Gran Torino, de Clint Eastwood

Por Marcelo Costa

Vivemos uma época estranha de exploração (comercial e ideológica) das diferenças. O racismo tão impregnado na cultura desde o berço da civilização – tanto ocidental quanto oriental – ganhou nas últimas décadas um adversário sério, inflexível e na maioria das vezes sem nenhum senso de humor chamado “politicamente correto”, termo abraçado pelas novas gerações que o usa quase sempre de forma rasa sem aprofundar discussões ou tentar entender o cerne deste ou daquele ato.

Em uma aldeia global que cada vez mais defende a livre opção de sexo e promove uma interessante fusão de raças, credos e cores, o racismo ameaça sair de moda em termos gerais, mas permanece infiltrado até a medula na personalidade humana. “Nascemos racistas ou viramos racistas com o tempo?”, é o pensamento que vem a seguir, mas o que Clint Eastwood propõe em seu belíssimo – e tristissimo – longa “Gran Torino” é uma outra forma de redenção: uma pessoa pode deixar de ser racista? Em que circunstâncias?

No interior brasileiro, um velho imigrante fuzila com palavras cruéis pessoas de pele escura. Um de seus melhores amigos, porém, é negro. “Mas ele tem alma branca”, diz tentando justificar a exceção. Apesar de sua natural veia cômica, o ato exterioriza a incapacidade das pessoas de habitarem um ambiente multicultural cuja crença em religiões, a cor de pele e a opção sexual não são (ou melhor, não deveriam ser) tratados de forma estereotipada. Sob diversos pontos de vista somos diferentes, e nunca fomos tão iguais.

Walt Kowalski, personagem central de “Gran Torino”, é um amontoado de clichês racistas. Conta piadas cujos personagens são negros, orientais ou homossexuais, pragueja contra os piercings de sua neta, abomina os vizinhos asiáticos e critica o filho que vende carros estrangeiros. Lutou na Coréia e trabalhou na linha de montagem da Ford tendo montado o modelo Gran Torino 1972 que exibe com prazer na garagem. É o típico cidadão médio que se entope de cerveja, segura rifles como se fossem escovas de dentes e abomina os tempos modernos que transformaram seu velho bairro em um reduto oriental.

A partir das credenciais apresentadas, o desenvolvimento do roteiro é óbvio e sentimentaloide, tropeça na atuação de atores secundários, mas não perde o foco. Clint dirige com simplicidade uma história simples, então não espere grandes variações estilísticas nem reviravoltas desordenadas. Tudo que a lente do diretor foca é aquilo que precisa ser mostrado, sem exageros cinematográficos, e se a forma direta e enxuta com que o filme chega ao público não faz dele uma obra-prima, impressiona como o diretor mantém a história na linha sem quedas ou tropeços.

No fim, como outros bons filmes recentes do diretor, a razão cede lugar ao coração e o pessimismo que expõe ao defender que precisamos nos sacrificar para colocarmos um pouco de ordem no caos que vivemos também carrega neste ato simbolista uma grande dose de heroísmo social em um mundo cada vez mais particular. Remete a lembrança de um tempo que ficou no passado como um velho carro, fotos desbotadas e medalhas de guerra. Nostálgico, “Gran Torino” abusa do politicamente incorreto. E emociona.

 “Gran Torino”, de Clint Eastwood – Cotação: 3/5

Leia também:
– “A Conquista da Honra” – “Cartas de Iwo Jima”, por Marcelo Costa (aqui)
– “As Pontes de Madison”, de Clint Eastwood, por Marcelo Costa (aqui)

9 thoughts on “Gran Torino, de Clint Eastwood

  1. Ótima visão Marcelo, gostei muito do filme, difícil rir ‘a sério’ num drama com personagens ‘politicamente incorretos’, nas comédias rasteiras esses pensamentos são mais monocromáticos.
    Clint soube esquematizar muito bem esse be-a-bá. Só acho que no final mais que um ‘sacrifício’ (de uma nação) não deixa de ser tb uma ‘expiação’. Uma forma de pedir perdão e se perdoar por seus atos. Já que ele recusa o confessionário católico (o faz mais ou menos depois de forma menos ‘epifânica’) o fim dá paz a uma alma atormentada.
    Abs

  2. Ótimo texto, somente uma correção, no filme ele lutou na Córeia e não no Vietnã…

    Outra ponto que acredito que vale a pena mencionar, apesar da tristeza, do drama, por incrível que pareça o filme é beeeeem engraçado, não imaginei que seria, mas não faltaram risadas na sala em que fui… a maneira que ele trata os Hmong é hilária…

    abs

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