Boteco: Da Itália, quatro cervejas da Del Ducato

por Marcelo Costa

Uma das cervejarias italianas mais badaladas da atualidade, a Del Ducato surgiu do encontro entre o ex homebrewer Giovanni Campari, pós-graduado em Ciência e Tecnologia de Alimentos, e Manuel Piccoli, um “veterano de logística e administrador cuidadoso”, segundo o site oficial. O encontro aconteceu num dia frio de 2005, quando Gioavanni e Manuel estavam numa feira de cerveja artesanal em Parma, e decidiram montar uma cervejaria do nada. A burocracia italiana atrasou o lançamento, mas não venceu a determinação da dupla, que começou a produzir cervejas em maio de 2007. Naquele mesmo ano, a dupla (sozinha na fábrica) produziu oito rótulos (três deles analisados abaixo): Viaemilia, A.F.O., New Morning, Sally Brown, Winterlude, Chimera, Verdi Imperial Stout e Krampus. A produção pulou de 300 litros em 2007 para 700 litros em 2008, e cresceu devagar e sempre até alcançar 3.500 litros mês em 2013 (com 11 funcionários na empresa). Esse percurso bastante recente foi recheado de prêmios, que confirmam o status de destaque da Del Ducato no panorama cervejeiro mundial. Abaixo, quatro cervejas deles.

Da linha clássica da Del Ducato, a New Morning (com nome retirado de uma canção de Bob Dylan) é uma Saison encantadora produzida pela primeira vez em 2006, e cuja receita une trigo, aveia, centeio, lúpulo e adição de gengibre, coentro, pimenta verde e camolila. De coloração amarela com toque alaranjado e leve turbidez (devido à segunda refermentação, na garrafa), a Del Ducato New Morning apresenta um creme branco de bela formação e média permanência. No nariz, um aroma delicado e apaixonante reúne notas florais, cítricas e picantes (limão e gengibre), herbais (camolila), trigo, adocicado (mel) e especiarias (nóz moscada e coentro) rememoram fazendas. Na boca, toda refrescancia do estilo com muita suavidade: notas cítricas (aparentemente mais intensas do que no aroma e remetendo a limão, laranja e maracujá), herbal intenso (camolila) e especiarias, com leve toque picante (pimenta verde e coentro). Há, ainda, trigo (remetendo a witbier), palha e feno além de leve caramelo. O final é herbal e refrescante enquanto o retrogosto reforça a sensação com mais herbal, trigo e feno, levando o bebebor para alguma fazenda que ele tenha na memória. Um evento.

Também da linha clássica e primeira receita da Del Ducato, a VIÆMILIA é uma cerveja especialíssima, mas de difícil classificação. O Ratebeer, mostrando incerteza, crava três estilos: Zwickel, Keller e Landbier. O Beer Advocate define como Pilsener Tcheca enquanto o brasileiro Brejas opta por German Pilsner. Eu, pessoalmente, vou de Farmhouse Ale. De coloração amarelo palha com leve turbidez (devido à segunda refermentação na garrafa), a Del Ducato VIÆMILIA exibe um creme branco de ótima formação e media permanência. No nariz, talvez o ponto que mais confunda os bebedores, notas herbais e florais intensas indicam o uso do lúpulo nobre alemão Tettnang Tettnanger, de resultado próximo do Saaz tcheco (talvez resulte daí a confusão entre Brejas e Beer Advocate), remetendo a grama, flores, camomila, feno e trigo. Ainda há uma leve percepção cítrica (maçã verde e limão). No paladar, o dulçor do malte surge e logo é encoberto pelo amargor puxado para o herbal do lúpulo, e o conjunto refrescante remete a camomila, com final entre o maltado, o herbal e o amargo enquanto retrogosto traz trigo (mais forte) e ervas (mais suave). Surpreende.

Para homenagear a cidade em que a cervejaria foi fundada (e que o compositor Giuseppe Verdi nasceu), o pessoal da Del Ducato escolheu um estilo especialíssimo: a Verdi é uma Imperial Stout estilosa, que segue o padrão da casa de segunda refermentação na garrafa e recebe adição de chilli na receita, e o resultado fez dela a primeira cerveja italiana da história a ganhar uma medalha de ouro em um torneio internacional, o European Beer Star 2008. De coloração preta intensa e creme bege de ótima formação e media permanência, a Del Ducato Verdi Imperial Stout traz ao nariz as notas clássicas do estilo (derivadas da torra): café, chocolate amargo e leve baunilha. A pimenta bate ponto e, junto ao álcool (comportado, mas presente), provoca coceira no nariz. Há ainda leve sugestão de frutas vermelhas e amadeirado. No paladar, a Verdi começa tostada (bastante café) e levemente amarga, passa na sequencia por uma leve sugestão frutada e, no final, é tomada por uma picancia que não surge só da pimenta, mas também do álcool (e, provavelmente, do lúpulo), e aumenta a cada gole. O retrogosto é chocolate amargo e chilli. Sensacional.

Fechando este segundo passeio pelas cervejas da Del Ducato com uma representante da linha moderna da casa italiana, a Machete Doubel IPA. Após assistir ao filme “Machete”, o mestre cervejeiro Giovanni Campari ficou tão impressionado que decidiu produzir uma cerveja que homenageasse o personagem do longa. “Apenas um estilo poderia suportar o peso do nome Machete: Double IPA”, explica Giovanni, ensinando, por tabela, vários cervejeiros brasileiros que não sabem produzir cervejas que representem bandas. No caso desta criação da Del Ducato, a coloração é um amarelo palha intenso e turvo. O creme é branco e de excelente formação e média alta permanência. No nariz, as notas derivadas do lúpulo são simplesmente chapantes, com intensa sugestão floral, herbal (ervas) e percepção cítrica remetendo a laranja lima, tangerina e maçã verde. Há ainda sugestão de trigo, feno e abacaxi em calda. No paladar, o amargor cítrico bate ponto, mas não é tão intenso quanto se espera no primeiro toque. Há sugestão de abacaxi em calda, tangerina, trigo e ervas. O final é decididamente amargo, mas não exagero. No retrogosto, abacaxi em calda, trigo e feno. Uma IPA espetacular.

Balanço
Só a descrição do mestre cervejeiro da Del Ducato no site oficial já merecia um prêmio: “Esta cerveja é, particularmente, muita querida para mim. Quando comecei a testar na primavera de 2006, eu sentia que o sonho que eu tinha prendido por muito tempo em meu coração estava se tornando realidade. Toda manhã eu costuma dizer: este é um novo dia. E com as flores surgindo nas árvores, resolvi preparar uma cerveja que homenageasse a estação, o renascimento e os novos começos. Chamei de “New Morning” devido a canção de Bob Dylan que reverencia a vida e as maravilhas da natureza”. Difícil acrescentar algo mais além de que esta Saison da Del Ducato é uma das melhores que já provei competindo pelo posto com a Electric India, da Brewdog. Quem sabe, um dia, eu vá morar em uma fazenda e leva uma caixa dessa cerveja para comemorar o feito. Ok, pode ser meia caixa dela e meia da VIÆMILIA, a primeira receita da Del Ducato, que até hoje quebra as pernas de avaliadores quanto a avaliação, mas compensa no que diz respeito a aroma e paladar: uma cerveja leve, refrescante e provocante, com muita sugestão herbal e floral. Excelente. Falando em excelência, a Verdi Imperial Stout poderia ser uma versão imperial da Coruja Labareda, já que também adiciona pimenta em sua receita, e aquece a garganta que é uma beleza. O pessoal da Del Ducato conseguiu produzir uma Imperial Stout diferenciada, leve, saborosa, alcoólica e excelente. Para fechar o passeio, nada melhor do que uma das melhores India Pale Ale que já bebi na vida: Machete Double IPA. Amargor bastante presente, mas não exagerado e um cardápio de aromas e sabores simplesmente divino. De tirar o chapéu. Já é uma das minhas IPAs prediletas.

Del Ducato New Morning
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Italia
– Graduação alcoólica: 5,8%
– Nota: 4,28/5

Del Ducato VIÆMILIA
– Produto: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: Italia
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,61/5

Del Ducato Verdi Imperial Stout
– Produto: Imperial Stout
– Nacionalidade: Italia
– Graduação alcoólica: 8,2%
– Nota: 4,20/5

Del Ducato Machete Doubel IPA
– Produto: Doubel IPA
– Nacionalidade: Italia
– Graduação alcoólica: 7,8%
– Nota: 4,25/5

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