Cinema: “Me Chame Pelo Seu Nome”, de Luca Guadagnino

Texto por Renan Guerra

Lançado no início de 2017 no Festival de Sundance, “Me Chame Pelo Seu Nome” (“Call Me By Your Name”) surgiu como um filme pequeno, de caráter independente, e foi crescendo durante o ano, após seu lançamento comercial nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, terminando 2017 na lista de melhores filmes do National Board of Review e do American Film Institute (e de alguns votantes do Melhores do Ano Scream & Yell), além disso, e tem se tornado presença constante em premiações como o Globo de Ouro, o Critics’ Choice Awards e o Independent Spirit Award, colocando seu nome entre os cotados da corrida pelo Oscar 2018. Tendo o nome do brasileiro Rodrigo Teixeira entre seus produtores, “Me Chame Pelo Seu Nome” foi exibido no Festival do Rio ano passado e chega agora as salas de cinemas brasileiras.

“Me Chame Pelo Seu Nome” acompanha o jovem Elio em seu despertar sexual perante a presença de um novo aluno de seu pai, que passa a residir junto da família em sua casa de verão, em algum lugar ao norte da Itália. Como um clássico romance pequeno burguês na Europa, o filme acompanha de forma delicada esse fervor do primeiro amor, em meio às tensões da sexualidade dúbia de ambos. Adaptado do romance de mesmo nome do norte-americano André Aciman, “Me Chame Pelo Seu Nome” vem sendo desenvolvido desde 2007, ano de lançamento do livro. A ideia inicial era que o italiano Luca Guadagnino (de “Um Sonho de Amor”, 2009) e o norte-americano James Ivory co-dirigissem o longa, porém o resultado final foi Luca na direção e James responsável pelo roteiro, que remete ao auge da produção “Merchant-Ivory”: “Retorno a Howards End” (1992) e “Um Janela para o amor” (1985), e mais diretamente ao clássico “Maurice” (1987), drama também de temática homossexual. De todo modo, “Me Chame Pelo Seu Nome” é mais solar e apaixonado do que “Maurice”, um longa que falava mais sobre repressão e medo, em contraste à liberdade e as descobertas desse novo lançamento.

A direção de Guadagnino é a responsável por dar um tom leve ao filme, que entre banhos na piscina, leituras pela casa e conversais triviais, cria uma tensão sexual latente, que pulsa como se retornássemos a nossa profusão de hormônios adolescentes. Desde os primeiros takes, com estátuas de mármore a exaltar a beleza masculina grega clássica, fica claro que a estética tem importante função no filme, tanto na construção do desejo desses personagens quanto na construção do universo onde eles transitam, criando uma alegoria de pungente beleza visual. O resultado tão charmoso é o encontro de atuações precisas do elenco, em especial do jovem Timothée Chalamet, e de uma cuidadosa fotografia, de responsabilidade do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (que trabalhou ao lado de Apichatpong Weerasethakul em “Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”, de 2010). De takes bem construídos e cores marcantes (o azul cristalino, o verde-água e aquele amarelado do sol entrando pelas janelas), destaca-se também o figurino, que é o ponto mais marcante na reconstrução de época (a história se passa em 1983). Além disso, a trilha dá um tom de saudosa melancolia ao filme, em especial as canções assinadas por Sufjan Stevens, que ficam na cabeça do espectador ao final da projeção.

Um dos destaques da produção é Michael Stuhlbarg, na pele do pai de Elio; sua delicadeza ao interpretar o texto e a transcender o não-dito é marcante, tanto que seu nome é um forte candidato ao posto de concorrente ao Oscar de Ator Coadjuvante. Armie Hammer, como Oliver, sedimenta aqui seu caráter de galã, mas, mesmo assim, ele surge praticamente como uma escada para Chalamet, a real estrela do filme. Presente no também cotado ao Oscar “Lady Bird” (2017), Timothée Chalamet consegue congregar de forma sábia o tédio, a tensão e a ansiedade da adolescência. Elio é apresentado de formas múltiplas: fala diferentes línguas, ora francês, ora inglês; toca clássicos ao piano de forma certeira e usa camisetas do Talking Heads; lê livros clássicos e fuma como um adulto; celebra o namorico com uma adolescente de sua idade ao mesmo tempo em que não tem temores em tocar o corpo de Oliver de forma direta; um personagem cativante e delicadamente construído.

Apesar de extremamente bem recebido pela crítica especializada, “Me Chame Pelo Seu Nome” tem gerado debates dentro da comunidade gay, que enxerga uma perpetuação do estereótipo do romance-gay-branco nos personagens de classe alta do filme. Além, há um complexo debate sobre a diferença de idade entre ambos, já que o personagem de Elio não tem completos 18 anos, levando a outra construção social de iniciação homossexual de jovens por homens mais velhos. Em todo caso, não há como negar: “Me Chame Pelo Seu Nome” é realmente um filme de “problemas de primeiro mundo” ou “problemas de brancos ricos” e em nenhum momento se propõe a ser um libelo de luta de classes ou de representatividade, mas sim tão-somente um romance, um “coming of age”, um extrato daquele pequeno momento e assumir-se assim, de forma tão firme, é um dos trunfos do longa, pois ele fala de forma bastante verdadeira sobre os personagens ao qual se limita. Nesse sentido, deve-se evitar a comparação com “Moonlight” (2017), já que o ganhador do Oscar do ano passado é uma história socialmente bem mais complexa e com diferentes camadas, sendo a presença de personagens homossexuais a única semelhança entre ambos os filmes.

De todo modo, contar histórias de amor é basilar na construção de quase todos os filmes e livros, portanto já se começa em desvantagem ao contar histórias que todo mundo já contou, ainda mais quando já temos romances suntuosamente poderosos (desde “Casablanca” até a trilogia “Before”, passando por pérolas como “Hiroshima, Meu Amor”). No final das contas, o trunfo de “Me Chame Pelo Seu Nome” é a sua delicadeza em construir e costurar encontros, diálogos e olhares num filme sugestivo, que conta uma história já conhecida de forma distinta, entre a melancolia e a sensualidade, apresentando de forma pungente todas as descobertas e “primeiras vezes” de Elio. Enfim, gostando do filme ou não, depois de assisti-lo você nunca mais verá um pêssego com os mesmos olhos.

– Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha. Escreve para o Scream & Yell desde 2014.

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