Cinema: “Nove Rainhas”, de Fabián Bielinsky, é um show cinematográfico

texto por Trissomie

Posso estar enganado, mas a Argentina tem tanta tradição em cinema quanto o Brasil tem em hóquei no gelo. E daí? E daí que, não bastasse o nosso futebol que anda mal das pernas, também estamos sendo passados para trás nas telas.

Primeiro foi o México, com “Amores Brutos” (“Amores Perros”). Agora é a vez da Argentina, com este excelente “Nove Rainhas” (“Nueve Reinas”), escrito e dirigido pelo estreante Fabián Bielinsky. Enquanto o cinema nacional é representado em circuito comercial por  filmes com elenco, direção, produção e jeitão de novela da Globo, nossos vizinhos portenhos dão um show à parte.

Assim como o citado primo asteca, “Nove Rainhas” é local sem ser regional. O cenário é Buenos Aires, a língua é espanhola, e a malandragem é argentina. Mas a história é internacional, do tipo que supostamente pode acontecer em qualquer grande cidade. E no filme não há tango ou bigodinho, os homens não são cabeludos, e não se vê uma só camisa do Boca Juniors. Também não há questões filosóficas, políticas, sociais, nem grandes mensagens a serem passadas.

O roteiro é simples e conta o que se passa em um dia e pouco da vida de Marcos (Ricardo Dárin) e Juan (Gatón Pauls), dois golpistas que logo após se conhecerem encontram o que parece ser a oportunidade de suas vidas. Acostumados a ganhar uns trocados com pequenos golpes, os dois se deparam com a chance de juntos concretizarem um negócio extremamente lucrativo com uma série de selos valiosos, as “Nove Rainhas”. Mas, como diz o ditado, “cachorro mordido por cobra tem medo de lingüiça”, e em meio a tanta safadeza fica difícil confiar até no seu próprio cúmplice, principalmente quando ele também é golpista e você acabou de conhecê-lo.

Esqueça parafernálias tecnológicas, lasers e satélites. Esqueça força bruta, perseguições de carros e tiroteios de metralhadora. Esqueça FBI, CIA, traficantes e mafiosos. Aqui o que vale são a astúcia, a rapidez de raciocínio, a confiança, a experiência nas ruas, e, principalmente, a cara-de-pau, no melhor estilo Paul Newman e Robert Redford no bom e velho “Golpe de Mestre”.

Dinâmico e recheado de reviravoltas, o filme prende a atenção do espectador do início ao fim, porém de maneira leve e despretensiosa, sem ser cansativo. Chega a ser “pop”, por assim dizer. Logo nas primeiras cenas nota-se que houve cuidado no uso das cores e da luz de forma que estas deixassem o filme vivo, brilhante, mas sem exageros. As ótimas atuações dos dois protagonistas, assim como uma bela fotografia, um bom humor generalizado e algumas cenas e diálogos impagáveis, colaboram para a fácil digestão do longa. São raros os filmes que divertem a ponto de terminarem deixando no espectador um sorriso no rosto e uma vontade de entrar na fila da próxima sessão para ver tudo novamente. “Nove Rainhas”é um deles.

Ao final dos créditos fica quase impossível deixar de perguntar-se o que falta para o Brasil produzir filmes realmentes bons nos dias de hoje. Filmes nacionais, nossos, brasileiros, que sejam autênticos e originais como “Nove Rainhas”, e que não pequem pela filosofia-crítica barata e regionalismo poeirento de “Central do Brasil”, pelo americanismo de comédia-romântica chata de “Bossa Nova”, ou pela clonagem de molde de sitcom desordenada de “Amores Possíveis”. Estaríamos fadados a continuar indefinidamente ora tentando copiar o cinema estrangeiro ora transformando novela e mini-série da Globo em filme? Espero que não.

Talvez o que nos falte seja um diretor iniciante com talento e boas idéias, coisa que pelo visto tem aparecido em todo lugar do mundo, menos aqui. Para citar alguns conhecidos, M. Night Shyamalan (“Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”), Guy Ritchie (“Snatch” e “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”), Alejandro González Iñarritu (“Amores Brutos”), Darren Aronofsky (“Pi” e “Requiem For a Dream”), e o próprio Fabián Bielinsky (“Nove Rainhas”). Talvez o segredo seja ter sobrenome do leste europeu, terminado em “sky”. Se eu fosse diretor mudaria meu nome para Trissomiesky para tentar ajudar o nosso cinema a sair do buraco. Superstição é bem típico de brasileiro, poderia funcionar. O problema é que assim como eu todo mundo finge que entende, fala demais e reclama de tudo, mas FAZER, que é bom, nada.

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