Ao vivo: Em versão solo, Conociendo Rusia faz show festejado em São Paulo

texto, fotos e vídeos por Bruno Capelas

Uma das maiores revelações do rock argentino nos últimos anos, Mateo Sujatovich se acostumou em pouco tempo a tocar para grandes plateias e fazer turnês extensas pelo continente americano. Sob o codinome de Conociendo Rusia, o portenho de 32 anos ganhou projeção no mundo hispanohablante com “Cabildo y Juramento” (2019), álbum repleto de pequenas pérolas pop que atualizava a sonoridade de nomes como Fito Paez e Charly García para os tempos de Tinder, redes sociais e amores líquidos.

O sucesso do disco de 2019, bem como parcerias com Paez e o cantor espanhol Leiva em meio à pandemia, alçaram o nome do projeto para letras garrafais em cartazes como o do Primavera Sound Buenos Aires – com direito até a corpo maior que o de veteranas bandas locais, como Virus e Él Mató a Un Policia Motorizado. Aqui no Brasil, Sujatovich ainda é um ilustre desconhecido. Mas para quem esteve presente em seu primeiro show no território nacional, no último dia 21 de outubro, no Cineclube Cortina, em São Paulo, este status tem tudo para mudar em breve.

Uma forma de entender isso pode partir de uma comparação canhestra: Mateo é uma espécie de “Tim Bernardes de Belgrano”, a começar pelo pedigree familiar. Seu pai, o guitarrista Leo Sujatovich, fez parte do Spinetta Jade, um dos muitos projetos de Luis Alberto Spinetta. Já a avó, Pichona Sujatovich, foi professora de piano de Charly García – o que não é pouca coisa, especialmente para quem já se submeteu à audição de discos como “Clics Modernos” ou “Vida”, do Sui Generis, primeira banda de García.

Além disso, tal como o brasileiro faz com relação a Caetano, Gal, Macalé e outros ícones dos anos 1970, o Conociendo Rusia tem sua principal força em músicas de amor bem construídas, com sonoridades recuperadas de uma era de ouro da canção pop argentina. E bem como Bernardes, Rusito também se tornou conhecido pelo formato banda, mas tem rodado o mundo ultimamente em um espetáculo solo – forma talvez meio frustrante de encarar suas criações sem os arranjos bem tramados, mas econômica na hora de desbravar novos mercados.

Em uma noite fria, que não chegou a lotar o estacionamento-transformado-em-inferninho do Cineclube Cortina, com capacidade para até 500 pessoas, coube ao gaúcho Esteban Tavares o trabalho de esquentar as bobinas. Mais conhecido por ter feito parte da formação comercialmente mais bem sucedida da Fresno, ali na virada dos anos 2010, Tavares é dono de uma carreira solo que busca se aproximar bastante da canção que se faz ao redor do rio da Prata. Musicalmente, a proposta funciona, mas liricamente o esforço deixa a desejar em muitos momentos, resvalando em clichês do homem adulto perdido em paixões e romances. Não que isso fosse um problema para parte da plateia: um grupo reduzido de 20 ou 30 fãs, muitos deles com sotaque gaudério, entoava apaixonadamente as letras de Tavares, que saiu do palco até agradecido pela recepção calorosa.

Subindo ao palco pouco depois das 22h, em atraso praticamente protocolar, Sujatovich chegou tímido, como quem testa a água em um novo mergulho. Mas ele precisou de pouco para se soltar: quase como uma barra brava, a plateia entoava um típico “olê olê olê, Ruso, Ruso” poucos instantes depois do argentino se posicionar sob os holofotes. Visivelmente emocionado, ele abriu a noite variando entre canções do estrelado “Cabildo y Juramento” e do mais recente trabalho, “La Dirección”, lançado em 2021. Entre uma e outra tentativa de falar português, Sujatovich aproveitou a onda para adaptar algumas de suas canções a um certo sabor local – “Otra Oportunidad”, por exemplo, veio embalada apenas na guitarra elétrica em tal bossa que não faria feio na trilha sonora de uma novela de Manoel Carlos, se esse fenômeno ainda existisse.

Além da guitarra, na qual abusou de loops gravados ao vivo para multiplicar seus esforços, Sujatovich tinha à disposição também um violão de doze cordas e um teclado. Do primeiro, surgiram alguns dos momentos mais bonitos e coloridos do show, como a romântica “Tu Encanto”, parceria com Fito Paez, ou a beachboyniana “Mundo de Cristal”, em clima pronto para conquistar as AM e FM do easy listening tão comum ao dial paulistano. Já no teclado, onde passou a maior parte do tempo, o artista se saiu bem, mas em alguns momentos chegou a resvalar naquele triste e velho conceito do cantor de churrascaria – menos por seu desempenho próprio, mais por conta da simplificação de arranjos que se impõem a quem decide desbravar um palco sozinho.

Felizmente, canções como a safada-pero-fofa “A La Vez”, a bonita “Cosas para Decirte” e até mesmo a balada “Cabildo y Juramento”, que homenageia uma esquina em Belgrano com cheirinho de tango, escapam desse local pela empolgação do público, que por vezes encobria a voz de Mateo. Se alguém falasse que o Cortina fica em Palermo, talvez o próprio artista não desconfiasse.

A proximidade da plateia era tanta que não foram poucos os que pediram uma cover de Charly García – o próprio Ruso, ciente do desafio, disse que não se atrevia a fazê-lo ao piano, talvez com medo de levar um puxão de orelha da avó. Em terreno ainda inexplorado (o Brasil), o artista preferiu ficar em seu próprio repertório, encerrando o set inicial com pouco mais de uma hora – na despedida, com a deliciosa “Puede Ser”, Mateo até sacou o celular do bolso para gravar o coro dos contentes.

E ele mal teve tempo de tomar um traguito no camarim, tamanha a força dos pedidos de bis. Ao voltar para o palco, teve tempo de registrar uma boa brincadeira: depois de “Cabildo y Juramento”, Sujatovich se arriscou numa versão “Ipiranga y São João” da canção, conquistando os corações dos paulistanos, hermanos e gaúchos presentes. Entusiasmado ao descobrir que a esquina famosa estava a poucos quarteirões do show, quase decidiu programar um walking tour noturno, até ser desencorajado pelos presentes. “Cuida el teléfono”, gritou um espectador; “Te queremos vivo, Ruso”, pediu outro, dando a senha para que o dono do Conociendo Rusia atacasse com “Loco en El Desierto”, hit do primeiro disco, também gritado a plenos pulmões pelos presentes.

Ao final de uma hora e meia, Mateo Sujatovich mostrou porque tem recebido tanta atenção do público, da crítica e de veteranos colegas na Argentina. Além de evidente caráter pop, suas canções bem-resolvidas e elegantes sobre as desventuras da vida do jovem adulto e solteiro entram numa frequência pouco presente no mainstream brasileiro atual – para além de campos de morango, verões delícia ou navios piratas. Pena que, na precaução de tocar para poucos em um investimento alto, o Conociendo Rusia tenha vindo ao Brasil em missão solo. Mas há sinais: ao final do show, tão entusiasmado com a receptividade local, Sujatovich quase não quis ir embora. Para ir, fez uma promessa: voltar logo, com um disco novo debaixo dos braços em um show com banda completa. Aí sim, mais do que conhecer, será o momento em que faremos contato.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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