Rádios Rock e o Dia Mundial do Rock

Sob o CEL #29
Sobre Rádios Rock E Dia Mundial Do Rock

por Carlos Eduardo Lima

Hoje é 13 de julho e eu não avisei ao amigo Marcelo Costa que escreveria algo sobre o Dia Mundial Do Rock. Na verdade, vários temas passaram por minha mente para este novo texto da coluna Sob O CEL. Poderia ser uma reflexão sobre como o tempo passa, tendo como pano de fundo o estranhíssimo novo filme da franquia “O Exterminador do Futuro”. Também poderia ter algo do momento político do Brasil e sua apropriação pela mídia, mas imaginei que esta coluna deve ter a música pop como principal fonte de inspiração e dois eventos recentes vieram brejeiros como ponto de partida. Sendo assim, vamos a eles. O primeiro é o próprio 13 de julho.

Aliás, nada pode ser mais ridículo que este Dia Mundial Do Rock. Em primeiro lugar, a data escolhida é de procedência pra lá de duvidosa, sendo ela o dia em que os shows simultâneos do Live Aid tiveram lugar, em Londres e Filadélfia, para angariar fundos que se destinariam ao combate à fome na África. Phil Collins, ex-baterista do Genesis, e popstar planetário naquele distante 1985, teria dito, pasmo pela dimensão do próprio evento e maravilhado pela resposta do público, que aquele teria que ser o Dia Mundial Do Rock. Curiosamente, ninguém fora do Brasil pensa nisso. A invenção da data celebratória tem origem em São Paulo, mais precisamente através da ação de duas emissoras de rádio, a 89 FM e a 97 FM, que, a partir de meados dos anos 1990, passaram a comemorar e divulgar o 13 de julho como item de um calendário de comemorações que só existia na cabeça dos idealizadores. Bem ou mal, a coisa pegou e hoje, 30 anos depois do Live Aid, há uma horda de gente aproveitando para postar vídeos de Led Zeppelin, Black Sabbath, Rolling Stones e Beatles nas redes sociais, sem a menor preocupação em entender o Rock como um fenômeno e não como uma caixa empoeirada da qual tiram velhas fotos desbotadas.

Vejam, o Rock só existiu por conta de uma cadeia de eventos históricos, que deu no fim da Segunda Guerra Mundial e no acúmulo de riquezas nos bancos americanos, que emprestaram dinheiro para a reconstrução da Europa, perdoaram a dívida externa alemã em 1953 e geraram um mundo ocidental profundamente influenciado pela cultura nascente na terra do Tio Sam que era, pela primeira vez, voltada para uma geração de jovens que não precisaria ir pra guerra ou seguir os passos dos pais. Não vou esmiuçar a gênese do Rock, mas todos sabem que ele surgiu da mistura de ritmos negros como o R&B e o Blues com o Country branco e a primeira geração de artistas foi varrida pra baixo do tapete daquela América racista. Em seu lugar vieram artistas branquelos, que tiveram curta duração. Até mesmo Elvis Presley teve sua carreira redirecionada a partir de seu retorno do Exército, o que praticamente sepultou o Rock em seu próprio lugar de nascimento. O estilo seria ressignificado do outro lado do Atlântico, mais precisamente na Inglaterra, onde jovens de classe média/média-baixa ouviram esses pioneiros negros pelo rádio ou por comércio alternativo de discos e viram que aqueles sujeitos falavam muito a eles, vítimas da rebordosa econômica daquela primeira década sem guerras no continente desde os anos 20. O resto é história e  espero que você saiba.

O Rock, portanto, é uma música inclusiva, seja para quem ouve, seja para quem a faz. A sua proposta democrática de execução e sua adoção como porta-voz de uma juventude embriagada por sua própria existência serviu para gravar seu nome na História nos anos 1960. A década seguinte veio como afirmação do ritmo como arte, em meio a tantos experimentos e conquistas, trazendo uma década de 1980 marcada pela incorporação do Rock ao ideário dos mega eventos, de sua adoção como marca, como sinônimo de grana, fama e vida fácil para seus criadores/agenciadores. Os anos 1990 surgiram como o último período em que o estilo foi capaz de criar algo a partir do inventário das décadas anteriores. Depois, mais ou menos a partir de 1997/98, o Rock tornou-se apenas mais um ritmo num universo de outros tantos, que surgiram igualmente inclusivos, igualmente porta-vozes, igualmente importantes para seus públicos. E aqui chegamos em 2015.

Falar de Rock hoje é falar de um paradoxo. Enquanto temos à nossa disposição um sem número de meios para conhecer e ouvir novas bandas, cada vez mais precisamos da nossa própria iniciativa para buscar tais informações. Claro que isso é positivo, é só ligar o computador, devidamente conectado a um serviço de banda larga, acessar os sites que eu já conheço e cair dentro conhecendo novos artistas e acompanhando o que meus artistas preferidos andam fazendo. Certo? Sim, mas calma lá. Isso nos levará ao segundo evento que me fez optar pelo tema do texto. Estive há poucos dias num workshop sobre iniciativas interessantes em rádio, dentro de uma exposição muito legal sobre a Rádio Fluminense FM, do município de Niterói, no Rio. Meu programa de webradio, Atemporal, que vai ao ar às quintas-feiras, 22h, na www.radiovitrola.net, é uma iniciativa entre tantas, visando apresentar novidades aos ouvintes, independente do ano em que foram gravadas e foi meu passaporte para a palestra, na qual dei alguns pitacos. Por sua ideia criativa de tocar canções e artistas que não apareciam no dial carioca daquele início de década de 1980, a Flu FM foi logo chamada de “Maldita”, apelido que pegou e seguiu por toda a existência da emissora, que encerrou suas atividades no início da década de 2000.

A Maldita tinha duas características: tocar bandas de Rock clássico, como The Who, Genesis, Yes, não apelando para seus sucessos e canções mais manjadas e, além disso, abrir espaço para artistas brasileiros emergentes naquele 1982. A primeira geração do Rock nacional, que seguiu o estouro da Blitz, surgiu a partir da atuação da Flu FM no dial. Com locutoras, promoções criativas e uma grade de programas diversificados, a emissora fez história. Muita gente de lá, incluindo um de seus fundadores, o jornalista Luiz Antônio Melo, reputam o início do fim da Maldita, ainda em 1985, “à tentativa de querer ser outra rádio”. Explicando: enquanto a emissora mantinha seu diferencial na programação e em relação às competidoras, preservava sua identidade. Quando abriu mão disso para tentar chegar ao primeiro lugar de audiência e tornar-se maior, fracassou e foi perdendo seu ineditismo. Claro, a Flu perdurou no ar, mas, sim, tornou-se uma estação menos afiada em sua proposta, ainda que mantivesse um nível elevado até, pelo menos, o início dos anos 1990.

O fato é que, hoje em dia, iniciativas criativas em rádio vão de encontro a enfrentar uma mentalidade nacional, dominante na visão acerca do estilo, que celebra o Dia Mundial Do Rock enquanto tem uma parada de sucessos habitada por 100% de artistas dos segmentos do sertenejo universitário, do pagode e demais estilos pertencentes à indústria do entretenimento nacional. Podemos ainda ficar achando que Rock é apenas Led Zeppelin e demais dinossauros setentistas? Ou Beatles? Ou Rolling Stones? Não, né? Podemos ainda pensar que Rock é Red Hot Chili Peppers tocando “Give It Away” e Oasis tocando “Live Forever”? Que é a capa de “Nevermind” do Nirvana? Que o Pearl Jam só lançou seu primeiro disco? Que o Rock nacional morreu nos anos 1990? Não, não podemos.

Pensar no Rock hoje é pensar em duas frentes. A valorização das novidades, sejam elas de 2015, de 1977 ou de 1965. E na divulgação de artistas recentes, surgidos agora, aqui e lá fora. Há muitos, nunca foi tão fácil chegar às suas criações. É preciso fazer contato com eles, pensar em soluções legais para que as pessoas ouçam seus discos e, sobretudo, compareçam a seus shows. Hoje em dia, caso você não saiba, não há sobrevivência para essa gente se não for por meio da grana que arrecada em apresentações ao vivo. Pensar em programa de rádio sobre Rock é, mais que tudo, ter a mente aberta. Não adianta só reunir as bandas do bairro, da galera que você conhece e que “leva um som”. Tem que ouvir com critério, certamente há gente boa por aí, mas, infelizmente, há muita banda péssima tocando. É preciso encontrar gente disposta a batalhar e correr atrás, seja ao vivo, seja na Internet, fuçando, conhecendo, gravando, pensando. Rock é diversão, mas não é só isso.

E, por fim, cabe a nós, gente que pensa e escreve sobre música aqui e alhures, pensar que temos responsabilidades para com o leitor e o artista. Sabemos que nossa opinião não avaliza sozinha um disco ou banda mas temos o dever de sinalizar quando algo é bom ou ruim. A mídia brasileira formal baniu a crítica negativa por achá-la inútil e está muito enganada. É preciso criticar sem soar caricato, sem a necessidade de criar personagens que respondam por uma ranzinzice que destoe do senso comum emburrecido. Creiam, ele nunca esteve tão imediatista, burro e raso. O objeto é apenas a grana, a mesma cuja ausência impede que uma emissora de TV ou de rádio tenha uma programação voltada para nova música, não necessariamente Rock. Talvez o estilo, enquanto mecanismo de manifestações ideológicas e porta-voz de mudanças estéticas tenha ficado mesmo no passado, bem antes de 1985, mas as pessoas ainda ouvem música e não há nada errado em levá-las a sério, pelo menos mostrando novidades. É aí que a mágica acontece.

– CEL é Carlos Eduardo Lima (siga @celeolimite), responsável pela coluna Sob o CEL no Scream & Yell, uma versão renovada de sua primeira coluna no site, O CEL é o Limite, que ele estreou em 05 de maio de 2002. Também é locutor e produtor na empresa Rádio Vitrola

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One thought on “Rádios Rock e o Dia Mundial do Rock

  1. O rock hoje em dia ainda esta esta vivo, mas ele esta se escondendo (ja aqui no Brasil o rock esta em estado de coma).

    Acho que o rock atualmente ele perdeu a importância cultural que se tinha antes, a de ser a musica de protesto e de problemas sociais, é por isso que não gosto de sertanejo, letras como camaro amerelo, meteoro da paixão e bare bare não dizem nada pra mim.

    Antigamente o rock chegava no ouvinte, ja hoje em dia é o ouvinte que tem que procurar o rock, para o bem ou para o mal.

    As bandas atuais tambem não fazem questão de terem mais aqueles grandes artistas marcantes como Mick Jagger ou Fred Mercury, é sempre um boboca no vocal, que mesmo tendo uma otima voz e presença, ainda sim não é tão carismatico pra conquistar milhões.

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