Ao vivo: Surma apresenta “Alla” em Lisboa e celebra a sua fase mais criativa

Texto por Pedro Salgado, especial de Lisboa
Fotos por Vera Marmelo

Perante uma plateia atenciosa, Surma apresentou o seu novo trabalho no Auditório Emílio Rui Vilar, na Culturgest, em Lisboa, uma semana antes das celebrações natalinas. Acompanhada pelos músicos João Hasselberg (contrabaixo e baixo elétrico) e Pedro Melo Alves (bateria), a artista leiriense interpretou seu repertório de forma enérgica, em sintonia com um público devoto da sua figura musical singular e que se revê facilmente na mensagem do álbum “Alla”. Um pano de fundo branco e iluminado colocado no palco anunciava, simbolicamente, os novos tempos de transparência e autenticidade que o disco e o espetáculo pretendiam demonstrar.

No começo, escutaram-se os sons de uma cascata e pouco depois das 19h Surma e a sua banda entraram no palco. Sem demoras, a cantora pegou na guitarra e posicionou-se junto aos teclados. A batida marcada de Pedro Melo Alves deu o mote e a apresentação arrancou com “Etel.vina” num andamento pop agradável, em que Surma alternou a expressividade e a delicadeza interpretativa, dando corpo a uma música tributo à sua avó materna. “O nosso nome é Surma e é um prazer estar ao lado destes músicos”, foram as palavras iniciais que dirigiu ao público lisboeta.

Seguidamente, apresentou a primeira convidada do show, Selma Uamusse, descrevendo-a como “uma amiga do coração e uma artista incrível”. Juntas, interpretaram “Nyanyana”, aliando a poderosa voz de Uamusse, a guturalidade de Surma e a intensidade rítmica numa magnífica simbiose entre o experimentalismo sonoro e a world music. Com o saxofonista Cabrita em palco (o outro convidado do espetáculo) assistiu-se a um excelente duelo instrumental em “Tous les Nuages”, começando no dedilhar folk da guitarra acústica de Surma e evoluindo para uma combinação explosiva de rock e free jazz, que deu lugar à amenização final por via do contrabaixo de Hasselberg.

O pop voltou com “Aida” e a cantora leiriense viveu intensamente a canção, movendo-se agilmente e solando a guitarra elétrica em plena fruição musical com os seus colegas de grupo (uma constante do show) e o som límpido que emanava do palco contribuiu para reforçar essa impressão. À onírica “Myrtise”, pontuada por efeitos sonoros e de pendor relaxante sucedeu-se a intimista “Biyelka” na qual Surma proporcionou ao público uma viagem vívida à sua interioridade. “Vamos tocar ‘Maasai’ e já estava com saudades de a interpretar para vocês”, disse imediatamente, enquanto regressava ao tema com que se estreou em 2016 e que adquiriu mais cor e arejamento quando foi tocada com a banda.

Apresentando “Huvasti” como “uma faixa que fiz com estes dois músicos”, Surma enveredou por uma eletrônica mais cerrada e testou os limites da canção e do andamento instrumental que resolveu percorrer. Quase como um teste lançado à assistência, a enigmática “Did I Drop Acid And This Is My Ego Death?” resultou num momento particular de descarga sônica, povoado por uma luz de palco intermitente, que abriu caminho à derradeira música do show. A interpretação de “Islet”, o hino do álbum “Alla”, foi antecedida por agradecimentos da cantora à sua equipe e pelo desejo de “partilhar o tema com o público numa versão mais longa”. Esse propósito evidenciou-se na cavalgada sonora imprimida à faixa, que proporcionou uma comunhão generalizada através da sua mensagem forte e libertadora.

No encore, começou por sintetizar o seu pensamento artístico: “Esta é uma nova fase e é isso que eu gosto, porque o que me agrada é o risco” e voltou ao disco de estreia, “Antwerpen” (2017), cantando sozinha “Begrenset”, outro exercício intimista e revelador de uma personalidade cativante que importa continuar a descobrir. Já com João Hasselberg e Pedro Melo Alves no palco deu-se a reprise de “Huvasti”, onde os presentes começaram gradualmente a levantar-se das cadeiras e a dançar livremente até o forte aplauso final, culminando num abraço simbólico entre os três músicos. Globalmente, o show de Lisboa, que concluiu a tour promocional de “Alla”, ao longo de 60 minutos, mostrou uma artista cada vez mais segura de si, criativamente desafiadora e original no seu plano musical em Portugal.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
– Vera Marmelo é fotografa. Confira seu trabalho em https://veramarmelo.pt/

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