37ª Mostra de SP: um Filme por dia

por Marcelo Costa

Stanley Kubrick é o grande homenageado da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com uma retrospectiva com 15 filmes do diretor apresentados no formato de alta qualidade DCP (Digital Cinema Package) e uma mostra de 500 objetos no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, em cartaz até 12 de janeiro de 2014. A 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é dividida entre 28 salas que exibirão mais de 370 filmes, grande parte ainda inédito na cidade.

18/10/2013
Titulo Original: Eyes Wide Shut (1999)
Titulo Nacional: De Olhos Bem Fechados

****

Último filme de Stanley Kubrick, “De Olhos Bem Fechados” demorou três anos para chegar às telas, sendo lançado apenas alguns meses após a morte do diretor. Tendo o então casal Nicole Kidman e Tom Cruise como os personagens centrais, Alice e William Harford, “De Olhos Bem Fechados” é um grandioso exercício sobre ciúmes, desejos sexuais e sonhos. Na época, causou bastante burburinho devido às cenas de nudez e o alto teor de sexo, e, quatorze anos depois, continua sendo um grande epitáfio para a carreira de Kubrick. Se naquela época soava denso, intenso e angustiante, com um piano minimalista fustigando o estômago do freguês, agora permite ao espectador perceber momentos deliciosos e absurdos de comédia tanto quanto afundar no abismo de algumas cenas, como a do pai que “aluga” a filha para desejos sexuais de clientes, o quase sexo com uma pessoa soropositiva ou a declaração de amor de uma mulher a um homem frente ao corpo de seu pai, morto, na cama, passagens que amplificam um filme provocativo e genial.

19/10/2013
Titulo Original: La fille du 14 Juillet (2013)
Titulo Nacional: A Garota do 14 de Julho

Puro nonsense. A comédia francesa “A Garota do 14 de Julho” começa citando “Acossado” (1960), de Jean-Luc Godard, com a atriz Vimala Pons refazendo a cena de Jean Seberg vendendo jornais em Paris. Logo nos primeiros minutos é possível perceber que o diretor Antonin Peretjatko, que também assina o roteiro, deseja apenas criar pequenos núcleos absurdos abastecendo de tolice 88 minutos de película. O ponto de partida é a história do jovem Hector (Grégoire Tachnakian), que trabalha no Museu do Louvre e se apaixona por uma garota, Truquette (Vimala Pons), e a convida para passar férias na praia com um casal de amigos, o falso médico Pator (Vincent Macaigne) e a loura Charlotte (Marie-Lorna Vaconsin). O plano parece encaminhar-se bem até que entra em cena Bertier, irmão de Pator, que está interessado em Truquette. Há certo frescor em algumas passagens, hilárias e absurdas, mas conforme a fita avança, o espectador cansa, muito pela falta de foco de Peretjatko, que na ânsia de satirizar estilos torna seu filme enfadonho.

20/10/2013
Titulo Original: Uroki Garmonii (2013)
Titulo Nacional: Lições de Harmonia

****½

Logo nos primeiros segundos de projeção, Aslan, um garoto de 13 anos que vive num vilarejo com alta taxa de criminalidade no Cazaquistão, está correndo atrás de uma ovelha no quintal coberto de neve de sua casa. A cena sugere brincadeira, e até arranca risos da plateia quando a ovelha tenta escalar uma parede, mas é capturada por Aslan, que a amarra e, sob o olhar atento de sua avó, corta seu pescoço e a destrincha. Parece violento? Não é. O jovem diretor Emir Baigazin filma a cena com olhar delicado concedendo ao momento um tom de normalidade que se seguirá pelos 110 minutos do filme, e que explorará com grande acerto o universo da violência, que começa no quarto de Aslan, um minilaboratório adolescente onde o garoto inventa armadilhas e objetos de tortura para lagartos e baratas, se expande para a escola, onde uma gangue extorque, espanca e humilha alunos (entre eles, Aslan) e alcança uma delegacia, onde conhecidos métodos de tortura são praticados buscando conseguir uma confissão. É apenas o filme de estreia de Emir Baigazin e o diretor cazaquistanês surpreende com uma obra segura, de fotografia belíssima e resultado grandioso, que justifica o Urso de Prata de melhor contribuição artística no Festival de Berlim.

21/10/2013
Titulo Original: Inside Llewyn Davis (2013)
Titulo Nacional: Balada de um Homem Comum

****

Greenwich Village, 1960, cena folk: três tags que levam a um nome, Bob Dylan, um homem que sobreviveu a si mesmo, virou mito e continua por ai, cantando e dançando. Porém, deixe-o de lado e concentre-se nos perdedores. É mais ou menos esse o exercício que Joel e Ethan Coen propõe em “Inside Llewyn Davis”, filme que flagra um cantor folk tentando sobreviver no inverno de Nova York e, paralelamente, aos seus próprios fantasmas. Llewyn Davis, assim como Dylan e dezenas (quiçá centenas) de outros folk singers, segue a trajetória do compositor talentoso na Nova York dos anos 60, sem nenhuma grana, sem um teto para dormir, vivendo de favores dos amigos e pequenas sessões em cafés no bairro boêmio. É uma vida dura em um inverno rigoroso, e os Coen – auxiliado pela trilha delicada de T-Bone Burnett e Marcus Mumford, do Mumford and Sons – capricham no retrato melancólico, por vezes irônico, de um homem tateando o presente sem saber nada sobre o futuro em um filme que soa como uma ode a todos que tentaram alcançar o céu, mas não conseguiram tirar os pés do chão.

Ps. Vale mencionar a grande atuação de Oscar Isaac e as participações luminosas de Carey Mulligan, John Goodman, Justin Timberlake e Adam Douglas Driver (da série Girls, impagável).

22/10/2013
Titulo Original: Miss Violence (2012)

*****

Assim que a porta de um quarto se abre, a câmera focaliza duas irmãs indo ao encontro da família em festa em uma cidade grega: é o aniversário de 11 anos de uma delas, Angeliki, e enquanto a mãe prepara o bolo e a outra irmã coloca uma canção de Leonard Cohen para que ela dance com o avô, desempregado, Angeliki sobe no parapeito da janela, sorri para a câmera e se joga. Do alto da janela, a câmera nos mostra, no chão, a menina de vestido branco e uma enorme poça de sangue. O diretor Alexander Avranas, que ganhou o Leão de Prata em Veneza pelo filme, é extremamente cuidadoso na maneira como conta a sua história, preferindo deixar pedaços de pão pelo caminho, para que o espectador não se perca e, ao mesmo tempo, vá se acostumando com a tensão silenciosa do drama que se seguirá num crescendo lento, abafado e torturante. Conforme a fita avança, o espectador é introduzido no lado podre da sociedade enquanto monta um quebra-cabeça que envolve incesto, prostituição infantil e violência familiar. É difícil conter a dor de estômago após o final.

23/10/2013
Titulo Original: La Jaula de Oro (2013)

****

O filme começa com Sara (Karen Martínez) cortando todo seu cabelo e apertando os seios com uma faixa para não dar nenhuma pista de que é uma menina. Ela se junta ao namorado Juan (Brandon López) e ao amigo Samuel (Carlos Chajon), que está, com outras pessoas, resgatando coisas de um lixão, e o trio parte da favela que vive em sua terra natal (Guatemala) atrás do sonho da terra prometida (os EUA, a jaula de ouro). No caminho conhecem Chauk (Rodolfo Domínguez), um jovem índio que nada fala de espanhol e se junta ao grupo de imigrantes ilegais: o plano é sair da Guatemala, atravessar o México e chegar até Los Angeles. O trajeto será recheado de percalços, afinal se de um lado encontra-se a polícia da fronteira, do outro estão os traficantes de seres-humanos, e outros especialistas em se aproveitar da desgraça alheia. Com auxilio de um excelente elenco adolescente (que ganhou um prêmio especial no Festival de Cannes), o diretor mexicano Diego Quemada-Díez consegue se destacar em um tema recorrente por dividir (didaticamente) os destinos de seus personagens, todos crudelíssimos, e soar o mais realista possível.

Ps. “A Jaula de Ouro” é inspirado na canção homônima de Enrique Franco, sucesso com Los Tigres del Norte, que questiona a fixação do mexicano (e de outros pobres latinos) nos Estados Unidos, um país que aceita a mão de obra barata ilegal, mas não concede documentos para que estes trabalhadores, criando assim uma geração de servos sem rosto, que não conseguem ascender socialmente. A letra diz: “De que me serve o dinheiro se sou prisioneiro nesta grande nação / e choro quando me lembro que, embora a jaula seja de ouro, também é uma prisão”.

23/10/2013
Titulo Original: Matterhorn (2013)
Titulo Nacional: A Montanha Matterhorn

**½

Matterhorn é uma das montanhas mais conhecidas dos Alpes, separando a Suíça da Itália, um local idílico onde Fred (Ton Kas, excelente) pediu sua mulher em casamento, mas esqueça a montanha e esqueça a mulher de Fred, pois eles são secundários na trama de um filme que focaliza um homem solitário e extremamente metódico que vê sua vida mudar com a aparição de Theo (o também elogiável René van ‘t Hof), um homem de pensamentos desordenados e com um lado inocente, por vezes infantil, que, por fim, comove Fred e o instiga a sair de sua zona de conforto. Leve e despretensioso, “A Montanha Matterhorn” resvala em diversos temas tabus (homossexualismo, religião, servidão, casamento, doença), mas não aprofunda nenhum deles, pois o diretor Dieddrick Ebbinge parece mais interessado em capturar o fragmento de tempo que faz uma pessoa mudar de comportamento devido a uma pitada mágica do destino – através de um roteiro metódico e formal. Funciona, mas Dieddrick Ebbinge parece produzir pouco diante de tantos temas interessantes em que esbarra na trama. Vale como passatempo.

24/10/2013
Titulo Original: Ilo Ilo (2013)

***

Filme de estreia do diretor singapurense Anthony Chen, “Ilo Ilo” (pré-selecionado para representar o país na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar) retrata uma família de classe média de Singapura no momento em que eles contratam uma emprega filipina para trabalhar (ilegalmente) em sua casa. A família Lim é composta pela mãe Hwee (Yann Yann Yeo), que trabalha no RH de uma empresa em meio a uma crise financeira e está grávida, o pai Teck (Tian Wen Chen), um homem esforçado que após anos trabalhando como vendedor encontra-se desempregado, e o pequeno Jiale (Koh Jia Ler), um garoto hiperativo que não vê com bons olhos a chegada de Teresa (Angeli Bayani), a empregada filipina que abandonou seu país (e seu filho pequeno) atrás de melhores condições de vida. Este núcleo ágil de atores surpreende em outro filme que focaliza a mudança de um personagem devido a um ato alheio a si (no caso o pequeno Jiale após a chegada de Teresa). Anthony Chen vai um pouco além questionando sutilmente pequenos vícios sociais em um filme que, facilmente, poderia ter sido feito no Brasil (talvez não com a mesma qualidade, mas sobre o mesmo tema). Vale ir atrás.

24/10/2013
Titulo Original: Las Horas Muertas (2013)

**½

Sebastian (Kristyan Ferrer), 17 anos, é incumbido por seu tio de tomar conta de um motel enquanto ele passa por exames de saúde. O Motel Palma Real está localizado no litoral desolado de Veracruz, no México, e Sebastian cria uma rotina pessoal para tocar o negócio na ausência do parente. Entra em cena então uma fixação sexual adolescente, em que um jovem trabalhando em um motel de beira de praia poderá encontrar uma mulher sedutora, que o levará para cama e realizará os seus desejos. O diretor Aarón Fernández (também responsável pelo roteiro) cumpre a risca o estereotipo estilístico colocando em cena a morenaça Miranda (Adriana Paz), que costuma frequentar o motel com seu amante, casado, e num dia em que seu par lhe dá um cano, aproxima-se de Sebastian. É tudo bastante simples e esquemático em “Las Horas Muertas”, um filme fetiche que sugestiona um jogo de voyeur, que fica no tom superficial, enquanto trata seus personagens com delicada naturalidade em um filme com jeitão de férias de verão que, embora não seja verão, embora não sejam férias, e embora Veracruz esteja longe de ser o paraíso, funciona exatamente por seu realismo.

25/10/2013
Titulo Original: Grand Central (2013)

B

Nos primeiros minutos do segundo filme da diretora francesa Rebecca Zlotowski conhecemos Gary Manda (Tahar Rahim). Ele está em um trem, escondendo-se do cobrador porque não pagou a passagem. Um batedor de carteira, Tcherno (Johan Libéreau), o assalta, e Gary vai atrás recupera-la e consegue, além da carteira, um amigo (embora o roteiro acelerado não consiga convencer o espectador disso). Com qualificações quase nulas, nenhum conhecimento de língua estrangeira e pouco estudo, Gary e Tcherno estão indo trabalhar em uma usina nuclear, a personagem secundária de “Grand Central”, um filme que fica no meio do caminho entre um romance da classe trabalhadora (destacando a presença luminosa de Léa Seydoux) e um thriller que denuncia os perigos da falta de qualificação para se trabalhar com materiais extremamente delicados. A sensação é de que Rebecca Zlotowski quis fazer dois filmes dentro de um, e o resultado final diminui a força de uma história que traz boas ideias, mas que não se concretizam na tela.

26/10/2013
Titulo Original: Yi Daí Zong Shi (2013)
Titulo Nacional: O Grande Mestre

***1/2

Eis a história verídica de Ip Man, o mestre de artes marciais que ficou conhecido no Ocidente por ter sido o mentor de Bruce Lee. Sob a ótica classuda de Won Kar Wai, que assina o roteiro junto a Zou Jingzhi e Xu Haofen, e tem o auxilio da fotografia esplendorosa de Philippe Le Sourd, a história começa nos anos 30 no sul da China, e Kar Wai opta por não focar a trama em apenas Ip Man (interpretado por Tony Leung), mas sim nas três escolas de kung fu que fizeram história na China e, principalmente, em Hong Kong daquele período até o meio dos anos 60, quando lp Man recebe Bruce em sua escola. As idas e voltas do roteiro (mapeando guerras e momentos importantes dos personagens e da região) acabam confundindo um pouco o espectador, mas as peças do quebra-cabeça vão se juntando na sequencia em um filme fotograficamente tão bonito que, em algumas cenas na neve e na chuva (sempre chove nos filmes de Kar Wai), deixa o espectador sem ar. Provavelmente, o filme mais classudo de 2013.

27/10/2013
Titulo Original: Pardé (2013)
Titulo Nacional: Cortinas Fechadas

****

O filme começa com uma câmera estática observando um táxi parar ao longe. Dele sai um homem, que traz consigo uma mochila, e é acompanhado pelo taxista, que carrega uma mala. A cena se desenrola lentamente, e é dessa maneira que o cineasta iraniano Jafar Panahi nos apresenta o primeiro personagem de seu novo filme, o roteirista e codiretor Kambozia Partovi, acompanhando de um cachorro (escondido na mochila). Proibido de filmar por 20 anos pelo governo iraniano, Panahi abre “Cortinas Fechadas” com uma dupla provocação: primeiro por estar desrespeitando a lei e continuar filmando e, segundo, por colocar em cena um cão, animal considerado impuro no país e banido pelo Islã por lei. O filme segue e enquanto Partovi rascunha o roteiro e o cão brinca com uma bola de tênis, outros personagens invadem a casa, como se tivessem saído do papel para o mundo real (o roteirista se lembra de ter trancado todas as portas, e não sabe como as pessoas entraram). Mundo real e cinema se confundem (e confundem o espectador – muito) em “Cortinas Fechadas”, um filme sobre um diretor (o próprio Panahi entrará em cena) assombrado pelos fantasmas de seus personagens, do próprio cinema e, principalmente, pela justiça de seu país que o impede de trabalhar.

28/10/2013
Titulo Original: Night Train To Lisbon (2013)
Titulo Nacional: Trem Noturno Para Lisboa

**

A história começa em Berna, na Suíça, numa manhã chuvosa em que um professor, Raimund Gregorius (Jeremy Irons), impede que uma garota (Sarah Bühlmann) se jogue de uma ponte. Ela o acompanha até seu local de trabalho, e o abandona deixando para trás uma capa de chuva que, em um dos bolsos, traz um livro, e um ticket de trem para Lisboa. Completamente envolvido pela história autobiográfica do livro (de um médico que viveu o conturbado período da ditadura Salazarista), o professor parte para Lisboa a fim de conhecer as pessoas por trás de história, e se envolve com as memórias de revolucionários portugueses. Inspirado na obra homônima de Pascal Mercier, “Night Train To Lisbon” destaca uma fotografia belíssima de Lisboa enquanto o roteiro tenta costurar (não muito a contento) um triangulo amoroso, o vazio da alma de alguns homens, críticas à Igreja e ao Estado além da história revolucionária portuguesa. Há bons momentos e boas ideias, mas o que se sobressai é o erro de escolher um elenco estelar (a francesa Mélanie Laurent – em versão morena, a alemã Martina Gedeck e a britânica Charlotte Rampling interpretam mulheres portuguesas) e, por isso, trocar a língua portuguesa por um inglês com sotaque, o que, além de soar estranho, também soa inverossímil.

28/10/2013
Titulo Original: Habi, la Extranjera (2013)
Titulo Nacional: Habi, a Estrangeira

*1/2

O ponto de partida desta colaboração Brasil / Argentina é bem interessante: devido a um endereço errado, Anália, uma garota argentina de 20 anos (a boa surpresa Martina Juncadella), visita um templo muçulmano, e deslumbra-se com o local. Anália então se transforma em Habiba, ou Habi, e passa a frequentar o templo, usar roupas muçulmanas e viver o cotidiano da religião. Se o ponto de partida – crise de identidade e fuga da realidade – é interessante, a solução cinematográfica encontrada pela diretora e roteirista María Florencia Álvarez soa excessivamente formalista, rasa e óbvia. Anália/Habi deseja viver uma nova vida, ser uma nova pessoa, mas tropeça na nova identidade falsa, no choque cultural e na confusão da passagem da adolescência para a vida adulta, período em que muitas pessoas se sentem deslocadas do mundo, como se fossem estrangeiros em sua própria órbita. É um pequeno fragmento de tempo na vida do personagem, que o roteiro não explora. O personagem é vago, as opções de dramatização são óbvias (um romance impossível, a dificuldade de lidar com o drama da vizinha de pensão que apanha do namorado) e o resultado é um filme de ótima premissa, e fica nisso.

29/10/2013
Titulo Original: Enough Said (2013)
Titulo Nacional: À Procura do Amor

***1/2

Comédia romântica é um gênero cuja receita é simples, mas geralmente resulta em equivoco. Uma pitada a mais de açúcar, e o filme pode causar diabete. Duas pitadas a menos, pode se transformar num dramalhão com final feliz. Nos últimos anos, raros foram os casos em que o gênero foi valorizado em seus mínimos detalhes, e a diretora e roteirista Nicole Holofcener entra neste seleto grupo com “Enough Said”, que no Brasil ganhou o título bestinha de “À Procura do Amor” – releve. Na trama escrita por Nicole, uma massagista divorciada se apaixona pelo ex-marido de uma de suas clientes. A trama acontece em paralelo, e, como toda boa comédia romântica, você sabe tintin por tintin o que vai acontecer em cena nos 93 minutos do filme logo após o décimo-terceiro minuto de projeção. Isso não desmerece “Enough Said” porque 1) Nicole soa o mais casual possível na narrativa e nos diálogos 2) e tem o auxílio de uma dupla excelente de atores, o falecido James Gandolfini (em uma de suas últimas atuações) e Julia Louis-Dreyfus, que soam tão à vontade em seus papeis que não parecem interpretar um roteiro, tamanha a química. O resultado é um pequeno grande filme, que merece atenção.

30/10/2013
Titulo Original: Dark Blood (2012)

**1/2

Assim que a projeção começa, ouve-se a voz do diretor, George Sluizer, explicando que “Dark Blood” foi filmado em 1993, e o filme não foi terminado devido à morte de River Phoenix – aos 23 anos, por insuficiência cardíaca induzida por drogas. Sluizer passou quase 20 anos pensando em uma maneira de terminar o filme, e optou por narrar os trechos que River Phoenix não teve tempo de gravar. A atuação de Phoenix não surpreende (pelo contrário), mas Judy Davis está excelente como Buffy e Jonathan Pryce mantém o nível como Harry. Eles formam um casal de atores cujo carro quebra no meio do deserto do Novo México, e a casa mais próxima é de um rapaz solitário (e meio maluco), interpretado por Phoenix, que se interessa pela atriz. Relevando os “remendos” falados, “Dark Blood” parte de uma premissa óbvia de suspense, que é valorizada por um excelente desfecho, e que provoca: quem causa problemas somos nós mesmos, às vezes com uma pequena ajuda de algumas outras pessoas, mas a culpa quase sempre é nossa. Uma boa ideia em um filme que provavelmente não teria chamado tanto a atenção na época se houvesse chegado aos cinemas completo.

31/10/2013
Titulo Original: Che Strano Chiamarsi Federico!  Scola Racconta Fellini (2012)
Titulo Nacional: Que Estranho Chamar-se Federico! Scola conta Fellin

****1/2

Para fechar a Mostra Internacional de São Paulo 2013 com chave de ouro, a absolutamente emocionante homenagem de Ettore Scola para Federico Fellini, nos 20 anos da morte do cineasta de “A Doce Vida” e “Oito e Meio” (entre dezenas de outros clássicos). Scola relembra seus 50 anos de amizade com Fellini numa crônica cinematográfica que mistura ficção e documentário, e o resultado é uma obra que emociona desde a sua aberta, em espanhol, com a voz de Federico Garcia Lorca declamando a frase que dá título ao filme. Scola então corta para os anos 30, quando Fellini chega a redação da revista satírica Marc’Aurelio (a mesma que Scola começaria a trabalhar oito anos depois), e dezenas de cartuns e memorias emocionais povoam a tela. Entre os vários belíssimos momentos de “Que Estranho Chamar-se Federico!” estão a recriação dos passeios noturnos de Fellini por Roma (passagens sensacionais com a prostituta Monalisa e um artista de rua) e um trecho magnifico que diz que os cinco Oscars alcançado por Fellini foram um prêmio não só para o diretor, mas para todas as pessoas de bem na Itália, que se emocionavam com o trabalho do homem. No final, focando o cortejo de três dias que se seguiu a sua morte, com seu corpo sendo velado no famoso estúdio 5 da Cinecittà, o próprio Fellini dá o mote para Scola: “Meu produtor, sempre que via a fita terminada, me dizia: ‘Mas vai acabar assim? Sem um traço de esperança? Por favor, me de uma pontinha de esperança’”. E Scola o faz de forma magnifica em um filme atemporal, emocional e obrigatório.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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