Entrevista: Mário Testoni Jr, do Casa das Máquinas, fala sobre voltar aos estúdios, resgatar clássicos e não se aposentar

texto de Bruno Moraes
fotos de Ivana Cassuli

No panorama do rock progressivo brasileiro dos anos 1970, o grupo paulistano Casa das Máquinas se destaca como uma das bandas que mesclaram o virtuosismo e os sintetizadores do prog-rock com o hard-rock setentista. Com discos clássicos como “Lar de Maravilhas” (1975) e “Casa de Rock” (1973), a banda trouxe ao mundo hinos como “Vou Morar no Ar” e “Vale Verde” e depois encerrou as atividades em 1978.

Retornando aos palcos nos anos 2000, e passando por algumas mudanças de formação inerentes a um hiato tão longo, o conjunto voltou aos estúdios sob a liderança do tecladista da fase clássica Mário Testoni Jr., lançando em 2022 o disco de retorno “Brilho nos Olhos” via Monstro Discos. Com novos instrumentistas e um vocal com técnica de heavy metal, o disco figura na discografia do Casa das Máquinas como um retorno aos trabalhos, mas também como algo bastante diferente da sonoridade característica da banda.

O Scream & Yell conversou com Mário Testoni Jr. após o show que o Casa das Máquinas fez no Psicodália, onde a banda dosou seu repertório clássico com músicas do trabalho mais recente, “Brilho nos Olhos”, e algumas pequenas surpresas para ouvidos atentos. O lendário tecladista trouxe suas impressões sobre o festival e o equilíbrio entre resgatar os clássicos e fazer o novo.

Como foi estar de volta no Psicodália para mais esta edição?
Rapaz, vou contar um segredinho! Faz cinco ou seis anos que o Psicodália parou (nota do editor: foram quatro anos sem festival). Nesses anos todos, toda vez que me perguntavam alguma coisa sobre música, em alguma entrevista, alguma live… eu sempre falei do Psicodália! “Por que o Psicodália acabou?”, “O Psicodália precisa voltar!”, “O Psicodália é um grande festival de música, é uma união de almas!” Porque tem um monte de alma aqui. Alma viva, morta… estão por aí! É rock and roll! Mas não é só rock and roll. Hoje estão fazendo aqui uma mescla de vários ritmos, de várias vertentes musicais. E isso é cultura, cara. Isso faz um país crescer, faz um povo crescer. O Psicodália é tão importante quanto a vida. Porque isso é vida. Isso que eu acabei de fazer ali [no palco] foi reviver. Eu já estava pensando em parar. Aposentar minhas mãos, sabe? Mas depois de hoje, vou continuar (risos). Por mais sei lá quantos anos.

Nossa! Que declaração forte, é emocionante estar aqui pra ouvir isso. E, falando sobre reviver, o Casa das Máquinas passou por uma ressurreição também, né?
Pois é! Depois de quarenta e cinco anos, voltamos para o estúdio. Gravamos um novo LP em vinil, CD e um compacto onde tem duas músicas inéditas, que não estão nem no CD e nem no vinil. E lançamos o “Brilho nos Olhos”, que é o novo trabalho do Casa das Máquinas. Vocês conheceram algumas músicas hoje aqui.

Na real, eu conheci antes. Eu ouvi em casa pra preparar a entrevista (risos)!
Aí! Fez a lição de casa! (risos) Mas reviver é isso aí. É renascer, trazer de novo alguma coisa que está esquecida lá, ou dando uma pausa e recarregando as baterias para poder voltar. O importante disso tudo é a volta. É você voltar, ter coragem de dar a cara a tapa. Como eu dei e como o Klauss [Pereira, um dos organizadores do Psicodália] deu. Klauss é meu irmão, meu companheiro. Um brother muito grande. Hoje foi uma correria e não consegui falar com ele pessoalmente. Mas já deixo aqui um beijo no coração dele e de todo mundo.

É interessante você usar o termo “reviver”. Porque quando algo revive, é uma nova vida. Então ela, por necessidade é diferente. E a sonoridade da banda, eu reparei quando ouvi o álbum e também ao vivo… Acho que muito também pela presença do novo vocalista, o Rodrigo Grecco, que tem uma colocação vocal bastante de heavy metal, isso pegou no som da banda. E como foi voltar a compor, junto com outros companheiros de estrada, como o Geraldo Vieira e também nomes novos?
É, o Geraldão… a gente tocou muito tempo atrás. Sempre gravando em estúdio, tocando juntos. Tocamos juntos aqui no Psicodália, inclusive. Tocamos Tutti-Frutti, com o [Luis Sérgio] Carlini! E cara, quando você une pessoas que estão a fim de fazer um trabalho, seja ele qual for… não importa, desde que seja a sério, indo com tudo pra cima… é uma energia ímpar. E foi o que aconteceu. Não só com o Grecco, mas com o Cadu, o Lucas e o Geraldinho. E essa vinda de duas meninas nos backing vocals… porque já estou velhinho, né? Não consigo mais fazer aquelas vozes agudas. E a medida mais inteligente é a de chamar alguém — se possível duas vozes femininas — que naturalmente estão em registros mais altos. E elas me ajudaram muito porque fazer esses vocais lá em cima não é fácil. Principalmente para mim, que já não sou mais nem cinquenta nem sessenta, mas sim setenta! Faço setenta anos agora em junho. E, como eu disse, estava pensando em dar uma pausa. Mas agora eu revivi (risos)

Achei muito bacana que, tanto no seu solo principal, quanto em alguns outros momentos ao longo do show, apareceram algumas referências que os nerds de música captaram. Desde a mais destacada, “Tocatta e Fuga em Ré Menor”, do Bach… Mas também teve Black Sabbath, e eu ouvi um Rick Wakemanzinho ali. E isso foi muito emocionante, porque foi a primeira vez que ouvi essa linha sendo tocada ao vivo. E tenho certeza de que, para muita gente, também. Como é trazer isso e ver uma garotada curtindo e vendo essa mistura da novidade com o clássico?
Essa observação que você está fazendo é, de fato, muito importante. Porque as pessoas têm um hábito, principalmente no Brasil, de criticar quando você vai tocar alguma coisa dos outros. Não estou me apropriando de nada quando faço isso, sabe? Só fiz uma menção. Porque tocar Bach, para quem toca piano ou teclado, é uma dádiva. É uma coisa super. E não só toquei Bach, mas toquei Mozart também, um pedaço da “Marcha Turca”. E toquei trechos de Rick Wakeman, Black Sabbath, coisas que lembravam muito do Jon Lord, fraseados que usei que remetem a ele. Porque, ao você copiar alguma coisa boa, você está acrescentando algo para você, assim como está doando para quem não conhece. Ou para quem já conhece, como você pontuou: você nunca tinha ouvido ao vivo nenhuma frase ou menção do Rick Wakeman. Mesmo que não seja a própria frase ou a execução da música completa, mas que lembre. E acho isso muito importante. Trazer e mostrar pra essa garotada… Se bem que aqui não tem uma garotada tão novinha assim! Mas essa geração está carente disso. Porque a nossa cultura, não só no Brasil mas mundialmente, está caindo cada vez mais. E a culpa e nossa mesmo, porque a gente se acomoda com o que está sendo feito. Se acomoda no imediatismo e esquece de trazer coisas boas, coisas trabalhadas… Costumo falar com os meninos [da formação atual do Casa das Máquinas]: “Você quer ser músico? Tem que estudar”. Principalmente música. Música não tem, “ah, agora eu vou parar de estudar”. Não tem como! É mais ou menos como um cirurgião neurológico, né? Como é que ele vai parar, se acomodar? Tem que estar sempre criando, trazendo, estudando e se aperfeiçoando. Porque a música é isso.

– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical.

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