Reedição: Your Arsenal, Morrissey

por Bruno Lisboa

Morrissey é, talvez, um dos maiores artistas ainda vivos. Ao longo de sua carreira, que já ultrapassa 30 anos, incluindo o curto tempo dedicado aos The Smiths e sua longa carreira solo, Morrissey foi controverso como muitos e genial como poucos e é, até hoje, referência para toda uma geração de amantes da boa música.

Seguindo um projeto de relançamentos que já revisitou seu álbum de estreia (“Viva Hate”, de 1988), a coletânea de b-sides “Bona Drag” (1990) e pulou direto para os dois últimos álbuns do cantor nos anos 90 (“Southpaw Grammar”, de 1995, e “Maladjusted”, de 1997), o escolhido da vez e “Your Arsenal”, lançado originalmente em 1992.

Em comemoração as mais de duas décadas de lançamento, “Your Arsenal” ganha reedição remasterizada acompanhado de um DVD contendo uma apresentação realizada em 1991, na Califórnia. Apesar do preço exorbitante praticado em território nacional (R$ 75 em média; no Reino Unido o pacote CD+DVD é vendido por R$ 40) a aquisição se faz valer – no Brasil, a Warner Music optou pelo formato de caixinha de DVD; na Europa e EUA a opção de replica do álbum foi escolhida.

Lançado em 1992, “Your Arsenal” é o disco responsável pela guinada sonora que alavancou a carreira do britânico após o tropeço em “Kill Uncle”, o segundo disco solo (1991). Para tanto, o compositor recrutou os serviços dos guitarristas Alain Whyte e Boz Boorer, ambos oriundos da cena rockabilly londrina, e convocou o guitarrista Mick Ronson para a produção.

A entrada da dupla de guitarristas e do novo produtor trouxeram mais segurança e vitalidade ao som e o cartão de visitas do álbum é “You’re Gonna Need Someone On Your Side”, que já entrega a nova proposta e mostra a influência dos novos membros recém chegados. “Glamorous Glue”, com sua batida marcial e guitarras estridentes, mantém em voga a boa nova sonora.

“We’ll Let You Know” e “Seasick, Yet Still Docked”, baladas introspectivas de rara beleza, mais a pérola pop “Certain People I Know” promovem diálogo remetente aos tempos de Johnny Marr. A icônica e jovial “We Hate It When Our Friends Become Succesful” é um dos maiores acertos deste trabalho e, não à toa, foi escolhida para ser o 1º single.

“You’re The One For Me, Fatty” segue a mesma linha do primeiro single do disco e é até hoje a canção mais executada do álbum em seus shows mundo a fora e a versão de “Tomorrow” presente nesta reedição é diferente da versão original presente no álbum de 1992: Morrissey optou por substituir a versão original pelo single mix assinado por Steve Peck (um erro: deveria ter incluso as duas versões).

A produção exímia de Mick Ronson é um deleite e o momento de grande contemplação deste fato se dá em “I Know It’s Gonna Happen Someday”, com orquestração criada pelo ex-guitarrista de David Bowie, resultando numa quase uma coirmã de “Rock n Roll Suicide” – não à toa, Bowie regravou a canção em seu álbum “Black Tie White Noise” (1993).

Se musicalmente, Morrissey optou pela reformulação, a acidez, o sarcasmo e a ironia de outrora permaneceram inerentes ao seu discurso inflamado. “GlamorousGglue” é uma ode ao anti-americanismo que futuramente seria melhor difundido em “You Are The Quarry” (2004). A controversa “We’ll Let You Know” é largamente vinculada aos hooligans enquanto “The National Front Disco” é tida como fascista ao bradar por uma “Inglaterra para ingleses”.

O DVD bônus traz pouco mais uma hora de duração de uma apresentação realizada em 1991 nos Estados Unidos, época em que crescia em popularidade do cantor por lá. A qualidade de imagem é sofrível (assista abaixo), mas ainda assim merece atenção. Desavisados e iniciados ao cantor podem estranhar tamanha devoção, mas ao vivo Morrissey se transforma. O garoto tímido e cabisbaixo de sua poesia dá lugar a um autêntico frontman. Esbanjando carisma e sensualidade, o britânico faz do fio de seu microfone instrumento de auto tortura, bradando como se fosse um chicote.

A plateia, devota, invade constantemente o palco, expediente incentivado desde o tempo dos Smtihs, em busca de um abraço ou de meramente tocá-lo, como se o homem ali postado fosse um ser santo, imaculado. Em resposta, ele retribui a calorosa recepção através de inúmeros sorrisos, sem parar a apresentação em momento algum.

A formação do show de 31 de outubro de 1991, Dia de Halloween nos Estados Unidos, é a mesma que gravaria “Your Arsenal” em março de 1992, e o repertório traz desde canções de “Viva Hate” e “Kill Uncle” (“Alsatian Cousin”, “Our Frank”, “King Leer”, “Driving Your Girlfriend Home” e “Angel, Angel Down We Go Together” em versão sustentada por guitarras) até b-sides e os principais singles da primeira fase.

“Suedehead”, o primeiro hit da carreira solo de Morrissey, surge no primeiro bis do show em versão fiel ao disco (e diferente da versão turbinada registrada em Paris um ano depois para o disco ao vivo “Beethoven Was Deaf”, lançado em 1993) causando catarse geral dos presentes, e o show termina com o b-side “Disappointed” trazendo Elvis Presley no telão, “Cosmic Dancer”, cover do T.Rex, na introdução e Morrissey sem camisa no palco.

Um dos principais trabalhos de toda carreira de Steven Patrick Morrissey, “Your Arsenal” ainda soa potente e sensacional como há 20 anos atrás. Em sua autobiografia, o cantor afirma que Mick Ronson salvou não apenas “Your Arsenal” como também a ele mesmo. Por fim, esperasse que a onda das reedições caprichadas de vasta carreira solo de Morrissey (a próxima, inclusive, será a do predecessor e tão bom quanto “Vauxall and I”) cheguem a solo nacional, mas desta vez a preços justos.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator e colunista do pignes.com

Leia também:
– Discografia comentada: todos os discos de Morrissey, por Marcelo Costa (aqui)
– Morrissey ao vivo no Benicàssim, 2008, por Marcelo Costa (aqui)
– Morrissey ao vivo em Buenos Aires, 2004, por Marcelo Costa (aqui)
– Morrissey ao vivo no Rio de Janeiro, 2000, por Gisele Fleury (aqui)
– Morrissey ao vivo em Buenos Aires e Rosário, 2012, por Marcelo Costa (aqui)
– As duas cerejas do bolo “Greatest Hits”, de Morrissey, por Marcelo Costa (aqui)
– “Ringleader Of The Tormentors”, de Morrissey: um Deus da música pop adulta (aqui)
– Um grande fã de Smiths tende a ser um grande fã de Suede, por Eduardo Palandi (aqui)
– “You Are The Quarry – Special Edition”, Morrissey, por Marcelo Costa (aqui)
– “Mozipedia”: uma enciclopédia sobre Morrissey e os Smiths, por Marco Antonio Bart (aqui)

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