Malu de Bicicleta, de Flávio Tambellini

por Bruno Capelas

Observar a produção cinematográfica brasileira nos últimos anos tem sido um exercício bastante interessante. Não só porque ela contém alguns casos de sucesso consolidados (dos quais “Tropa de Elite” e a onda de filmes de mote espiritual são os melhores exemplos), mas também porque se vê o florescimento de gêneros costumeiramente deixados de lado. É o caso, por exemplo, das comédias adolescentes de Jorge Furtado e Laís Bodanzky e dos documentários – em especial os musicais, como “Simonal” e “Uma Noite em 67”. “Malu de Bicicleta”, do diretor Flávio Tambellini, vem se juntar a esse grupo dos “quase ignorados até ontem” como um bom representante das “comédias adultas”, para longe dos padrões de filme-novela feitos pela Globo Filmes.

Dirigido por Flávio R. Tambellini (“Bufo & Spallanzani”, 2001) e baseado no livro homônimo do escritor Marcelo Rubens Paiva com roteiro do próprio, “Malu de Bicicleta” pode soar como um amontoado de clichês ao contar a história do romance entre Luiz Mário (Marcelo Serrado), um estereótipo do “macho alfa” paulistano, rico e bem-sucedido, seja sexualmente e profissionalmente, e Malu, uma carioca irresistível que trabalha em um hotel (Fernanda de Freitas), do início até o pretenso final. Os dois se conhecem após Luiz ser atropelado pela garota com sua bicicleta. É no decorrer desse relacionamento que aparecem temas clássicos e consagrados: a necessidade da concessão e da abdicação de certas coisas da vida pregressa, os amigos e amigas que parecem um tanto quanto suspeitos, o que fazer quando se pensa estar sendo traído…

Isso sem falar em outros elementos da trama diretamente alheios ao romance: uma coleção de mulheres bonitas, as diversas rodas de cerveja entre amigos (nas quais predomina a camaradagem masculina) e diversas frases de efeito. Entretanto, se certos clichês existem (persistem) é porque, quando bem utilizados e em medida razoável, acabam por levar a resultados interessantes. É o que acontece aqui, uma vez que o filme retrata com certa exatidão o que faz e o que pensa um homem durante um relacionamento. Sem dourar a pílula ou forçar a barra, “Malu de Bicicleta” acaba conseguindo ser atraente para platéias de ambos os gêneros. E é essa exatidão que o torna um exemplo vivaz, primo de filmes “sentimentais de homem”, como “Alta Fidelidade”, “Conta Comigo” e “Quase Famosos”.

Alguns podem dizer que ceder a esse gênero seria simplesmente copiar um formato americano consagrado, e não criar nada de novo. Ledo engano: a força de “Malu de Bicicleta” é justamente trazer ao cotidiano brasileiro uma história desse estilo, ainda que pouquíssimos sejam aqueles que têm o nível de renda dos personagens. E trazer algo à realidade tupiniquim é aproximá-lo de nós: uma história de amor pode ser contada em qualquer lugar do mundo, mas as referências próximas permitem uma maior identificação – por mais conhecidas que elas sejam, como utilizar a famosa brincadeira entre os “dialetos” carioca (“E aí merrmão, um coco?”) e paulista (“Aê mano, um coco, firmeza?”).

Além disso, é na aproximação de referências que pode surgir algo novo e interessante. O gênero de filmes de “favela”, por exemplo, pode ser considerado a princípio como um decalque dos filmes de máfia hollywoodianos, mas é possível nele enxergar a incorporação de elementos novos (o uso das câmeras de mão e da edição próxima à da publicidade para criação de um estilo narrativo em “Cidade de Deus” é um ponto alto desse ideal). Pensando nesse sentido, a tentativa de se estabelecer esse segmento de história (“comédia romântica refinada”, “filme sentimental pra homens (e mulheres)” ou qualquer outro rótulo que se queira dar) é muito válida, talvez tanto quanto o resultado final.

É claro que “Malu de Bicicleta” está longe de ser um filme perfeito. A escolha da trilha sonora, por exemplo, poderia ter sido mais cuidadosa. Alguns planos de câmera também poderiam ser evitados – como vistas aéreas da Cidade Maravilhosa servindo de fundo para conversas entre o casal. Porém, “Malu de Bicicleta” é um filme que convence, e muito. Faz quem assiste querer mais histórias parecidas com essa. Uma alternativa válida seria correr atrás dos outros livros de Rubens Paiva, como os clássicos instantâneos “Feliz Ano Velho” e “Blecaute”. Mas fuja correndo do filme homônimo do primeiro. O que importa é que a primeira pedalada já está dada. Resta esperar o que pode vir por aí.

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– Bruno Capelas escreve para o blog coletivo Pop To The People e para o blog Cinéfilos

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Leia também:
– “Quase Famosos”, de Cameron Crowe, por Marcelo Costa (aqui)
– Cinco livros de Marcelo Rubens Paiva, por Marcelo Costa (aqui)
– “Saneamento Básico”, de Jorge Furtado, por Marco Antonio Bart (aqui)
– “As Melhores Coisas do Mundo”, de Laís Bodanzky, por Bruno Capelas (aqui)

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