“Wild Mood Swings”, o mais criticado e incompreendido trabalho do The Cure

texto de Luciano Ferreira

Após o sucesso de “Disintegration” (1989) e “Wish” (1992), dois álbuns de canções densas, com longos momentos instrumentais, e que venderam muito (juntos eles bateram na marca dos 8 milhões de cópias vendidas no mundo todo), Robert Smith resolveu mudar o enfoque em seu (atrasado) décimo álbum de carreira, “Wild Mood Swings” (1996), lançado em plena efervescência do britpop.

No período pós-“Wish” que antecedeu “Wild Mood Swings”, a banda emplacou a faixa “Burn” na trilha do filme “O Corvo” (1994), mas perdeu dois membros importantes da formação que produziu uma sequência de quatro grandes álbuns: o guitarrista Porl Thompson e o baterista Boris Williams. Por outro lado, o tecladista Roger O’Donnell retornou ao grupo assim como Simon Gallup, que havia se afastado por problemas de saúde, foi reintegrado.

A então formação dos sonhos de Robert Smith, que desde “The Head On The Door” (1986) marcou um período frutífero e feliz internamente para o grupo, começara a se desfazer. Embora Smith tenha comentado em entrevistas que essas mudanças deram novos ares para o grupo, elas tiveram impactos decisivos e não muito positivos na sonoridade de “Wild Mood Swings”. Apesar de tudo, o líder do Cure estava feliz, mesmo após uma arrastada batalha judicial promovida pelo ex-integrante e fundador Lol Tolhurst, que deixou a banda logo após “Disintegration”.

Dessa forma, o Cure que deu início às gravações de “Wild Mood Swings” em 1995 era formado por Robert Smith (guitarra, Fender Bass VI – um instrumento hibrido entre guitarra e baixo que é uma das marcas do som do Cure – e vocais), Simon Gallup (baixo), Perry Bamonte (guitarra, Fender Bass VI e teclados) e Roger O’Donnell (teclados) com Jason Cooper assumindo a bateria em nove das quatorze faixas (Mark Price tocou em outras três, incluindo o single “Mint Car”, e Louis Pavlou e Ronald Austin tocaram, cada um, em uma canção do álbum) e fixando-se como membro oficial desde então (incluindo o show do Primavera Sound São Paulo, em 2023). A produção ficou dividida entre Smith e Steve Lyon, inicialmente contratado para ser engenheiro de som por conta de seu trabalho com o Depeche Mode.

O título escolhido para o disco – “mudanças bruscas de humor” – ilustra o momento mais radiante do líder do Cure. E é essa mudança de humor que se destaca tanto no conjunto de canções do disco quanto comparado à discografia pregressa. Ao invés de um trabalho monolítico e sombrio, centrado em temas que se conectam lírica e musicalmente, há aqui um conjunto de canções com temas e musicalidade diversificada, que se conectam com as fases mais “tolas” e até brincalhonas do Cure, e que rendeu canções como “Let’s Go to Bed”, “The Walk” e “The Lovecats”.

“Wild Mood Swings” é um álbum tão multifacetado quanto “Kiss Me Kiss Me Kiss Me” (1987). O grupo aposta na diversidade estilística se permitindo adicionar elementos que vão um tanto mais além do funk e do pop descompromissado adicionando ritmos latinos e optando por arranjos mais diretos e de clima mais ensolarado – ainda que as gravações contassem com o acompanhamento de um grupo de arranjo de cordas (viola, violino e cello) e outro de metais (trompete, saxofone e trombone).

Essas canções de um Cure mais colorido e menos sisudo se mesclam a outras com um pouco mais de densidade instrumental, sendo que as do segundo grupo estão entre os melhores momentos do álbum: “Want”, “Jupiter Crash”, “Numb”, “Trap”, a pungente “This is a Lie”, a tristonha “Treasure” (que soa como uma sobra do lado mais acústico de Disintegration) e, ainda, a melancólica “Bare”, uma música ao melhor estilo de “Wish”, que encerra o álbum. Parte daí a sensação de um trabalho desconjuntado, que atira para diversas direções, quando colocadas enfileiradas com algumas das canções que serão citadas adiante.

Enquanto “Kiss Me” foi um álbum de transição, com muitos pontos de ligação com o também multifacetado disco antecessor, “The Head on The Door”, “Wild Mood Swings” se insere numa sequência discográfica para a qual muitos não estavam preparados para uma mudança tão brusca. E, verdade seja dita, embora entregue alguns bons momentos, carece de uma faixa realmente marcante, algo que ajudou a impulsionar vários álbuns anteriores da banda, como “Friday I’m In Love” em “Wish”.

Tudo isso explica muito da maneira como o álbum foi recebido e a escolha obstinada de Smith por “The 13th” como primeiro single não ajudou na divulgação. Apesar de boa colocação em alguns países, não foi suficiente para impulsionar o álbum. Os metais ao estilo marichi e climas caribenhos que remetem a salsa apresentam uma outra banda. O Cure até já tinha feito algo semelhante lá atrás, mas em 1996 essa abordagem não “combinava” com o paradigma criado nos multiplatinados trabalhos anteriores, e mais ainda devido às expectativas criadas.

Robert Smith se defendeu dizendo que não era tão bom em escrever canções alegres, mas há ainda no álbum mais números de pop leve e descompromissado além “The 13th”: “Strange Attraction”, “Round & Round & Round”, “Gone!”, “Return” exibem uma vibe diferente. Há até um Smith irônico em “Club America”, onde canta, pela primeira vez, com uma impostação mais grave que o natural e que foi composta após uma experiência que teve em uma noitada por boates novaiorquinas com o pessoal do Depeche Mode.

Na apaixonadamente alegre “Mint Car” (segundo single do álbum), que compartilha muito de “Friday I’m In Love”, Smith quer deixar clara a maneira que se sente: “O sol nasceu, estou tão feliz que poderia gritar!/ E não há outro lugar no mundo onde eu preferiria estar / Do que aqui com você, é perfeito, é tudo que eu sempre quis”. É uma pop song ao estilo The Cure que poderia ter se tornado um hit, mas que não emplacou. Por outro lado, na abertura com a densa “Want”, o vocalista expressa a sensação de que tudo parece ao seu alcance em contraste com a fugacidade da existência.

Há alguns outros pontos que devem ser levados em consideração ao se analisar “Wild Mood Swings”: devido a pressa para o lançamento, por conta dos atrasos, Smith (a contragosto de Lyon) optou por distribuir a mixagem entre diversos nomes, incluindo os requisitados Alan Moulder e Mike ‘Spike’ Drake. A falta de um baterista fixo é outro elemento que desfavorece o resultado final do álbum. E não há como deixar de notar a perda de ênfase das linhas de baixo de Gallup, elemento marcante nos arranjos.

“Wild Mood Swings” é, ainda, um álbum longo, com quatorze faixas e mais de uma hora de duração. Mas o que amplifica a sensação de sua extensão em si não é nem tanto o tempo de duração, mas a falta de uniformidade que permeia o trabalho da primeira à última faixa. Não seria de todo estranho pensar que poderia ter sido quebrado em dois EP’s de “moods” diferentes, cada um com oito faixas. Mas mais interessante seria (quem sabe?) se pegassem os lados B’s dos singles: “It Used To Be Me”, “Ocean”, “Adonais”, “Home”, “Waiting” e “A Pink Dream” (todos lançados no imperdível box “Join the Dots”) poderiam compor um álbum e um EP.

Segundo Smith, a gravadora, na verdade, nunca sabia muito o que fazer com seus álbuns, como vendê-los ao público. Com “Wild Mood Swings” parece não ter sido diferente, embora a decisão final do que entraria ou não no disco tenha sido certamente do líder da banda, já que em determinado ponto da carreira ele decidiu que tomaria as rédeas em relação aos álbuns. Se até então suas escolhas mostraram-se acertadas, aqui as coisas não funcionaram como o esperado, a “mudança brusca de humor” causou estranheza e repercutiu na recepção do disco, nas vendagens e na posição nas paradas. Somado a isso, a predominância do britpop no Reino Unido e boa parte da Europa teve certo peso em como o disco foi recepcionado por público e crítica.

Resultado: o Robert feliz que disse ter percebido que tudo parecia possível pós-“Disintegraton” sairia decepcionado com a recepção e repercussão ao novo trabalho, e mais uma vez voltaria a colocar em xeque a continuidade da banda. A “volta por cima” viria alguns anos depois, com uma produção mais simplificada e o retorno aos ambientes densos de outrora, no sufocante “Bloodflowers” (2000). Mas isso é um outro capítulo…

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 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge : A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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