Cinema: “No”, de Pablo Larraín

por Marcelo Costa

O chileno Pablo Larraín estreou como diretor em 2006 filmando “Fuga” (exibido na Mostra de São Paulo no mesmo ano), uma película com toques sobrenaturais sobre uma peça musical para piano que pode matar pessoas quando tocada. Na sequencia vieram dois filmes tendo a ditadura de Pinochet como pano de fundo: “Tony Manero” (2008), que causou burburinho devido a cenas fortes de sexo, e “Post Morten” (2010), que flagra uma paixão platônica de um datilógrafo do necrotério militar (que acompanha a autópsia de Salvador Allende) pela vizinha, dançarina de cabaré.

No” (2012), que acaba de estrear no Brasil (após frequentar festivais em 2012), fecha uma trilogia de Pablo Larraín sobre a vida dos chilenos no período da sangrenta ditadura militar coordenada por Pinochet (a cena final, inclusive, liga “No” a “Post Morten”). Desta vez, Larraín traz a ditadura para o primeiro plano, e toda a história se desenvolve dentro de um jogo político. Pressionado pela opinião internacional, Pinochet se vê obrigado a realizar um plebiscito que decidirá se ele continua ou não no poder. Realizado em 05 de outubro de 1988, o referendo mudou a história chilena.

Em “No”, no entanto, o referendo é uma alegoria para que Pablo Larraín exiba um Chile assustado e sem confiança perante a oportunidade de se livrar da ditadura. Mais: mostra um Chile raivoso, sedento por vingança e pouco disposto a conversa. A esquerda chilena tem um mês para exibir na Rede Nacional de Televisão (controlada pelo governo) um programa de 15 minutos defendendo a opção No, que significa a não continuidade da ditadura de Pinochet. O governo também tem 15 minutos (“E todas as outras horas do dia”, diz alguém), para mostrar por que merece permanecer.

É neste momento que entra em cena René Saavedra (Gael Garcia Bernal), um jovem publicitário que é convidado por um integrante da campanha socialista No para “orientar” a campanha. René, por sua vez, trabalha em uma agência de publicidade cujo dono, Luis “Lucho” Guzmán (Alfredo Castro, que também trabalhou com Larraín em “Tony Manero” e “Post Morten”), trabalha para os militares – inicialmente fora da campanha, comandada por um argentino, mas depois assumindo o papel de diretor.

As peças estão quase todas dispostas sobre a mesa, e o leitor já pode imaginar o desenrolar da trama. René é pressionando por Luis enquanto sofre represálias da ditadura e precisa conquistar os socialistas, que não entendem a sua opção marqueteira em não mostrar os torturados, mas sim um Chile alegre, esperançoso e interessado em mudar. As falas de René em certo momento da película se limitam a “vende” ou “não vende” sobre as peças publicitárias que a equipe desenvolve, e o filme mantém o drama até o aguardado clímax.

Para dar ao filme um caráter de época, Larrián optou por simular gravações feitas em câmeras de baixa resolução. O resultado incomoda (principalmente quando a fotografia recorre ao uso da contraluz, e isso acontece várias vezes no filme), mas funciona, principalmente quando imagens de época são inseridas numa sequencia (e percebe-se pouca diferença). Já o expediente de cortar o diálogo em takes (a frase começa na sala, segue na rua e termina num bar) soa bastante forçado, embora não tire o brilho de um grande filme.

Inspirado no roteiro da peça teatral “El Plebiscito”, de Antonio Skármeta, que por sua vez era baseada em fatos reais, “No” é uma aula de estratégia política e também mais uma obra sobre o período sangrento em que as ditaduras assombravam a América do Sul. Não é, como pode pensar alguns, um filme sobre o lado bonito da publicidade. Muito pelo contrário. Augusto Pinochet foi “vítima” de um produto derivado do capitalismo selvagem que instituiu em seu próprio país, e que privilegiou apenas os mais ricos.

Durante entrevista em Cannes, onde o filme ganhou o prêmio principal na Quinzena dos Realizadores, Pablo Larraín desabafou: “Não estamos falando apenas da ditadura e de como ela acabou, mas também do que aconteceu depois, do que vem acontecendo nos últimos 24 anos. O meu país é tipo um shopping center: se você quer qualquer coisa, tem que pagar. Você quer uma boa educação, tem que pagar caro. Se você quer saúde, tem que pagar. Tudo está à venda. Tudo é baseado em dinheiro”. A Ditadura caiu, mas o capitalismo continua. É preciso continuar dizendo não.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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