A nova cena portuguesa: A Armada

Entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa

Ao longo de quatro anos de atividade, A Armada transformou-se numa banda de rock tradicional com objetivos estruturados, mas ainda assim capaz de realizar shows em que a celebração e o envolvimento dos fãs é total. Para Ricardo Amaral (guitarra e coros), um dos mais recentes membros do grupo, A Armada não esqueceu as suas raízes: “A atitude de punk rock direto continua presente na banda. Somos certeiros, sem muitos rodeios e isso parece que ficou como herança dos primeiros tempos”. O grupo acaba de lançar o seu primeiro EP, “Clássico”, no qual são apresentados cinco temas. “Sinceramente”, com uma pegada The Who, bem como a frenética “Bandidos Do Cais” (com ambições de estádio), destacam-se e são reveladoras da experiência que A Armada adquiriu na estrada.

De acordo com Pedro da Rosa (voz e guitarra), “o próprio nome do EP foi escolhido porque as suas músicas são aquilo a que chamamos os clássicos d’A Armada” e acrescenta: “Todas as faixas do disco foram escritas há mais de um par de anos”. Atualmente, a banda pretende que os fãs se identifiquem com o grupo como um todo (imagem, som e atitude) e decididamente procura acentuar o caráter único dos seus shows. A versão de “Codinome Dinamite”, incluída no EP “Projeto Visto” (baixe gratuitamente aqui), continua a ser apresentada nas atuações d’A Armada. “É uma música que funciona bem ao vivo. A releitura que fizemos tem uma identidade própria e, embora não deixe de ser uma faixa do Garotas Suecas, ao escutá-la os fãs sentem que é nossa”, explica Ricardo Amaral.

A integração de novos elementos não alterou o espírito de amizade existente entre os atuais e anteriores integrantes da banda. O grupo prefere pensar numa ideia de presente que aponta para o futuro e traz consigo o seu passado. E defende a ideia de que o público escutará sempre o trabalho de cinco músicos e de algo mais que resulta da sua junção. Outro aspeto importante d´A Armada é a sua versatilidade: o baterista Nuno Moura já tocou saxofone tenor e Pedro da Rosa trompete. E a possibilidade de expandir o som da banda, mantendo a sua identidade, não é descartada. “Se vier um coro de garotas para cantar ou entrarem metais continuaremos soando como nós próprios. É uma caminhada em frente, criando desafios para quem nos escuta e obrigando o grupo a estimular-se criativamente”, reflete Nuno Moura.

O trabalho d´A Armada resulta de uma crença na música e na incorporação da sua tradição internacional com elementos pictóricos portugueses. No seu som está também presente uma ideia de honestidade e de fruição do momento, criando um acontecimento único que possa atrair o público devoto à arte imediata e universal do rock n´roll. “És bonita, és perfeita, és igual a toda a seita, mas beleza natural, não é milagre industrial” (canta-se na libertina “Má Rês”) e tal como no soft rock de “Afinal”, a banda onde também se inclui João Miguel Matos (voz e baixo) aposta na criação de uma linguagem privilegiada que permita a identificação dos seus fãs. De Lisboa para o Brasil, A Armada conversou com o Scream & Yell sobre a sua carreira. Confira:

“Clássico” é o EP que sempre sonharam fazer?
É um trabalho que contém músicas influenciadas por bandas que fazem parte do rock clássico. Para nós é um sonho tocar esse tipo de canções, porque os grupos em causa são referências de sempre d’A Armada. As nossas influências de guitarra e os riffs tradicionais estão presentes no “Clássico”. Sentimos que estamos procurando mais qualquer coisa, mas o EP foi um marco. Ao escutá-lo é possível entender quais são as nossas citações: Rolling Stones, Led Zeppelin e Black Sabbath, entre outros.

“Sinceramente” é a canção em que vocês fazem uma síntese entre o rock que vos influenciou e o trabalho desenvolvido na estrada. Concordam?
Sim! O próprio clipe evidencia isso mesmo. Ele apresenta o nosso lado The Who e é uma fotografia da banda naquele momento. O EP é mais um passo na caminhada de afirmação do som d´A Armada e resolvemos fazê-lo expurgando as nossas influências, mostrando-as e desenvolvendo uma sonoridade própria para que as pessoas a reconheçam como sendo do grupo. “Sinceramente” é um dos cinco exemplos que temos no disco e o clipe é muito vívido, retratando os shows, o elo fraterno que é criado na estrada e foi essa imagem que quisémos passar ao público.

De que trata a faixa “Bandidos Do Cais”?
O rastilho para escrever a “Bandidos Do Cais” foi uma aventura boêmia pelo Cais do Sodré, em Lisboa, numa época em que o surto de bares modernos na Rua Nova do Carvalho ainda não tinha acontecido. Tudo aquilo era muito caricatural, com diferentes tipos de espécies povoando as diferentes fases do dia. Eram turistas pela manhã, distribuidores e empregados da restauração à tarde, jovens que iam beber copos até às duas da manhã e depois a cena virava com prostitutas e bandidagem por todo o lado. Sentia-se que podíamos ser assaltados cada vez que se cruzava uma esquina, por malfeitores, tipo piratas, quando estão em terra. E foi nesta imagem que se pegou para compor a música. Acho que foi o último vestígio do antigo Cais do Sodré e achámos que merecia uma canção, uma forma de trova popular mascarada de rock n´roll com um bom riff, meio psicodélico, que retratasse essa zona a caminho da extinção.

Vocês sentem que trouxeram algo de novo para o rock português?
É uma pergunta difícil e matreira (risos). O nosso objetivo não é trazer algo de novo, mas se trouxermos será positivo. No entanto, tentamos sempre trazer um pouco de frescor, mantendo as bases já faladas, porque é impossível fugir à história do rock. Temos várias influências musicais (o baterista Nuno Moura estudou jazz e o ídolo do guitarrista David Ferreira é Eddie Van Halen), e existem muitos estilos que se cruzam. Por isso, temos esperança que o somatório das partes resulte num todo inovador. Se isso não for possível, esperamos que pelo menos o resultado seja genuíno.

O que podemos esperar do álbum?
Estamos procurando a nossa identidade. O álbum resultará em algo que já não está tão apegado às influências do grupo. Provavelmente, será um conjunto mais homogéneo comparativamente com aquilo que escutamos e gostamos de tocar agora. Na procura dessa autenticidade, que já vamos reconhecendo, temos algumas etapas a vencer. Para além da recente participação no festival Vodafone Mexfest, no dia 7 de Dezembro apresentaremos o EP no Sabotage Club, em Lisboa, e mostraremos um pouco do álbum. Importa dizer que o “Clássico” foi feito numa perspetiva holística da música (as cinco faixas têm clipes). A Armada não se limita às canções, é uma entidade inovadora que pensa na imagem e tem muito trabalho desenvolvido.

Daqui para a frente, quais serão os objetivos principais d’A Armada?
Acima de tudo fazer muitos shows, continuar o processo criativo e produzir mais clipes. O importante é estar próximo dos fãs através dos shows e mostrar-lhes a nossa música olhos nos olhos. Muito mais do que gravar discos é isso que gostamos de fazer. A Armada é uma banda que funciona bem ao vivo, é algo visceral e, nesse aspeto, os concertos são fundamentais para nós. Gostamos que o público se sinta como parte do grupo. Ter êxito e vender muitos discos é sempre uma consequência da honestidade e verdade do trabalho em conjunto e do suor que não resulta só do tempo em que temos as guitarras e baquetas na mão. Há sempre uma urgência dos artistas em lançar o produto do seu labor mas, muitas vezes, não aparece por necessidade de fama e é algo que tem de ser canalizado para algum lado. A Armada dirige essa energia para os instrumentos e se as pessoas gostarem e a transformarem em sucesso tanto melhor.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui

– Foto de Hugo Valverde

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