Boteco: Cinco cervejas da Dádiva (SP)

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma série da Dádiva, de Várzea Paulista, interior de São Paulo, uma cervejaria que vem cada vez mais surpreendendo com seus lançamentos. A primeira da série é a Lucid Dream #1, uma New England APA com leveduras Vermont e Bretta mais lúpulos Simcoe e Mosaic (ambos Cryo Hops) lançada em junho de 2017, uma colaborativa da Dádiva com a gaúcha Suricato (sobre a segunda já falei aqui – a terceira vêm na sequencia). De coloração amarela dourada levemente turva com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Lucid Dream #1 exibe um aroma delicioso de frutas cítricas (manga, tangerina e pêssego) com leve toque funky derivado da levedura. Na boca, suquinho rebelde de frutas cítricas no primeiro toque seguido de condimentação, um toque funky marcante de levedura, e baixo amargor, ainda que facilmente perceptível. A textura é muito mais rebeldezinha que a versão da #2. Depois que a língua se acostuma com a festinha da Brett, o conjunto se torna um veludinho. Dai pra frente surge um conjunto incrivelmente cítrico (belo uso de Cryo Hops) e levemente funky, na medida. O final é levemente funky. No retrogosto, cítrico distante, mais funky e um leve mineral. Muito boa!

Lançada em fevereiro de 2018, a Lucid Dream número #3 mantém as cepas de levedura (50% Vermont Ale e 50% de alguma espécie de Brettanomyce), mas altera a lupulagem, agora concentrada em Cryo Hops de Mosaic e Equinox. O resultado é uma cerveja de coloração amarela menos dourada do que anterior e levemente turva com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, a Lucid Dream #1 exibe um aroma mais elegante, com frutas cítricas novamente surgindo em primeiro plano, mas puxando para lichia, uva verde e goiaba. Assim como na versão #2, a Bretta soa menos rebelde e mais podada, ainda que consiga acrescentar um toque leve de funky e condimentação no aroma, além de doçura. Na boca, frutado cítrico incrível com doçura e leve condimentação remetendo a pimenta preta no primeiro toque. Na sequencia, mais doçura e mais cítrico. A textura é suavemente picante e segue a linha mais comportada da #2, com suavidade sedosa na sequencia. Dai em diante, uma cerveja caprichada, que soa mais equilibrada que a versão #1, ainda que quem ama Bretta (como eu), fique um pouco decepcionado. No final, bastante cítrico e leve funky. O retrogosto, porém, é mais caprichado com cítrico, funky e refrescancia no mesmo nível.

A terceira da série é mais uma parceria de acidez entre a Dádiva e a 2Cabeças, que já rendido a ótima Pink Lemonade e agora segue com Yellow Tart, que mantém a arte da anterior, mas aqui investe nas frutas amarelas numa receita que une trigo, malte, aveia e quinoa, além de abacaxi, manga e pêssego. De coloração amarela, juicy como um suco, e creme branco de média formação e rápida dispersão, a Yellow Tart apresenta um aroma com frutas cítricas no comando com abacaxi, manga e limão siciliano em primeiro plano e pêssego mais suave, mas perceptível, assim como a acidez adiantando pancada. Na boca, abacaxi, manga e limão siciliano intensos no primeiro toque seguido de acidez porrada e uma suave adstringência. A textura é frisante e picante fervilhando sobre a língua. Dai pra frente surge uma cerveja extremamente refrescante, cítrica e com acidez potente, num conjunto que mostra capricho ao valorizar o extremo do estilo com frutas que não o amaciam, mas o complementam. Baita acerto. No final, azedume suave, acidez e casca de limão. No retrogosto, mais casca de limão e adstringência suave. Delicinha.

A próxima é da série Milkshake, que já conta com quatro versões lançadas, uma New England IPA que recebe adição de lactose e frutas. Lançada em novembro de 2017, a versão número 2, acima, recebeu adição de maçã e abacaxi e apresenta uma coloração amarela juicy, turva tal qual um suco, com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, notas cítricas suaves sugerindo abacaxi e laranja lima seguido de leve doçura da lactose e um toquezinho de baunilha. Na boca, o primeiro toque pesca doçura cítrica de abacaxi e um leve amargor (são 70 IBUs, mas se falassem 50, passava) com aumento da doçura e amargor mais suave na sequencia. A textura é picante (principal sensação, trazendo ainda percepção de picância de levedura, não dos lúpulos) e cremosa e, dai pra frente, surge uma ótima NE IPA, suave e sedosa devido ao uso (excessivamente) equilibrado da lactose (diferente da poderosa The Big Show). No trecho final, amargor cítrico limpo e caprichado. No retrogosto, mais amargor cítrico fechando o passeio. Bem boa (apesar dos pesares).

Fechando essa bela série com a versão número 3 da Milkshake, que mantém o padrão New England IPA da série com adição de lactose e frutas, aqui pêssego e maçã. De coloração amarela juicy, turva tal qual um suco, e creme branco de média formação e retenção, a Dádiva Milkshake 3 exibe ao nariz um aroma aparentemente mais intenso de frutas cítricas e tropicais (pêssego em destaque) do que a versão 2, o que também pode ser turbinado pela levedura, que aqui surge mais provocativa acrescentando mais funky do que na versão anterior. Ainda é possível perceber doçura de lactose. Na boca, a potência cítrica e o amargor aparecem mais separados no primeiro toque, com a levedura se intrometendo e provavelmente influenciando com picância e condimentação na percepção inicial de IBU (parece 70 IBUs, mas, na verdade, a potência da levedura, mais destacada aqui, está acrescentando picância, acidez e condimentação). O conjunto se acalma devagarzinho na sequencia. A textura é mais picante e frisante do que na versão anterior e, dai em diante, ela segue provocante, cítrica e saborosa até o final, levemente picante e cítrico. No retrogosto, pêssego, acidez suave, adstringência e doçura. Gostei mais!

Balanço
Abrindo essa série Dádiva com a Lucid Dream #1, uma American Pale Ale turbinada com leveduras Brett e Vermont que soa rebeldezinha e deliciosa. Gostei mais dela do que da Lucid Dream #2. A versão #3 segue o padrão estabelecido pela #2 (menos selvageria Bretta e mais equilíbrio) e me soou melhor finalizada, ainda que o conjunto da #1 me encante mais. A nova colab entre 2Cabeças & Dádiva, Yellow Tart, é um grande acerto num conjunto que mostra capricho ao valorizar o extremo do estilo com frutas que não o amaciam, mas o complementam. A Dádiva Milkshake 2: Abacaxi e Maçã é uma delícia, com bastante cítrico, amargor mais intenso do que se vê por ai em NE, mas lactose suave. Já a Milkshake 3 me soou mais interessante e, ainda que a levedura salte a frente e toma grande parte do destaque para si, provocativa.

Dádiva Suricato Lucid Dream #1
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3,71/5

Dádiva Suricato Lucid Dream #3
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3,65/5

2Cabeças & Dádiva Yellow Tart
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 3,65/5

Dádiva Milkshake 2: Abacaxi e Maçã
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.9%
– Nota: 3,64/5

Dádiva Milkshake 3: Pêssego e Maçã
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.9%
– Nota: 3,75/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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