Entrevista: Uma conversa sobre caos, coincidências e política com o trio experimental argentino Sur Oculto

entrevista de Bruno Moraes
fotos de Ivana Cassuli

Os argentinos da banda de progressivo experimental Sur Oculto constroem um som de muito peso tanto em estúdio quanto ao vivo. Com execução virtuosa e composições criativas que mesclam prog-rock, alguns riffs, ritmos funkeados, jazz, metal e eventualmente pitadas de piano que remetem ao Nuevo Tango, o trio formado por Sebastián Teves (baixo), Maximiliano Mansur (bateria) e Julián Rey (teclado) tece uma paisagem densa e caótica de muita personalidade.

Suas músicas – divididas em quatro álbuns sendo que o debute, “Trio”, é de 2002, e o mais recente, “IV”, de 2020 – têm títulos que vão do mais irreverente, como “Perro Nervioso” e “Elefante”, ao mais conceitual, como a série de composições numeradas “Zeitgeber” (atualmente com partes de I a VI), nome retirado da biologia e dado ao conjunto de fatores que ditam e regulam os relógios biológicos de seres vivos.

Com a pancada que é o som autoral do Sur Oculto, e especialmente depois do impacto de assistir o trio executando-o com muita virtuosidade no terceiro dia do Psicodália 2024, foi com muita empolgação que pedimos uma entrevista rápida com a banda — executada no portunhol subótimo do entrevistador. Na conversa, o trio falou sobre o momento político da Argentina atual, da vida de artista independente e da importância do caos e das coincidências.

Essa é a primeira vez que vocês tocam no Brasil?
Sebastián Teves: É a segunda! Tocamos em Criciúma, Porto Alegre e Florianópolis em 2018.

Não chegaram a ir a São Paulo?
Sebastián Teves: Não. O mais longe foi Florianópolis.

A música de vocês é muito impactante, e sei que há um público para música experimental que adoraria conhecer o trabalho da Sur Oculto, por isso a pergunta. Portanto, sintam-se muito bem-vindos a retornar quando possível. Mas diga-me: de onde vem o nome Sur Oculto?
Sebastián Teves: Sur Oculto é um nome que vem de uma combinação de palavras. A banda não tinha um nome, e precisávamos de um. Então montamos uma lista de palavras das quais gostávamos, e fomos riscando aquelas das quais gostávamos menos. E, ao final, sobraram as palavras “Culto” e “Sur”. E nenhuma das duas parecia boa. Então alguém falou “E aí, com qual vamos seguir? Sur ou Culto” [em Espanhol: “¿Sur o Culto?”]. E daí eu disse “Sur Oculto!”. Porque a ideia de um “Sul Oculto” representa um monte de coisas para nós.

Foi um acidente muito feliz. Porque há uma camada muito grande de realismo mágico no nosso continente latino-americano. Tanto que temos escritores imensos como Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. E a música de vocês evoca isso também. Como vocês encaram o realismo mágico no contexto de sua música? Acham um bom contexto histórico para se pensar a obra de vocês e nossa realidade surrealista?
Sebastián Teves: Há muitos destes acidentes felizes na música que fazemos. Não só no nome, mas na música em si. A banda Sur Oculto começou como um trio, com guitarra, baixo e bateria procurando um vocalista. Mas o vocalista nunca apareceu, então começamos a criar música instrumental. Um tempo depois, acrescentamos um tecladista. Depois o guitarrista saiu e ficamos teclado, bateria e baixo. Foi tudo se desenhando com o tempo, não foi nada planejado.

E a música também é feita neste estilo, seguindo um fluxo?
Maximiliano Mansur: Sim, muito através de improvisações. Algumas vezes alguém traz alguma ideia, mas normalmente o processo envolve improvisar, gravar, escutar e ver o que gostamos mais. E a partir daí, ensaiar e compor as músicas. Principalmente em cima de improvisações.

E vocês conseguiram escutar algum artista brasileiro aqui no festival? Eu vi o Sebastián durante o show da Jesus Lumma.
Sebastián Teves: Sim, vi o show de Jesus. Muito interessante.

Da esq para a dir: Maximiliano Mansur, Sebastián Teves, Julián Rey e Bruno Moraes

A música de vocês tem um peso, uma espécie de caos que remete muito ao mundo contemporâneo e à vida em ambientes urbanos. Vocês poderiam comentar a importância deste caos na história de vocês?
Sebastián Teves: O caos é importantíssimo para nossa música. Tem uma anedota que posso te contar, de quando nós estávamos no começo. Nós estávamos tocando e compondo juntos e, quando terminamos a sessão, o guitarrista falou: “A fauda estava nessa sala”. E “fauda” era uma palavra que ele inventou, ou pelo menos achou que tinha inventado. Mas o interessante é que, muitos anos depois, descobrimos que existe no árabe a palavra “fauda”, e ela quer dizer justamente “caos”. E isso é louco, porque tem uma música de uma formação anterior da banda chamada “El eterno regreso al caos”. E depois, com outra formação, fizemos outra música chamada “El viaje de Fauda”, e só depois que descobrimos que as duas músicas têm significado próximo. Então o caos é algo muito presente na banda.

Caos e sincronicidade, podemos dizer. E como o som de vocês é recebido na Argentina? A música instrumental tem um espaço legal por lá?
Sebastián Teves: A música instrumental não é popular e, na realidade, é bastante underground. É bastante bem recebida pelo público, mas não é algo popular.

E quais são as principais influências sonoras que vão na receita na hora de compor o som de vocês?
Sebastián Teves: Não tem nenhuma banda em particular, inclusive porque compomos principalmente a partir de improvisações. Então cada integrante traz ali o que está escutando e suas influências. Temos elementos de metal, jazz, funk, etc. É algo que vai acontecendo espontaneamente.

E, mudando de tópico, como estão as coisas na Argentina agora?
Julián Rey: Estamos em uma situação bastante complicada, por todos os problemas políticos que a Argentina está tendo. E de fato estamos muito surpreendidos que vocês aqui no Brasil estão muito preocupados com isso também. Fora tudo o que está se passando por lá de forma geral, temos também a questão de que este governo em particular tem um certo desprezo pela cultura nacional e pelo investimento em cultura. Então nós artistas estamos nos organizando em coletivos independentes para tentar superar essa situação e continuar fazendo shows, vendendo ingressos. Apostando em trabalhar em conjunto com bandas independentes da nossa cidade e das cidades nas quais passamos em turnê.

Acho que nós nos preocupamos porque tivemos nossa experiência de um governo parecido por aqui, e temos muito vívida na mente a dor de ter passado por isso. Portanto nos preocupamos com vocês. Ainda hoje estamos vivendo muitas dificuldades no setor cultural, por mais que o governo federal não tenha desprezo pela cultura. Ainda há um sentimento anticultural em outras esferas do poder público. Mas estamos aqui, festivais como esse são importantes formas de mostrar a importância da cultura.
Maximiliano Mansur: A existência de um festival como o Psicodália nos surpreende e alegra muitíssimo. Nos encantaria ter um festival como este na Argentina. Independente, autofinanciado com uma organização muito boa! É um luxo que possamos, em tempos como estes, estar em um lugar assim, ter uma experiência como esta. E tomara que algo como o Psicodália possa se replicar na Argentina.

Sebastián Teves: Nós estivemos em um festival com estas características, que se chamava “Ver Nacer el Sol”. Mas ele é bem menor, não tem a dimensão do Psicodália. Mas existem iniciativas, ainda que bem pequenas.

– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.