Ana Clara, Leo Bitar, Lucas Padilha, Raul Bentes e Sammliz e o Coletivo Parquet

por Leonardo Vinhas 

Quando se fica órfão, uma tendência é procurar preencher um espaço vazio com um “substituto” de quem se foi. Outra, bem mais interessante, é assumir as lições do que já não mais está e usá-las para seguir em frente. Foi o que fizeram Ana Clara, Leo Bitar, Lucas Padilha, Raul Bentes e Sammliz, quando se viram alijados da Rádio Cultura do Pará, onde todos trabalhavam. Era necessário continuar trabalhando com cultura, com transmissão, com diálogo. Mas sem rádio, para onde ir?

A internet foi, senão o caminho óbvio, o mais viável. O Coletivo Parquet – alcunha escolhida para o quinteto – se estabeleceu em janeiro de 2019 e, em maio do mesmo ano, colocou no ar sua primeira iniciativa, o programa Casa do Raio que o Parta.

O release o apresentava de forma tão fria quanto solene, definindo como objetivo “valorizar a produção artística, com destaque para iniciativas independentes, cruzando referências de diferentes tempos e fomentando o diálogo entre variadas formas e visões sobre as artes e outras questões pertinentes do contexto cultural contemporâneo”. Deu margem para o repórter perguntar os frutos reais disso tudo, se algo mudou no universo cultural de Belém.

“Pensar que a gente pode causar mudança de atitude é pretensioso. A missão é apresentar uma reflexão, e não mudar coisas. O que a gente tenta é trocar ideia, não só com os convidados, mas também com o público”, diz Ana Clara. Público esse que participa no ato, já que o programa é inicialmente transmitido como live do Instagram (@coletivoparquet), mas que também participa na gravação – um dado do qual falaremos mais adiante.

Por ora, interessa comentar dessa troca, que beneficia também aos organizadores e executores da coisa toda. “Belém não se conhece”, afirma Sammliz. “É uma cidade tão complexa, com tanta coisa rolando. Nas regiões periféricas rolam tantas coisas diferentes, que não passam aqui pelo Centro da cidade, e nós mesmos não vamos para lá. Então, estamos ampliando nossos próprios horizontes”.

“São artistas que passam fora da cena convencional, e eles falaram sobre como eles vivem essa produção no universo deles, que é totalmente distante desse cenário de classe média em que nós vivemos”, reconhece Ana Clara. Um reconhecimento especialmente notável, já que tanto ela como Sammliz e Lucas Padilha têm carreiras autorais, com sonoridades associadas ao indie e ao rock – as duas como solistas, e Lucas à frente da banda Meio Amargo.

Raul Bentes e Leo Bitar são pesquisadores musicais. O primeiro ainda é radialista e DJ, e o segundo é proprietário do selo/loja discosaoleo e designer de som, além de colecionador notório. De outras maneiras além da própria Rádio Cultura rádio, os cinco já haviam se dedicado iniciativas culturais em Belém, uma cidade que, mesmo “longe demais das capitais”, ganhou merecida atenção nacional nas últimas duas décadas, de modo a não poder ser mais ignorada do mapa da música brasileira nem pelos empedernidos esnobes das regiões Sul e Sudeste.

“A loja do Leo é um epicentro, um local de agregação. A gente já se reunia lá antes de o coletivo existir. É um lugar que tem sua história particular para outras cenas, outros produtores, e tá todo mundo procurando lugar para escoar seu trabalho. Acontecem shows por ali, e sempre que uma banda vai tocar leva mais um – para tocar ou para ver”, conta Raul.

Essa questão de fazer as pessoas se moverem está entre as atribuições do coletivo. Embora tenha nascido usando a internet como ambiente de exposição, experimentou no ano passado fazer uma transmissão com plateia. E deu tão certo que o modelo deve se repetir com maior frequência em 2020.

“Todos os programas acontecem primeiro na live do Instagram, mas a interação online é um tanto quanto travada, em termos de ritmo de programa. Até ver o que a pessoa escreveu, responder e seguir, demora. Fora que o sinal de internet pode ficar ruim para nós ou para o ouvinte, e isso compromete essa interação. Ao vivo a pessoa se sente mais próxima”, afirma Ana Clara.

O piloto dessa iniciativa contou com a cantora Keila como convidada, e a própria artista sentiu a diferença na dinâmica. Enfim, muito parecido com os programas ao vivo com plateia que as rádios executavam, e que há anos vinham deixando de lado.

Mas rádio e podcast não são, essencialmente, a mesma coisa? Essa é uma discussão antiga. Para Leo Bitar, não há necessidade de se alongar: é apenas o rádio na internet. “E a gente escolheu começar com um podcast porque a gente vinha do rádio e não tinha uma rádio para fazer nosso programa (risos). A diferença é o público que a gente atinge, principalmente no sentido de alcançar gente mais jovem. Dizem que jovem não escuta mais rádio, mas escuta podcast”.

Lucas conta que, apesar da apregoada semelhança entre os dois meios, a migração não foi natural. “A gente se bateu um pouquinho no início até aprender a usar, no sentido de adaptar a linguagem. O formato de podcast é mais aberto, enquanto a rádio era mais direcionada. A rádio também tinha bem mais estrutura”.

Raul acredita que o podcast é mais livre que a rádio. “Na rádiom você usa sua criatividade, mas tem tempo limitado, música limitada. Pro podcast, a gente começou com a ideia de fazer programa de meia hora e já teve episódio de uma hora e vinte (risos). É muito bacana, a gente tem liberdade para fazer o que quiser. Ninguém diz que tem que fazer assim ou assado, a gente pega as ferramentas que tem e leva para uma coisa mais aberta”.

Mas o podcast da Casa Raio que o Parta, cuja segunda temporada está programada para se iniciar em março, é uma das iniciativas do Parquet. Há as playlists organizadas a partir das discussões do programa e das propostas do coletivo: Rádio Mental e Chiado Faixa Bônus. Neste ano, devem estrear ainda um novo podcast, Melacolindie (sobre o indie do início dos anos 2000) e um programa no YouTube com bate-papos sobre vinil, apropriadamente batizado de Prateleira.

E como tudo isso se mantém, financeiramente? “Por enquanto somos nós por nós”, resume Ana Clara. Ela reconhece que está longe de ser o ideal – afinal, é necessário investimento de tempo e de recursos para que esse trabalho se mantenha. E embora eles estejam buscando editais e fontes de apoio, pretendem seguir porque, como diz a mesma Ana, “dentro desse contexto social e cultural em que estamos vivendo, fazer é meio que urgente, até para nossa saúde mental. Traz um alento, tem um efeito terapeutcio para a gente”.

A cantora e radialista prossegue: “O que a gente vive agora é o movimento extremo da indústria cultural. Essa dispersão é desenfreada, as coisas todas se transformam em produto. Mas a gente trabalha nessa área por escolha, é uma vontade de contribuir para que esse tipo de trabalho apareça mais”.

“O bacana de trabalhar em coletivo com amigos que se gostam e se conhecem muito bem é que esse comprometimento faz com que um puxe o outro quando estamos em momentos diferentes. A gente está em momentos diferentes, é fato, e um puxa o outro. Quem trabalha com arte é passional mesmo. Tem hora que o bicho pega, e um abraça o outro quando precisa. Tem vezes em que a gente quer fraquejar, porque tem mil coisas acontecendo, mas eu me sinto muito comprometida, graças aos meus amigos. Eu ia estar muito mais chateada sem isso. Isso salva minha vida”, complementa Sammliz.

“A gente se encontrou vindo de uma radio pública que tinha o comprometimento de levar uma cultura de forma democrática, aberta. Não quero ser pretensioso, mas como coletivo, nossa ideal de comunicadores é o de reabrir esse espaço”, finaliza Lucas.

Para acompanhar o Coletivo Parquet:
Instagram – @coletivoparquet
Facebook – facebook.com/coletivoparquet
Spotify: Podcast
Spotify: Playlists
Castbox – https://castbox.fm/vc/2154043
Apple – https://podcasts.apple.com/br/podcast/coletivo-parquet/id1466692566

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Alberto Bitar / Divulgação

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