Entrevista: Duda Brack

por Marcos Paulino

Responsável por um dos discos de estreia mais interessantes do ano, a gaúcha Duda Brack (há quatro anos vivendo no Rio) se destaca por tentar fugir do comum. “É”, seu debute, está disponível para download gratuito no site da cantora (www.dudabrack.com) e merece o risco do ouvinte: pode ser que não goste, mas pelo menos vai poder dizer que ouviu uma artista que tenta fazer algo diferente.

Numa época em que tantas cantoras parecem gravar mais do mesmo, Duda se arrisca em canções menos palatáveis, às vezes até perturbadoras, nas quais uma guitarra pesada sempre marca presença. Esse universo instrumental envolve letras de onde se podem tirar bons momentos, cantadas por um vozeirão que deixa surpreso quem descobre que sua dona tem apenas 21 anos.

Construído com calma durante 2014, “É” conta com diversos nomes interessantes da nova geração: o mineiro César Lacerda (responsável pela faixa de abertura, “Eu Sou o Ar”), o paulista Dani Black (que assina “Dez Dias” e toca bateria de boca em “Eu Sou o Ar”) e os cariocas Lucas Vasconcellos (piano em “Dez Dias”) e Bruno Giorgi (Lenine, Cícero, Baleia), que assina a produção, são alguns deles.

Na conversa abaixo, Duda fala sobre seu momento atual (“Acho que as pessoas ainda tem uma visão ilusória a respeito do que é “estar na mídia”), explica porque liberou “É” para download gratuito (“Eu quero espalhar o meu som e fazer ele chegar na maior quantidade de pessoas possível, sem impedimento algum”) e avisa: “Esse disco diz muito sobre minha personalidade”. Com você, Duda Brack.

Quais as diferenças entre a Duda Brack de hoje e aquela que venceu o Festival Nacional da Canção em Boa Esperança, em 2013?
Lá se vão dois anos, né? Houve um amadurecimento geral em minha vida, como pessoa, como mulher e, automaticamente, como artista. Descobri coisas novas, passei a me interessar por coisas e a me desinteressar por outras…

“É” tem conseguido boas críticas da mídia. Como tem sido conviver com essa exposição?
Tem sido massa. Não esperava que este trabalho fosse ser compreendido e aderido tão imediatamente. Cada crítica, matéria, pedido de entrevista, convite para show e carinho das pessoas têm sido uma boa surpresa. E, pra falar a verdade, não me sinto exposta. Nada na minha vida mudou. Sabe, acho que as pessoas ainda tem uma visão ilusória a respeito do que é “estar na mídia”.

Com um disco essencialmente autoral, é mais difícil conquistar a crítica ou o público?
Acho que nem um nem outro. É outra proposta, só. Tem gente que se interessa mais por novidade, e é com essas pessoas que eu dialogo, por uma questão de afinidade.

Você ainda é bem jovem, mas fez um álbum bastante denso, principalmente na parte instrumental, que em muitos momentos flerta com o rock. Fugir do perfil atual da nova geração de cantoras de MPB foi uma opção pensada ou natural?
Esse disco diz muito sobre minha personalidade. Tem muito a ver com a minha visão de mundo, sobre como eu sinto e me relaciono com as coisas. Nesse sentido, fazer o que fiz foi natural. E a minha direção neste disco prezou apenas pelo que eu acreditava artística e esteticamente. Eu quis ser eu, e não ficar me moldando a gêneros e/ou estereótipos de cantoras de MPB pré-estabelecidos e rotulados. Quis fazer algo meu, híbrido, fora de qualquer caixa.

Ser uma artista independente facilita desenvolver um trabalho com total liberdade?
Acho que tudo depende da circunstância em que o artista se encontra. Eu tive a grata oportunidade de tomar as rédeas do meu trabalho e direcioná-lo, arcando com as consequências de todas as minhas escolhas. Não tive gravadora, empresário ou investidor dando pitaco no que eu deveria ou não fazer, e tive o privilégio de me cercar de pessoas que tinham uma mesma busca que eu, que me entenderam a alma e agregaram nessa construção.

Mas a estrutura de uma grande gravadora ainda hoje faz falta?
Não sei dizer, porque eu nunca pertenci a uma. E, a julgar pelo que converso com amigos artistas que estão em grandes gravadoras, é tudo muito pessoal e subjetivo. Isto é: a gravadora estabelece com cada artista um tipo de relação. Não sei que tipo de interesse e investimento uma gravadora poderia ter ou não para com o meu trabalho. Talvez eles me abrissem muitas portas e possibilidades para esgarçar minha música, e, talvez, não. E quando não, o custo-benefício me parece não valer tão a pena assim… Enfim, não sei. Ser dona do próprio caminho não é de todo ruim, visse?! Requer muito mais dedicação e envolvimento, porque a gente acaba tendo que fazer absolutamente tudo. Mas acho que isso também imprime uma certa originalidade em todas as áreas do trabalho.

E não estar presente na grande mídia continua a ser um problema para levar o trabalho a mais gente ou hoje dá para compensar de outras formas?
Acho que não é mais uma necessidade substancial para que o artista esteja em movimento, mas ainda facilita uma disseminação muito mais rápida e ampla do trabalho. Não ter esse espaço é um processo lento de remar contra a maré. E a gente vai seguir remando até o fim, com todo o amor. Cada coisa nova que acontece e cada pessoa que conhece e adere ao trabalho já é uma alegria danada. Toda vez que eu vou ao correio entregar as encomendas de disco que recebo por e-mail, agradeço muito a Deus por ter gente, de várias cidades do Brasil e até de fora do país, que nem me conhece e, ainda assim, acompanha o meu trabalho. Fico com a alma regozijada de ver que o que move a minha existência também movimenta coisas na vida das pessoas, para além de mim.

O disco está disponível gratuitamente para download. Hoje não compensa mais esperar apenas pela venda do CD?
Sobretudo, acho que, hoje, cada caso é um caso. Cada artista tem seu caminho e suas questões. A queda do mercado fonográfico e do império das grandes gravadoras, bem como avanços tecnológicos e facilidades para se produzir um fonograma, fizeram com que as “fórmulas” de se trabalhar música caíssem por terra, horizontalizando a possibilidade da produção musical e tornando esse terreno mais acessível. E isso se reflete também na forma de se trabalhar e vender a música. Pra mim, uma artista nova, desconhecida do público, e com um trabalho que não é completamente autossustentável ainda, não compensa restringir o acesso das pessoas à minha música à venda de CD, seja físico ou digital. Eu quero espalhar o meu som, e fazer ele chegar na maior quantidade de pessoas possível que possam se interessar pelo que eu faço, sem impedimento algum.

Você já apresentou o novo show em capitais como Rio e Porto Alegre. No dia 4 de agosto, você lança o disco oficialmente em São Paulo, com uma apresentação no Tom Jazz (infos aqui). Qual a sua expectativa?
Os shows que já fizemos foram todos emocionantes! Eu tenho uma relação muito intensa e visceral com o palco. Eu sou enlouquecida por isso. É o lugar onde eu sou mais eu. Aliás, eu acho que só faço música porque é onde eu me liberto da minha extrema inabilidade para existir. O show pra mim é sempre uma catarse, uma enchente de vida, de amor, de tesão, de luz. Porto Alegre é minha terra, é onde tudo começou. Rio é a cidade que eu escolhi. E me parece que São Paulo é a cidade que me escolheu. Sou sempre lindamente acolhida, cada vez que canto por lá. A minha expectativa é que eu possa, através da minha música e da minha entrega, instaurar uma utopia coletiva. Espero que algo bonito se dê física, emocional e espiritualmente. Algo potente e especial capaz de emocionar e potencializar sensações na vida de todas as pessoas que fizerem parte deste acontecimento-show.

Quais os próximos passos em sua carreira, que, afinal, pelo menos para um público maior, está apenas começando?
Seguir caminhando, sempre. Um pé de cada vez. Com fé. A fé é pra mover o pé. E os caminhos todos estão nas mãos de Deus. Espero que ainda este ano a gente consiga ir a Recife, Brasília, Curitiba, Belém e Minas, pra lançar o disco.

Marcos Paulino é editor do caderno Plug (plugmusic.zip.net), da Gazeta de Limeira. A foto que abre o texto é de Flora Pimentel.

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