Entrevista: M.I.A.

Entrevista por Ana Garcia e Filipe Luna

Nascida na Inglaterra e criada no Sri Lanka, Maya Arulpragasam, conhecida como M.I.A. (sigla do termo “militar missing in action”) ou “embaixadora internacional do funk carioca”, conquista o mundo com”Arular” (2005), seu álbum de estréia que chega ao Brasil em junho pela Sum Records.

Criando uma fusão de dancehall, ragga, hip hop, electro, funk carioca com temas sobre prostituição, pobreza e consumismo, M.I.A. está usando todas as oportunidades para estimular ações políticas e sociais. A energia exibida por faixas como “Galang” e “Bucky Done Gun” têm tanta força e raiva que é impossível ignorar a sua crueza verbal, que constantemente entra na linguagem de combate. M.I.A. foi uma refugiada da guerra de Sri Lanka, seu pai era um militante da guerrilha dos tâmiles (Tamil Tigers), que lutava pela independência para a minoria tâmila. Arular, aliás, é o codinome usado por seu pai.

Seu primeiro contato com arte foi com a visual – a sua paixão por desenhos e pinturas fez com que ela ganhasse uma bolsa de estudos no conceituado St. Martin’s School of Art, em Londres. Foi nesse mundo que M.I.A. tornou-se amiga de Justine Frishmann, na época da banda Elastica, e fez a capa do seu segundo disco, ‘The Menace”, em 2000.

Através de Frishmann, M.I.A. conheceu a cantora Peaches, que deu a ela um Roland 505 Groovebox barato. Foi nesse 505 que suas primeiras gravações foram feitas, inclusive a mais famosa, “Galang”, que teve apenas 500 cópias lançadas.

M.I.A. e Diplo, seu namorado que a apresentou o funk carioca, dividem o palco no Tim Festival, entre 21 e 23 de outubro, no MAM do Rio. Acompanhe a seguir a entrevista feita por e-mail com Maya Arulpragasam, publicada originalmente no site parceiro Speculum, e cedida ao Scream & Yell. Com vocês, M.I.A.

Como foi morar a maior parte da sua vida como uma imigrante na Inglaterra? Piorou depois de 11 de setembro?
Depois de 11 de setembro não piorou para mim, mas para os muçulmanos. Eu acho que a mídia ajudou muito a criar essa situação. Não têm como as pessoas não serem afetadas por isso. As pessoas foram injetadas com medo dos “outros” para que os 5 bilhões de ataques diários contra o outro pudessem ser justificados. Com relação a minha experiência, sempre rolou algo como “quem é você?” ou “como assim, você quer o que eu tenho?” quando, hoje em dia, todo mundo deveria ter a mesma oportunidade na vida. Mas eu falo das minhas experiências porque eu quero que as pessoas aprendam que se alguém jogar lama em você o tempo todo, você pode juntar toda a lama e construir uma casa com ela. Foi isso que eu aprendi.

Por ter nascido na Inglaterra, mas morado no Sri Lanka, alguma vez sentiu que não pertencia a algum lugar?
Depois de voltar para o Sri Lanka, senti que não era nem um e nem outro: eu era ambos. Até mais do que isso porque neste momento amo tantas culturas diferentes, e percebo que isso é o estado de ser da nossa geração. Nenhum de nós é 100% de alguma coisa, mas somos muito preguiçosos para lutar por algo. Talvez nós tenhamos o poder de fazer a guerra morrer. Mas dizem que “você é o que você come”. Então, eu sou sushi-pizza-pasta-arroz e ervilha-curry-sanduiche-fritas e picles de manga. O que eu sou agora? Sou feliz!

Você é feminista? Qual é uma das grandes injustiças com as mulheres hoje em dia?
Que ainda temos que fazer tudo – música, cuidar da aparência, casa, família e crianças, trabalhar e ainda prestar atenção para que os homens não fodam com você. Também é uma injustiça que cólicas menstruais não sirvam para ter um atestado médico. Quando estou em um quarto com uns cinco homens e eles conversam sobre música como se estivessem colecionando cartas de beisebol, eu fico puta. Eu não sei fazer isso, é muito mais emocional para mim. Eu amo ser uma mulher. Às vezes eu não percebo isso, mas por ser do Sri Lanka e ser uma mulher muito diferente, que sempre teve a palavra “terrorista” me seguindo, é difícil saber, mas eu acho que ser mulher é a única coisa boa para mim no momento.

Você pode contar algumas das suas primeiras memórias musicais? Você cresceu escutando o quê?
Primeiro foram as trilhas sonoras de filmes indianos, sonhando com meninos e depois música pop do oeste. Ouvi o “Thriller” do Michael Jackson durante quatro anos e depois fui pra Inglaterra e encontrei o hip hop. Desde então, escuto qualquer música que chega a mim. Eu tento ser cabeça aberta com todo tipo de música porque quero descobrir o que eu gosto e às vezes fico surpresa com algo que converse comigo. Eu não defino a música pelo seu gênero, mas pelo seu poder de me dizer algo.

Antes de entrar na carreira musical, você tinha se formado em cinema, certo? Poderia contar um pouco desse seu passado?
Criatividade é a única coisa que eles não podem tirar de mim. A minha família, casa, dinheiro e comunidade tiveram problemas, então eu passei muito tempo vagando. Por causa de algumas pessoas que eu tinha conhecido, coisas que eu tinha visto e queria lembrar e contar para as pessoas ficou mais e mais importante que eu fosse treinada como um menino para poder representar bem todas essas pessoas. Cinema era muito difícil porque você tem que falar bem, você tem que dizer para as pessoas o que quer fazer e alguém pode te dar algum dinheiro ou não. Claro que ajuda se você já é rico ou tem alguma da família no ramo. Então, eu fui para as artes, mas era muito careta e eu tinha personalidade demais e tinha experimentado a vida demais para ser uma artista torturada na Inglaterra. Então, eu continuei com a mente aberta sobre como dizer o que eu queria dizer e aí veio a música.

Como foi essa mudança? É mais fácil se expressar através da música?
Muito, é bem mais fácil – eu abro a minha boca e o som sai. Se eu tiver comida, eu posso fazer batidas no meu 505 sem preocupação, para sempre. Coloco o meu fone de ouvido e me desligo do mundo, e é bom. Depois quando saio, eu quero que o mundo saiba o que eu estava pensando o tempo inteiro enquanto estava com o fone de ouvido.

Como começou a sua carreira musical? Você fazia batalhas de rimas e shows ao vivo ou apenas gravava com produtores? É difícil ser uma mulher MC num ambiente dominado pelos homens?
Eu gravava com produtores porque a arena musical era dividida em dois gêneros particulares, então se eu não fosse 100% de uma coisa, eu não poderia “batalhar” com alguém. A minha batalha era sobre ser uma individual, ter uma identidade que ninguém entendia e ser uma mulher e não deixar nenhum produtor pensar que estão me criando, numa época onde a maioria das mulheres cai na mesma armadilha.

Como foi trabalhar com o Elastica?
O que você quer saber? Foi a minha época indie music. Eu não me tornei britpop porque o britpop não sabia que alguém como eu existia. Era tudo tão sobre ser brit, mas sem cor. De qualquer forma, a melhor coisa foi conhecer Justine Frischmann. Justine é uma pessoa incrível e interessante e fez com que eu continuasse na Inglaterra. É engraçado, tive alguns insights sobre as politicagens de ter uma banda e isso me fez nunca querer fazer uma turnê com uma banda. É por isso que eu tenho Diplo.

Você sempre teve uma ideia do que queria fazer musicalmente?
Não, eu sou uma reacionária, sou completamente guiada pelo momento antes de mim.

Antes de “Arular” ser lançado pela XL Recordings, todo mundo já conhecia a sua música por causa da Internet, quais são os seus pensamentos a respeito?
Meu… Eu instalei a Internet há cinco meses. Sempre fui muito primitiva com relação à tecnologia, e gostava de mim por isso porque às vezes esse mundo roda rápido demais pra mim. Mas é bom ser a primeira artista de Internet que as pessoas escolheram. Acho que tem muito a ver com o fato de uma pessoa como eu não poder ser tocada no rádio e TV por causa das coisas que falo. Agora posso estirar o meu dedo para Bush por ter tentado censurar artistas e tirar a liberdade de expressão. Eu amo os internautas pôr terem tomado controle, porque é o único lugar que as pessoas podem controlar e que o sistema não descobriu como dominá-lo ainda, e temos que continuar isso assim. Então, lembrem de serem loucos. O espaço é de vocês!

Você também fez um mixtape com Diplo, “Piracy Fund Terrorism Vol. 1”. Foi por causa dele que você começou a gostar de música brasileira?
Sim. Eu saí à procura dele depois de ter escutado o CD “Favela on Blast”. Eu espero que vocês gostem dele porque foi assim que conheci a música brasileira. É difícil encontrar pessoas que se preocupam em trazer música para outras pessoas sem serem guiadas pelo dinheiro. Fora do Brasil, ele está espalhando o barulho e espero que seja positivo.

Que tipo de coisa ele traz pra sua música?
Frustração! Mas ele tem sorte que eu goste disso.

É verdade que você vai trabalhar com DJ Marlboro?
O problema em trabalhar com pessoas dessa cena é o visto, realmente não é nada mais do que isso. É muito difícil organizar toda a papelada e a maioria das pessoas não querem ser perturbadas. Mas sim, eu queria que ele se juntasse a mim no EUA quando eu estiver por lá para fazer alguns shows e que viesse pra Londres para espalhar o barulho, precisamos disso.

Quais são os seus pensamentos sobre funk carioca? Não é triste que a maioria da classe média brasileira não gosta?
Sim, mas é uma perda de tempo odiá-lo. É o que eu digo na música “Fire Fire”. Quando os marginais não são cuidados corretamente eles fazem a sua própria música, porque ninguém conversa com eles no mainstream. É importante e eu espero que continue e ensine as crianças que música é uma boa saída. É a única oportunidade que eles estão fazendo para eles mesmos.

Qual seria o seu show ideal?
O meu show ideal seriam 2 brasileiros + 1 jamaicano + 2 tamiles + 1 americano + alguém da China + 1 da África. Mas a imigração nem me deixa passar.

Como você acha que a sua música relaciona com as pessoas? Ou talvez, como você acha que as pessoas relacionam com a sua música?
Não tenho ideia, mas sei o que algumas pessoas me dizem e isso é o sentido de ir pra frente. Não estamos dentro de caixas bonitinhas, como eles querem fazer-nos acreditar. Quero dizer: apenas temos que caber dentro de uma caixa por razões puramente mercadológicas e eu não quero saber disso. Eu já sei o que é não ter dinheiro, então tomo riscos porque é a minha vida. Eu sou muito aberta porque não tenho medo de ser machucada pelas pessoas. Sei que o povo é esperto e converso com ele no mesmo nível. Sei que estamos dentro disso juntos e quero fazer isso interessante para todos.

No Brasil você só é conhecida por uma elite e isso deve acontecer em outros países, você faz um esforço consciente para tornar a sua música viável para a maior quantidade de pessoas possíveis?
Sim, eu faço. Não tenho barreiras, mas o Mundo tem e tenho que usar a ferramenta dos intelectuais para ser escutada. Mas as elites e as ruas precisam de mais lugares para se falar e trocar idéias. Precisamos quebrar a parede, se não fica muito difícil para alguém como eu passar por ela. Sou a primeira e as conseqüências demoram. A única forma com que as pessoas mais pobres escutem música é através do rádio ou TV. Então se eu não entrar no rádio e TV, as ruas não podem me escutar, eles não têm tempo para computadores porque trabalham duas jornadas ou estão nas esquinas das ruas escutando JZ, Snoop e Britney pelo rádio de alguma loja.

O que você acha da humanidade no momento?
Eu acho que estamos indo pra trás. Muitos líderes mostraram a sua ganância pelo dinheiro e achamos que não deveríamos nos envergonhar disso, afinal, dinheiro e brilho são muito bonitos. Os bons políticos tomam um passo para questionar, mas são muito fracos para manter uma boa luta. Não ensinamos mais valores e esperamos encontrá-los através de telefones celulares e Ipods. Estamos ocupados demais tentando possuir essas coisas para sentirmos inteiros.

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