no interior de Minas Gerais? Imagino que deve ter sido um tanto árduo formar um público.
Pelo fato de que quatro dos cinco integrantes da banda vêm dos EUA, isso acaba chamando um pouco de atenção. Há certa expectativa ou crença que, do mesmo jeito que o brasileiro “deve” nascer sabendo sambar, o estadunidense “deve” nascer sabendo mandar aquele rock-and-roll. Não estamos dizendo que isso seja sempre uma verdade, mas, de certa forma, acaba nos ajudando a divulgar nosso som. A cena de rock aqui da região Sul de Minas Gerais é potente, apesar de não sobrepujar os gostos musicais principais da população em geral, que estão na conta do sertanejo e da música pop. Existem alguns festivais tradicionais com vários anos por aqui, tais como o Bloco do Pink Floyd (Pedralva), o Roça N’ Roll (Varginha), Pedrock (Pedralva), Rock Nas Alturas (Maria da Fé) e o Showrrasco (Santa Rita do Sapucaí). Obviamente, para estes festivais existirem, precisa existir um público para sustentá-los, e este é o mesmo público que também tem abraçado nosso som. Somos muito gratos ao reconhecimento que conquistamos por aqui, inicialmente com o público em Itajubá e depois em outras cidades aqui da região. Tudo isso acaba sendo um combustível que só faz alimentar ainda mais nossa paixão pela música. Por outro lado, percebemos que, se quisermos continuar crescendo e semeando o som, também temos que tocar em cidades fora da região. Quanto ao nosso som, nós procuramos ser autênticos com nossas composições e shows ao vivo. O que você vê em nossas apresentações, e o quê você sente quando escuta uma gravação nossa, é algo que todos nós processamos de forma profunda antes de compartilhar com o público. Como nós colocamos muito valor neste conteúdo e o processo da sua interpretação, também temos como proposta apoiar a cena autoral aqui no Brasil, pois hoje conhecemos outras bandas que têm a mesma preocupação em fazer algo autêntico. Hoje em dia não há muito espaço para bandas novas e queremos mostrar para as pessoas que, na sua cidade, e na sua região, você está rodeado por artistas de muitos gêneros de música, e eles estão fazendo coisas legais que não estão tocando na rádio.

– Cristiano Bastos (@cRISTIANObASTOS) é jornalista e autor dos livros “Gauleses Irredutíveis” e “Julio Reny: Histórias de Amor e Morte”.

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