Entrevista: Martin Mendonça

por Marcia Scapaticio

Guitarrista nascido em Salvador, Martin Mendonça mudou para São Paulo em 2005, quando se tornou o guitarrista oficial de Pitty (com quem já gravou três álbuns: “Anacrônico”, de 2005, “Chiaroscuro”, de 2009, e “Setevidas”, de 2014) e viu seu trabalho ganhar repercussão nacional. Desde então, Martin concilia a rotina da banda com seus projetos paralelos.

Com o amigo Duda Machado, baterista de Pitty, botou na ativa Martin e Eduardo, que resultou no disco “Dezenove Vezes Amor”, de 2010 (download gratuito aqui). Um ano depois, juntou-se a Pitty no duo Agridoce, o qual emplacou hits e fez crescer o público roqueiro da dupla. Era difícil não ouvir “Dançando” ou “130 Anos” nas rádios brasileiras, independente do estilo.

O sucesso não evitou a pausa do projeto, que chegou ao “fim” em 2013. Logo em seguida o novo disco de Pitty, “Sete Vidas”, reuniu a banda no estúdio e em turnê. E é neste contexto que surge agora “Quando um Não Quer”, sua estreia solo, fazendo com que Martin concilie – muito animado – sua carreira solista, o trabalho com Pitty e o que mais a música lhe apresentar. “Estou bem feliz, satisfeito mesmo”, diz o músico. Confira o papo.

Você chegou a pensar num conceito para o álbum?
Quanto ao formato, o disco nasceu super picotado, tanto a origem das músicas – algumas datam de 2010, umas já existiam quando eu gravei “Dezenove Vezes Amor”, e outras pintaram durante o processo de gravação de “Quando um Não Quer”. Tive muita gente diferente tocando no disco, contribuindo com diferentes sotaques e repertórios. Tanto que cheguei a pensar que não conseguiria dar uma goma no disco para que soasse como um álbum ao invés de uma coleção de canções. Foi uma preocupação minha. Pra mim só caiu a ficha, sinceramente, na véspera da masterização, ao colocar as músicas em ordem. Quando eu tinha só as bases gravadas, sem voz nenhuma, mostrei todas para a Pitty, falei sobre minha impressão de o disco parecer uma colcha de retalhos, mas ela discordou e disse existir uma coesão, que já conseguia escutar as bases como um disco. Talvez eu tivesse excessivamente preocupado com a coesão, mas as composições são todas minhas e isso é um ponto de ligação considerável.

Como tem sido a recepção do disco?
Até agora tem sido boa. Modesta, mas legal, dentro do alcance que um disco lançado só digitalmente tem. Considerando o caráter independente de produção, o lançamento está muito legal. Claro, pego carona nos fãs de Pitty, pois vários deles acabam migrando, rola um ruído, uma troca de público entre os trabalhos que já fiz. Estou bem feliz, satisfeito mesmo.

É importante para você estar em contato com a cena independente e a experiência no mainstream, tocando em grandes festivais e dialogando com todo tipo de público? Você pensa nesse fluxo?
Não paro para pensar, mas acho que esse fluxo me ajuda a colocar as coisas em perspectiva. Não acho legal os extremos, porque você acaba tendo uma visão muito limitada. O cara que transita pelo underground ou só por ele, ou que já começou no mainstream ou está nele há tempo demais. Diferentes situações te dão experiência, uma vez que você já tocou num bar em que nada funcionava, estava um calor horroroso e o som falhava, mas também esteve em festivais grandes, como o Rock in Rio ou no Lollapalooza. Então, é muito difícil passar por uma situação que te intimide ou te coloque numa saia justa. Mas também é minha natureza. Não consigo me ver afastado ou intimidado por nenhum dos dois lados, pois gosto muito de ambos. Estava empolgado em fazer o Lollapalooza e muito empolgado para os shows mais intimistas de divulgação do disco. Não consigo me ver em apenas um desses dois polos.

Qual era sua relação com bandas ou mulheres instrumentistas antes de tocar com a Pitty?
Nunca separei bandas em gênero, mas reconheço que algumas são colocadas nessa pecha de banda de meninas. Pode soar estranho, mas sou fã das Spice Girls. E Spice Girls é isso, uma banda de meninas. Vendida desse jeito, assim como vai ter boy band. Porém, fora dessa situação na qual a coisa já é apresentada considerando o gênero, eu nunca separei. Via a Kim Deal como a baixista do Pixies e não a ‘baixista menina do Pixies’. Eu não tinha visto no Brasil, depois de Rita Lee, uma figura tão brutal quanto Pitty. Não estava nos meus planos, mas quando ouvi a primeira música do disco dela e fui ao primeiro show, pra mim já caiu essa parada ou desconfiança que algumas pessoas possam ter.

Desde quando você mora em São Paulo e qual a sua relação com a cidade?
Mudei para São Paulo em janeiro de 2005. Já tinha vindo para cidade duas vezes antes (2003/04) com a banda Cascadura, mas não consegui ficar. Viemos na loucura e nossas tentativas naufragaram. Quando voltei para Salvador, em dezembro de 2004, a Pitty me chamou para tocar com a banda e eu voltei pra cá. Tinha vontade de morar aqui, gosto e me identifico com a cidade, mas sem um romantismo cego. Acabei me identificando com São Paulo bem mais do que com Salvador, onde cresci. Por identificação, São Paulo é a minha cidade.

O que te motivou a tocar guitarra e a entrar numa banda de rock?
Queria tocar guitarra, mas tive que começar tocando violão porque eu não tinha guitarra elétrica. Para minha mãe, guitarra e violão era a mesma coisa, então levei algum tempo até conseguir convence-la a comprar uma. Comecei a tocar relativamente tarde, entre 16 e 17 anos. Na época o Guns N’ Roses estava estourando com “Appetite for Destruction”, (1987) e o Metallica com “And Justice for All”, (1988) e nisso fui abduzido pelo mundo do rock. É meio estranho falar isso, porque soa pouco glamoroso artisticamente, mas no começo eu não fui atraído pela música, fui atraído pelo rock. Queria tocar guitarra porque queria estar numa banda de rock, cair na estrada e fazer shows. O que me cativou foi o estilo de vida rock, antes da guitarra. Claro, hoje minha relação não é mais essa. Sou apaixonado pelo instrumento e pela música também. Mas no começo foi uma febre adolescente de ser roqueiro.

Faixa a faixa – Quando um Não Quer
Conheça as histórias por trás de cada música do disco solo de Martin

01) Linda: pintou em 2009. Nesta época eu não tinha intimidade com sistema de gravação como tenho hoje. Duda (baterista de Pitty) ia passar um tempo em Nova York e eu pedi para usar o estúdio dele enquanto ele estivesse viajando. Ele deixou tudo montado e me ensinou o básico do programa que usávamos para gravar. Enquanto Duda passou 15 dias em Nova York eu fiquei 15 dias enfurnado no estúdio, passava madrugadas lá. Nesta fase comecei a compor e “Linda” é desta safra. Eu não a levava muito a sério. Não sei se é porque ela é muito desesperada e urgente, mas achava caricata. Entrou no disco enquanto gravávamos as bases. É uma das minhas preferidas e, de todas que eu canto, acho que teve o resultado final mais legal.

02) Outra História: acho que escrevi em 2006. Comprei um gravadorzinho portátil, meu primeiro contato com uma plataforma de gravação na qual eu poderia botar pra fora tudo que passava na minha cabeça. Havia uma base e um dia resolvi enfrentar meus demônios, porque eu tinha receio de cantar, de escrever letra. Pensava que não era pra mim e acabou sendo a primeira música de minha vida que botei uma letra e cantei.

03) Algum Lugar: rolou durante a turnê do disco “Dezenove Vezes Amor”. Gosto muito da música, amo a base, em grande parte por causa de Pupilo – baterista convidado -, porque ele jogou a música para uma direção completamente diferente do que costumávamos tocar. Era adornada com muita distorção e Pupilo gravou uma bateria super minimalista, que obrigou a mim e ao Guilherme (baixista) tocarmos o mínimo de notas e muito bem colocadas. Convidei Leo Cavalcanti para canta-la porque, para mim, é o cantor da nossa geração. Desde que o ouvi queria gravar com ele. Inclusive estou com uma música pronta para gravarmos juntos.

04) Mesmo: Não me identifico, mas aprecio o rock performático, mais teatral. Convidei Lira (que divide os vocais com Pitty nesta música) porque eu queria algo com essas características e não conseguiria fazer. Na verdade, não sei se há outra pessoa que conseguiria fazer do jeito que ele faz. Eu curto muito todas as vertentes, tanto o rock mais teatral, os espetáculos carregados de uma coisa cênica. Não me vejo fazendo isso algum dia, mas gosto muito. Acho massa.

05) O Fim: eu tinha um fragmento no violão do que viria a ser a base e, durante a gravação do disco, finalizei a base sem ter escrito a letra. Aliás, por isso não terminei o álbum no prazo que eu queria. Gosto muito do resultado e da levada diferente que a música tem.

06) Coisas Boas: quando vim pra São Paulo a primeira vez, em 2003, foi uma puta virada na minha vida. Penso que vim pra cá com 10 anos de atraso. Gostaria de ter vindo aos 18 e não aos 28, mas foi uma super aventura. Eu já tocava em Salvador, mas nada se compara a experiência de pegar os caras que são sua banda e se jogar na estrada para tentar a sorte. Fábio (Cascadura) me mostrou essa música na época e eu me apaixonei. Me bateu diferente por causa do que eu estava vivendo e fiquei com “Coisas Boas” na cabeça por um bom tempo. Calhou que nesse intervalo a banda também não gravou e eu decidi pegar pra mim.

07) Sun: o embrião do que ela viria a ser nasceu também no estúdio de Duda, no mesmo período de “Linda”. Sempre gostei dessa levada, essa pegada deserto da Califórnia que ela tem. Gravei a base sem ter letra ou melodia, tentei cantar, mas não chegava num resultado que me agradasse. Daí Fábio (Cascadura) veio ficar uns dias em São Paulo e eu falei, “bicho, esse cara que vai me salvar”. Levei Fábio no estúdio, dei um bloco e uma caneta pra ele, ficou tocando a música em loop e eu disse: faz o que você quiser, só coloca essas duas frases no meio. Ele não botou as duas frases, fez a letra enorme e eu adorei o resultado.

08) Caos: A música já aparecia durante a turnê do “Martin e Eduardo”. Quem ia aos shows da gente já conhecia e as pessoas insistiam para que ela estivesse no disco novo. Percebo que “Caos” é a preferida do público. Chamei Jajá (Cardoso, da banda Vivendo do Ócio) para fazer o vocal porque achei que era a cara dele. E foi massa, uma excelente escolha.

09) Rotina: ficou pronta junto com “Plano Sequência”, que disponibilizei para audição logo que anunciei o disco, mas acabou ficando de fora dele. Nasceu para ser instrumental mesmo, era só um clima, num estilo parte a, parte b. Pela ordem que as músicas foram colocadas, achei que ela ficaria bem ali para fechar o disco.

– Márcia Scapaticio (www.facebook.com/marcia.scapaticio) é jornalista e mantém o zunindo.tumblr.com. Confira outros trabalhos da Márcia no http://issuu.com/mscapaticio. A foto de Martin Mendonça que abre o texto é de Tessália Seriguelli (Divulgação)

Leia também:
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– Pitty: “A visão das pessoas fica meio turva quando você vai pra grande mídia” (aqui)

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