Três shows: Ná Ozzetti, Amaro Freitas e Otto

Ná Ozzetti no Sarau Bar – terça-feira, 23 de abril
texto e vídeos por Marcelo Costa

Novo hotel de luxo inaugurado no começo de 2024 próximo do entroncamento entre as avenidas Faria Lima e Rebouças (e, também, da Casa Natura Musical), o Pulso Hotel Faria Lima tem em seu hall de entrada um jardim de inverno com um enorme painel branco com um poema em braile assinado por Nuno Ramos. No lado esquerdo fica o bistrô Charlô e, no direito, o intimista Sarau Bar, com carta de drinks assinada por Gabriel Santana (“Dos melhores bartenders do momento”, segundo Bruno Capelas, responsável pela newsletter “Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais”) e uma programação de shows às terças-feiras com curadoria de Romulo Fróes, que para o primeiro mês escalou nomes como Metá Metá, Ava Rocha e Maria Cristina Ozzetti, a queridíssima Ná, que surgiu acompanhada pelo compositor, violonista, arranjador, produtor musical e irmão Dante Ozzetti no violão e o genial colaborador (desde 2004) Mario Manga, um eterno Premeditando o Breque, alternando-se com elegância entre a guitarra e o violoncelo. No espaço, diminuto, não cabem mais que 50 pessoas, o que torna a experiência do show ainda mais especial. Ladeada pela dupla de músicos e completamente à vontade, Ná Ozzetti mostrou canções inéditas como “Meus Planos”, parceria bonita com Zélia Duncan, “Japi”, parceria com Zeca Baleiro inspirada na Serra do Japi, e “Ouvi Falar”, parceria com Romulo Fróes (inéditas em streaming, as três estão presentes no doc “Se Você Aparecer”, filmado por Luan Cardoso em 2022), números de dois projetos famosos seus cantando Carmen Miranda e Rita Lee que ela uniu em 2024 no show “Balangandãs Babilônia” (“Camisa Listrada”, “Na Batucada da Vida”, “Mutante” e “Coisas da Vida”) e um passeio por seu repertório autoral em números absolutamente deliciosos como “Tempo Escondido” (de seu segundo álbum solo, “Ná”, de 1994), “Equilíbrio” (parceria com Luiz Tatit presente no álbum “Meus Quintais”, de 2011, que também foi representado pela ótima “A Velha Fiando”) além de canções de seu disco mais badalado, “Estopim” (1999), como “Capitu”, “Ultrapássaro” e a faixa título num daqueles shows que a gente espera que não acabe, mas que se acabar que seja com “Adeus Batucada”. Bonito demais.


Amaro Freitas no Sesc Pompeia – sábado, 28 de abril
texto e vídeos por Bruno Capelas

Foi no palco do teatro do Sesc Pompeia que Amaro Freitas tocou em São Paulo pela primeira vez há quase uma década, lançando o disco “Sangue Negro” (2016). Desde então, ele transformou em ritual voltar ao mesmo cenário toda vez que lança um novo álbum. Mas, a cada retorno, o pianista pernambucano parece se tornar ainda maior – um fenômeno que pode ser testemunhado de perto por cerca de 800 pessoas que lotaram o local na noite do último sábado, 28 de abril, na primeira de duas datas que o compositor fez na cidade para celebrar o disco “Y’Y” (2024). Festejado pela imprensa estrangeira e recém-chegado de uma turnê europeia, Amaro mostrou em pouco mais de 90 minutos o repertório do novo trabalho, que deu a ele o status de “homem do momento” da música brasileira lá fora. Não é difícil entender o porquê: baseado numa visita que o pianista fez à comunidade indígena Sateré Mawé, próxima a Manaus, o álbum não é só um tributo às águas e à natureza, como o compositor fez questão de frisar em um discurso. “Y’Y” é também uma homenagem a uma caudalosa tradição da música brasileira, com pontos marcados em Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos, Tom Jobim e Luiz Gonzaga – este, lembrado de maneira singela com a melodia de “Asa Branca” surgindo em meio a “Sonho Ancestral”, um dos momentos mágicos da noite de sábado. Seja tocando o piano de maneira tradicional, preparando-o (adaptando John Cage para os trópicos) com fitas, dominós e contas, ou ainda soprando um singelo apito de pássaro, Amaro é capaz de produzir sons como pouca gente faz no mundo hoje. Tão interessante quanto a sonoridade que produz, porém, é enxergar a relação entre o pianista e seu público. Em vez da austeridade da música de improviso e do jazz contemporâneo, o pernambucano se dirige à plateia sempre de forma bem-humorada e carinhosa, como quem sabe que parte do segredo da música é a troca entre artista e audiência interessada. Foi algo que se pode sentir, por exemplo, em “Gloriosa”, escrita para a mãe, com Freitas esmerilhando o piano enquanto convidava o público a cantar uma melodia tão simples quanto marcante, em comunhão rara e intensa. Melhor ainda é saber que demonstrações assim podem se repetir por muitas e muitas vezes nos próximos anos, dada a juventude e a evolução de Amaro até aqui. Feliz de quem puder participar.


Otto no Cine Joia – domingo, 29 de abril
texto por Marcelo Costa, vídeos por Bruno Capelas

A história é conhecida: completamente baqueado após o fim do casamento com Alessandra Negrini, Otto pariu um dos discos obrigatórios da música brasileira neste século, “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” (2009). O álbum completa 15 anos em 2024 sendo relançado em vinil pela segunda vez (a primeira tiragem esgotou e estava custando uma fortuna em sites de revenda) e revivido nos palcos em noites sold out no Rio (Circo Voador) e em São Paulo (Cine Joia). Sempre matadora, a Jambro Band (Alexandre Guri e Junior Boca nas guitarras, Meno Del Picchia no baixo, André Male na percussão, Beto Gibbs na bateria, Yuri Queiroga nos teclados e a participação especial de lhan Ersahin no sax) abriu a noite paulista com “Crua” e um coro imenso de 1200 pessoas ecoou no velho cinema, arrepiando. O coro se seguiu sem pausas em “Janaina”, “Meu Mundo” e “Filha” como todo mundo sacolejando e rasgando a voz no refrão marcante: “Aqui é festa, amor / E há tristeza em minha vida”. Então surgiu o hino “Seis Minutos”, uma daquelas canções que todo mundo devia assistir ao vivo ao menos uma vez na vida, em versão irrepreensível. O show, porém, atingiu o clímax cedo demais: Otto chamou ao palco sua atual esposa, Lavinia Alves, e ela, ainda que esteja se lançando em carreira solo, não conseguiu com seu fiozinho de voz manter a magia das canções cantadas por Céu (“Leite”) e Julieta Venegas (“Lágrimas Negras” e “Saudade”) no álbum, e os números soaram apagados – com Otto também mais acomodado em cena (se você viu algum show dele sabe que o palco é um espaço a ser desbravado para esse performer inquieto). Na sequência, outro momento intenso: Bettina, filha de Otto e Alessandra, surgiu em cena para cantar “Naquela Mesa”, o clássico de Sérgio Bittencourt escrito para o pai, Jacob do Bandolim, e imortalizado por Nelson Gonçalves, que Otto tomou para si. Seria preciso não ter sangue nas veias para não se emocionar com uma filha, corajosa e desajeitada no habitat natural do pai, cantando “naquela mesa ‘tá faltando ele / E a saudade dele ‘tá doendo em mim” ou “E nos seus olhos era tanto brilho / Que mais que sua filha / Eu fiquei sua fã”, e Otto sentiu o momento – o fato de Alessandra Negrini estar na plateia pode ter pesado também. Recuperando-se aos poucos, Otto encavalou uma sequência matadora de hits próprios (“Tv a Cabo”, “O Celular de Naná”, “Cuba”, “Bob”, “Ciranda de Maluco”), recebeu Lirinha e Heloá e ainda fez suas tradicionais homenagens à Nação Zumbi numa noite de terapia em grupo repleta de grandes canções.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

As fotos que abrem o texto são Julia Magalhães (Otto), Taba Benedicto (Amaro Freitas) e Marcelo Costa (Ná Ozzetti)

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