A nova cena portuguesa: Filho da Mãe

por Pedro Salgado, de Lisboa

Arqueólogo de formação e detentor de uma herança punk ao serviço de bandas como If Lucy Fell e I Had Plans, Rui Carvalho adotou o nome artístico Filho da Mãe para o seu projeto solo ligado à guitarra clássica. De acordo com o músico, a opção foi contextual: “A minha relação com o instrumento é antiga, já tinha algumas canções preparadas e senti que podia fazer qualquer coisa solo. Isso coincidiu com o momento em que as bandas onde eu tocava deram uma pausa, tive essa disponibilidade e avancei”. O primeiro trabalho, “Palácio” (2011), revelou algum classicismo e referências ao mestre da guitarra portuguesa, Carlos Paredes, em temas como a medieval “Não Sei Desenhar Barcos”, e deu maior visibilidade ao projeto Filho da Mãe.

A edição recente de “Cabeça” e o hype que o disco e a sua figura têm gerado foi um dos pontos em foco da nossa conversa, numa esplanada do Jardim da Estrela, em Lisboa. “Normalmente, os elogios fazem-me muito bem, mas passados dois ou três dias já estou procurando outro tipo de referências para trabalhar”, diz. Do novo álbum, retiram-se elementos pictóricos, oníricos, atmosféricos, folk e rock que no seu conjunto habitam um trabalho propício a diversas interpretações. Para Rui Carvalho, o aspeto fundamental é a fruição do público em detrimento de leituras mais imediatas: “Acima de tudo, adoro que a música chegue às pessoas e lhes faça bem”.

No passado dia 15 de Novembro, no Teatro do Bairro, em Lisboa, perante uma audiência interessada, o guitarrista alternou momentos harmoniosos com descargas sônicas violentas, mas principalmente exibiu um virtuosismo sereno de alguém que se alimenta da energia que cria no instrumento e a devolve aos seus fãs elaboradamente. O show de apresentação de “Cabeça” funcionou quase como uma performance única de sessenta minutos, mas é impossível esquecer a interpretação punitiva de “Monge Ás Costas”, na qual a combinação do dedilhar violento encontrou no pedal de efeitos uma boa expansão. “Tinha alguma expectativa, tentando perceber se as pessoas gostaram e entenderam a nova música, mas as reações foram boas”, analisa Rui.

Para além de mais duas datas portuguesas, a tour do disco inclui passagens pela França, Holanda e três apresentações na Espanha, procurando explorar o alcance de uma arte livre e que dignifica a nova cena portuguesa. Sobre o seu posicionamento no atual movimento musical, Carvalho realça a proximidade: “Sou péssimo para citar referências, porque abarco vários estilos musicais. Ainda assim, acabo por mencionar os artistas que estão mais próximos de mim e com quem toco frequentemente, como o Linda Martini, Paus e Riding Pânico e também adoro o Dead Combo”. De Lisboa para o Brasil, o Filho da Mãe conversou com o Scream & Yell sobre a sua carreira. Confira:

Na sua interpretação é frequente a alternância entre o castigo e momentos de suspense. Sente que a energia dos projetos com o If Lucy Fell e I Had Plans não o abandonaram?
Não me abandonaram de todo. O modo como toco guitarra clássica está muito ligado ao meu background de rock e hardcore. Senti que era engraçado desenvolver a ideia, porque são gêneros que não se misturam assim tão bem. Para além disso, há um componente instintivo. Eu sempre estive mais próximo do rock por tocá-lo ao vivo, embora escute diferentes estilos musicais. Por isso, o elemento natural e explosivo incorpora o meu trabalho, mais do que os aspectos clássicos dos quais não possuo formação.

Que objetivos você tinha em mente quando gravou “Cabeça”?
O objetivo mais importante era gravar o disco. Entre o “Palácio” e o “Cabeça” houve um intervalo grande e eu senti que era o momento de lançar um novo álbum. Também pretendia que fosse um trabalho diferente e que ficasse concluído em 2013. Queria que a música me surpreendesse, porque algumas coisas foram compostas na hora e outras ainda não estavam fechadas e havia takes inteiros de improviso.

No novo trabalho você afastou-se do classicismo de “Palácio”. Quer comentar?
Entendo que se possa falar em classicismo na música, mas não era intencional e pode estar relacionado com referências. Penso melhor em termos de intensidade e aí “Palácio” talvez fosse um disco diferente, considerando a velocidade (a energia que a música transmite) e a eletricidade. Eu queria que fosse um trabalho contemplativo, a puxar para baixo, e acabou por ser um pouco mais negro. Eu não percebo muito de estilos e não se pode dizer que me afastei de algo, apenas pretendia que “Cabeça” soasse distinto.

Na apresentação do álbum, no Teatro do Bairro, em Lisboa, o público reagiu entusiasticamente aos momentos em que você abraçou o rock. Qual é a sua leitura do fato?
Acredito que (o público) também abraçou outros instantes. No entanto, o rock é sempre mais explosivo e consegue extrair algo das pessoas do ponto de vista corporal. O rock está plenamente misturado com o meu trabalho na guitarra clássica, por isso ele estará sempre presente. As pessoas assumem isso, mas também gostam do contrário, só que as reações são diferentes.

Dos novos temas, “Mali Provisório” é aveludado e “Um Bipolar” aparece sob a forma de uma caminhada acidentada. No que você se inspira para compor?
Procuro algo que já sinto em mim. Não é muito diferente de fazer riscos numa folha de papel e depois verificar que resultaram num desenho engraçado. Na maior parte das vezes, pego num trecho de uma música e trabalho para desenvolvê-la. A minha inspiração não adota um método específico, mas as imagens, o vídeo e o espaço onde estou a atuar estimulam-me. Se eu me deslocar de minha casa para o Gerês ou Montemor-O-Novo (como fiz para gravar o “Cabeça”), isso proporciona resultados diferentes.

Para além de Portugal, apresentará o disco em França, Holanda e Espanha. Quais são as suas expectativas para os shows internacionais?
Ainda não sei. Já toquei uma vez em Barcelona numa galeria e enquanto Filho da Mãe não tenho essa percepção. Foi precisamente por isso que agendei os shows, tentando perceber qual será a reação do público internacional. As expectativas são muitas e espero que corra bem, tudo depende de como funcionarão a parte do rock e a componente mais portuguesa e se elas serão bem recebidas. Vamos ver!

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui

– Foto de Leonor Fonseca

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