Esse você precisa ver: “M.A.S.H.” (1970), de Robert Altman

por Leandro Miguel de Souza

Robert Altman é um gênio. Isso é fato.
Controverso.
*Mas é gênio.
O pai do cinema independente.
*Controverso.
Talvez meus amigos que assistiram o excelente “Gosford Park” não concordem.
*Mas sabendo que eles adoram “Pearl Harbor”, essa consideração merece ser desconsiderada.
Com tantos filmes sensacionais no seu currículo (“Short Cuts”, “Nashville”, “O Jogador”, “Kansas City”), Altman é um dos poucos cineastas que conseguem realmente envolver o espectador àquilo que apresentam. Seus personagens exalam humanidade por todos os poros, escancarando seus defeitos, seus medos e qualidades com uma autenticidade e ironia assombrosas.
*Soderbergh deve acender uma vela pra ele todo dia.
Mas para chegar a este nível de irreverência e elegância, Altman percorreu um longo caminho. O seu humor, no começo, foi bem menos sutil.
*E bem mais divertido.
Para comprovar isso, finalmente chega em DVD a obra-prima máxima do diretor: M.A.S.H.
*You lucky bastards!!
Em longínquos 1970, enquanto ainda ocorria a guerra do Vietnã, Altman ousou cuspir na cara do exército e da própria guerra, com um filme corajoso, irreverente, rebelde, blasfemo e um tanto cruel. Um filme tão atual, que é espantoso saber que foi feito há mais de 30 anos.
*Espantoso mesmo.
O filme narra as peripécias de um grupo de médicos que trabalham no 4077° Mobile Army Surgical Hospital – M.A.S.H. – durante a guerra da Coréia.
*Mas você pode fazer de conta que é o Vietnã.
Um corpo de médicos que fazem as mais desvairadas loucuras para sobreviver em meio ao caos e sangue dos corpos despejados dia a dia nos leitos do hospital.
*É preciso ser louco pra se manter são na guerra.
O filme gira em torno de dois personagens: os capitães “Hawkeye” Pierce (Donald Sutherland) e “Trapper” John McIntyre (Elliott Gould), que viram o lugar ao avesso, desrespeitando os superiores, fazendo o que bem entendem e mudando o comportamento de todo os oficiais do lugar. Coisinhas típicas como transmitir uma transa entre um oficial e uma enfermeira nos alto-falantes do acampamento, organizar uma cerimônia de suicídio, ensinar menores de idade a servir drinques alcoólicos e jogar um futebolzinho, já que ninguém é de ferro.
*E os incomodados que se retirem.
Mas, na verdade, todos os personagens tem importância vital para compor a alma coletiva do filme. Do dentista ao assistente do major, todo mundo é herói, todo mundo é vilão, todo mundo é humano. Não existe uma história linear propriamente dita, e sim o dia a dia destes oficiais. É uma colcha de retalhos compostas de várias situações engraçadíssimas, outras chocantes, e todas absolutamente fascinantes pela sua honestidade e paixão, impregnadas em cada polegada de celuloide.
*UAU!!!! Essa foi forte!!!
O filme, na opinião de muitos, é o melhor filme anti-guerra de todos os tempos. Em momento algum Altman faz citações aos inimigos coreanos (proposital, pois queria criticar a guerra do Vietnã). Eles não são os inimigos. O inimigo é a própria guerra. Por quê homens e mulheres tem a obrigação de seguirem direção da morte, ou se sobreviverem, carregar cicatrizes na alma até a morte? A discussão permeia o filme do início ao fim, tirando o filme da sombra de ser uma comédia rasteira. Estamos falando de pessoas, com suas alegrias, tristezas, gozações, excentricidades. Uma coisa notável, ainda mais se tratando de uma comédia.
*Uma bela comédia, aliás.
O filme foi um estrondoso sucesso de crítica e público. Com um orçamento de 3 milhões de dólares, M.A.S.H. acumulou surpreendentes 80 milhões nas bilheterias e acabou se tornando uma aclamada série de TV, com outro elenco, mas que levou 99 Emmys (o Oscar da TV americana) para casa.
*Como Altman, eu repudio essa série.
O filme também recebeu 5 indicações para o Oscar, incluindo filme e diretor, mas levou somente o de roteiro adaptado de Ring Lardner Jr., que fazia parte da lista negra do McCarthismo. Um roteiro corajoso, inteligente e hilariante, baseado em um desconhecido livro autobiográfico de Richard Hooker, que foi médico durante a guerra da Coréia.
*99 % das comédias atuais rezam por diálogos como os de M.A.S.H.
O DVD vem recheado de extras supimpas. É duplo e traz trailers, fichas técnicas, comentários de Robert Altman, bla, bla, bla. Mas traz 4 ótimos documentários sobre o filme, mostrando bastidores, entrevistas com membros da produção, elenco, médicos que fizeram parte dos verdadeiros M.A.S.H.s e a loucura do diretor durante as filmagens do longa. Os executivos da Fox se apavoravam ao ver a insanidade que era o set onde M.A.S.H. era filmado. Elliot Gould e Donald Sutherland (nos melhores papéis de suas carreiras), atores com formação teatral disciplinada, viviam batendo de frente com Altman, que estimulava a improvisação, transformando o roteiro de Lardner, levando suas idéias revolucionárias e sua vontade de quebrar tabus às últimas conseqüências. Há ainda um documentário especial onde o elenco, 30 anos depois, se reúne para comentar o filme. Ótimo mesmo.
*Mas sei lá, os documentários parecem meio repetitivos. Não tem joguinho?
Mas ,enfim, para um grande filme era preciso uma grande edição em DVD. E esse pedido foi atendido, agradando tanto aos fãs de Robert Altman quanto aos apenas fãs de uma boa comédia. E mesmo se você não tem um aparelho de DVD, corra para uma locadora e assista M.A.S.H. em vídeo mesmo. Ainda é hora de ver uma das melhores comédias de todos os tempos, que não perdeu nada de seu impacto. O filme é uma ode ao nosso espírito inconformista e rebelde. É uma homenagem à nossa alma. Tocante, escrachado, ultrajante. M.A.S.H. é imortal. Considerações finais, Louie?
*Faça um favor a si mesmo. Assista M.A.S.H.

– Leandro Miguel de Souza, 18 anos, estudante de jornalismo, encontrou Louie dentro de um Kinder Ovo em agosto de 1996, e são bons amigos desde então.

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