texto de Leonardo Vinhas
Entre 2009 e 2011, o Hotel Avenida esteve aberto. Foi uma rara banda, talvez a única, da cena independente brasileira a combinar folk, música sertaneja, alt.country e rock em doses tão precisas e bem pensadas que a fronteira entre os gêneros praticamente desaparecia e, ao fim, o que ficavam eram canções redondas, que um jornal curitibano chegou a chamar de “trilha sonora dos corações solitários”.
A banda nasceu da amizade e admiração mútua entre Ivan Santos e Giancarlo Rufatto. O primeiro vinha de mais de dez anos com a banda OAEOZ, era produtor e corresponsável pelo selo De Inverno e pelo festival Rock de Inverno, que teve sete edições entre 2002 e 2009 em Curitiba. Rufatto, por sua vez, compunha e gravava quase compulsivamente em casa, e suas primeiras composições em português chamaram muito a atenção do colega veterano.
Acabou que eles não só se aproximaram como decidiram gravar algumas canções juntos, inicialmente em duo, no EP “Deserto” (2008). Depois, decidiram criar uma banda que tivesse as portas abertas para músicos chegarem e se somarem às gravações. Naquele momento, o OAEOZ havia encerrado as atividades, e Ivan convidou dois ex-integrantes, o guitarrista Carlos Zubek e o multiinstrumentista Igor Amatuzzi (que na época assinava como Igor Ribeiro), para o novo projeto. O baixista Rubens K, ex-Terminal Guadalupe, havia tocado com Santos e Amatuzzi na Dusty, e se somou às fileiras. O baterista e tecladista Eduardo Patrício completou a formação, e assim gravaram o primeiro single, “Eu Não Sou um Bom Lugar”.
Calhou que este single, gravado no estúdio de Carlos Zubek, foi o primeiro e último registro em estúdio da banda. As diversas gravações que viriam depois sairiam de shows, sessões de rádio e até ensaios, nunca retomando a formalidade de estúdio. O álbum e DVD “Ao Vivo no Rock de Inverno”, lançado em 2009, trouxe sete canções e ganhou elogios da imprensa e outros músicos na época. O mesmo se repetiu com o EP “Acústico Mundo Livre”, gravado como um especial para a rádio homônima.
Tanto em “Ao Vivo no Rock de Inverno” quanto em “Acústico Mundo Livre, a bateria ficou a cargo de Allan Yokohama, outro ex-Terminal Guadalupe, mas Eduardo Patrício também tocou bateria no EP e… bem, fica complicado rastrear as mudanças de formação da banda, dada sua natureza assumidamente cíclica. Além dos já citados, passaram pela Hotel Avenida os músicos Osmario Jr., Jansen Nunes e Julian Sarza. A banda seguiu ativa até 2011, quando, após o seu primeiro show em São Paulo, encerrou suas atividades.
As gravações da banda seguiram disponíveis em MP3, mas conforme a mídia caiu em desuso, foram minguando as oportunidades de ouvir a banda. Quatro das seis faixas do EP radial foram disponibilizadas nas plataformas, mas havia uma grande quantidade de material que ficara de fora, além de um bom número de faixas que nunca havia sido lançada “oficialmente”.
Rufatto e Santos recuperaram essas faixas, com o primeiro remasterizando-as para que elas finalmente chegassem às plataformas de streaming. Essa arqueologia musical se transformou nesse “” (2024), álbum que você pode ouvir agora nas plataformas, ou baixando em MP3, porque o selo Scream & Yell confia na importância de manter registros sonoros longe da exclusividade de big techs pouco transparentes.
O fato é que, depois de fechado, o Hotel Avenida deixou saudades. Quem por ali se hospedou durante algum momento de audição atenta não conseguiu evitar de revisitar aquele hotel. Existe uma mistura de lassidão e preciosismo que se resolveu de um jeito que a simples razão não consegue explicar. Havia espírito pop, havia um forte cheiro de Brasil sem forçar a mão em “brasilidades” e sem abdicar da influência do Wilco. Havia letras espertas, ótimos títulos (“Só o Amor Pode Partir seus Joelhos”, “Um Herói Dividido entre o Amor e a Cidade”, entre outros) e algumas melodias que, por alguma desgraça não mapeada, não voltaram a ser feitas por aqui.
Felizmente, o Hotel Avenida reabriu as portas. Sem reformas e sem alarde, mas ele está disponível, neste álbum, como um tributo a si mesmo e a quem dele usufruiu. Ouça na integra abaixo, faça o download em alta qualidade via Mediafire e/ou ouça na sua plataforma favorita e compartilhe com os amigos.
Conheça as faixas que compõe Trilhas Sonoras para Corações Solitários”, da Hotel Avenida
01. “Eu Não Sou um Bom Lugar”
Primeira e única gravação “formal” de estúdio da banda, foi registrada no estúdio do guitarrista Carlos Zubek. Gian Rufatto contou a história da canção e da gravação na sua página no Substack: “Escrevi ‘Eu Não Sou um Bom Lugar’ no verão de 2009, na casa dos meus pais. A melodia foi roubada de ‘I Wanna Be Your Boyfriend’, dos Ramones, mas lembro de ter feito uma demo no gramado da casa deles e já nas primeiras ideias era um soul desafinado”. Para ler a história toda, vá aqui.
02. “Cante-me, Álcool”
Essa era uma demo que nunca havia sido lançada, e é a única faixa dessa compilação a ter recebido gravações adicionais para a compilação: Ivan Santos registrou sua gaita, e a “versão 2024” dessa bela balada tristonha ganhou um clipe que se tornou a primeira prévia do álbum a ser apresentada ao público.
03. “Zelo”
04. “Um Centavo”
05. “Um Herói Dividido entre o Amor e a Cidade”
06. “Só o Amor Pode Partir Seus Joelhos”
07. “Reza”
08. “Noturna”
09. “Eu Não Sou um Bom Lugar”
Essas sete faixas integram “Rock de Inverno 7 Ao Vivo”, uma espécie de “bootleg oficial”, ou um “primeiro álbum informal” da banda. Foram gravadas no John Bull Music Hall, em Curitiba, no dia 24 de julho, na última edição do festival organizado por Ivan Santos e sua esposa Adriane Perin, também proprietários do selo De Inverno. A formação era Ivan Santos (voz, gaita e teclado), Giancarlo Rufatto (voz e violão), Carlos Zubek (guitarra), Rubens K (baixo) e Allan Yokohama (bateria). É mais elétrico e com um punch mais acentuado em relação às demais gravações, e ajudou a apresentar a banda para um público maior. Foi lançado em DVD com tiragem limitada.
10. “Zelo”
11. “Um Centavo”
12. “Só o Amor Pode Partir Seus Joelhos”
13. “Meu Abismo, Meu Abrigo”
14. “Nuvem de Lágrimas”
15. “Nas Profundezas do Coração do Fundo do Copo”
As seis canções foram gravadas ao vivo em 6 de outubro de 2009 no Nico’s Studio, um dos mais disputados da capital paranaense, para o programa de rádio Acústico Mundo Livre. Repetia três faixas do álbum do Rock de Inverno, em versões bastante semelhantes, trazia uma inédita (“Nas Profundezas…”) e duas covers: uma para “Meu Abismo, Meu Abrigo”, faixa do álbum “Noite” (1998), de Lobão; e “Nuvem de Lágrimas”, canção de Paulo Debétio e Paulinho Resende que foi hit em 1989 com Fafá de Belém e Chitãozinho & Xororó.
16. “Sobre Eu e Você”
17. “Meu Terrorismo”
18. “Mais Velho do que Deveria”
Essas três canções foram gravadas por Luigi Castel, músico e engenheiro de som que atuou junto a várias bandas do underground curitibano. Foi tudo ao vivo, como de praxe, como um quarteto: Ivan Santos, Giancarlo Rufatto, Jansen Nunes (baixo) e Osmário Júnior (bateria). Ainda que com um som um pouco mais cru que o do EP para a rádio, mantém o altíssimo nível das gravações anteriores, valorizando especialmente a interpretação de Rufatto, que canta as três, e a excelente dinâmica entre os integrantes.
19. “Hoje”
Gravada em 03 de dezembro de 2010 no Wonka Bar, em Curitiba, ela seguia inédita, assim como todas as faixas que a sucedem. É uma das que contou com a “ajuda” da inteligência artificial na remasterização, corrigindo algumas disparidades típicas de gravações feitas diretamente da mesa de som.
20. “Luzes da Páscoa”
21. “Gestos”
22. “Meu Terrorismo”
As três faixas foram registradas num ensaio na cozinha da casa de Ivan Santos, no bairro Abranches, em 21 de abril de 2011, feriado de Tiradentes. São gravações cruas, que geraram alguma polêmica se entrariam ou não nessa compilação, mas Ivan Santos achou importante tê-las, não só por trazerem três boas faixas inéditas, mas também por mostrar uma pegada mais intensa e menos introspectiva na sonoridade da banda. A formação era Rufatto, Santos, Júnior, Nunes e Julian Sarza.
23. “Deserto”
Gravada ao vivo – em condições longe das ideais – em 26 de fevereiro de 2009 no James Bar, também em Curitiba, registra uma das primeiras parcerias da dupla Giancarlo Rufatto e Ivan Santos.
CATÁLOGO COMPLETO DO SELO SCREAM & YELL
SY00 – “Canção para OAEOZ“, OAEOZ (2007) com De Inverno Records
SY01 – “O Tempo Vai Me Perdoar”, Terminal Guadalupe (2009)
SY02 – “AoVivo@Asteroid”, Walverdes (2011)
SY03 – “Ao vivo”, André Takeda (2011)
SY04 – “Projeto Visto: Brasil + Portugal” (2013)
SY05 – “EP Record Store Day”, Giancarlo Rufatto (2013)
SY06 – “Ensaio Sobre a Lealdade”, Rosablanca (2013)
SY07 – “Ainda Somos os Mesmos”, um tributo à Belchior (2014)
SY08 – “De Lá Não Ando Só”, Transmissor (2014)
SY09 – “Espelho Retrovisor”, um tributo aos Engenheiros do Hawaii (2014)
SY10 – “Projeto Visto 2: Brasil + Portugal” (2014)
SY11 – “Somos Todos Latinos” (2015)
SY12 – “Mil Tom”, um tributo a Milton Nascimento (2015)
SY13 – “Caleidoscópio”, um tributo aos Paralamas do Sucesso (2015)
SY14 – “Temperança” (2016)
SY15 – “Ainda Há Coração”, um tributo à Alceu Valença
SY16 – “Brasil También Es Latino” (2016)
SY17 – “Faixa Seis” (2017)
SY18 – “Sem Palavras I” (2017)
SY19 – “Dois Lados”, um tributo ao Skank (2017)
SY20 – “As Lembranças São Escolhas”, canções de Dary Jr. (2017)
SY21 – “O Velho Arsenal dos Lacraus”, Os Lacraus (2018)
SY22 – “Um Grito que se Espalha”, um tributo à Walter Franco (2018)
SY23 – “A Comida”, Os Cleggs (2018)
SY24 – “Conexão Latina” (2018)
SY25 – “Omnia”, Borealis (2019)
SY26 – “Sem Palavras II” (2019)
SY27 – “¡Estamos! – Canções da Quarentena” (2020)
SY28 – “Emerge el Zombie – En Vivo”, El Zombie (2020)
SY29 – “Canções de Inverno – Um songbook de Ivan Santos & Martinuci” (2020)
SY30 – “SIEMENSDREAM”, Borealis (2020)
SY31 – “Autoramas & The Tormentos EP”, Autoramas & The Tormentos (2020)
SY32 – “O Ponto Firme”, M.Takara (2021)
SY33 – “Sob a Influencia”, tributo a Tom Bloch (2021)
SY34 – “Pra Toda Superquadra Ouvir”, Beto Só (2021)
SY35 – “Bajo Un Cielo Uruguayo” (2021) com Little Butterfly Records
SY36 – “REWIND” (2021), Borealis
SY37 – “Pomar” (2021), Vivian Benford
SY38 – “Vizinhos” (2021), Catalina Ávila
SY39 – “Conexão Latina II” (2021), Vários artistas
SY40 – “Unan Todo” (2022), Vários artistas
SY41 – “Morphé” (2023), Rodrigo Stradiotto
SY42 – “Paranoar” (2023), YPU (com Monstro Discos)
SY43 – “NO GOD UP HERE” (2023), Borealis
SY44 – “Extras de “Vou Tirar Você Desse Lugar”, Cidadão Instigado & Plástico Lunar (2024) – Com Allegro Discos
SY45 – “Smoko” (2024), Smoko
SY46 – “Trilhas Sonoras para Corações Solitários” (2024), Hotel Avenida
Discos liberados para download gratuito no Scream & Yell:
01 – “Natália Matos”, Natália Matos (2014)
02 – “Gito”, Antônio Novaes (2015)
03 – “Curvas, Lados, Linhas Tortas, Sujas e Discretas”, de Leonardo Marques (2015)
04 – “Inverno”, de Marcelo Perdido (2015)
05 – “Primavera Punk”, de Gustavo Kaly e os Hóspedes do Chelsea feat. Frank Jorge (2016)
06 – “Consertos em Geral”, de Manoel Magalhães (2018)
07 – “Toda Forma de Adeus”, Jotadablio (2023)
Sonoridade interessante. Não conhecia. O vocalista é o que compromete um pouco. Canta com excesso de afetação. Seguisse a máxima do menos é mais nesse quesito, soaria melhor.