Ao vivo: Ao lado de ícones LGBTQIA+, Linn da Quebrada celebra com grande show o aniversário de um ano do Zig Studio, em SP

texto por Renan Guerra
fotos por João Guizze

Nos anos 90, Erika Palomino tinha uma coluna chamada Noite Ilustrada, na Folha de S. Paulo, onde ela dizia aos leitores o que era cool, interessante e pulsante na noite paulistana. A coluna de Palomino era o ponto de referência dos modernos & entendidos da época e acabou rendendo um livro chamado “Babado Forte”, hoje esgotado e raro. E de lá pra cá nós todos também viramos um pouco Erikas Palominos em nossas redes sociais, dizendo em nossos twitters e tiktoks o que é babado e o que é cilada nas madrugadas. Hoje vamos brincar de Palomino por aqui e imaginar que se a Noite Ilustrada ainda existisse, um nome estaria sempre presente na coluna: Zig!

A boate Zig nasceu como um inferninho no Anhangabaú, no centro de São Paulo, embaixo de um viaduto. Uma portinha diminuta dá espaço a uma casa pequena, escura, onde rolavam e ainda rolam tanto festas de gays sem roupa até festas com drags performando Björk. Ali é o Zig Club e naquele espaço seminal nasceu o nome da Zig, que já recebeu DJs importantes da cena atual como Mirands (da Batekoo), Spencer Q (da festa Buero) e Gui Tintel (da festa Trophy). Porém, o Zig cresceu, veio o Zig Duplex no coração da República, entre a Tokyo e o Copan. O Duplex é uma casa pop, onde se entra e se pisa num chão de grades, que se deixa antever o que tem no subsolo. Por uma escada caracol, somos levados ao underground e é lá que rolam festas de música pop, temáticas de artistas e até mesmo as festas do podcast Vamos Falar Sobre Música. O Duplex também possui um bar onde os LGBTs se reúnem para assistir ao reality show Rupauls Drag Race – para quem não sabe, esse é tipo o nosso esporte preferido, as drags competem em diferentes desafios enquanto a gente torce como se fosse uma partida de futebol.

E, então, após Zig Club e Zig Duplex nasce o Zig Studio. Localizado na Avenida Pacaembu, virando o Memorial da América Latina, esse é o maior dos espaços do Zig, chamado carinhosamente de Zigão. E é lá que nossa história de hoje se desenvolve: o Studio nasceu para comportar as grandes festas do projeto Kevin, a balada esfumaçada de gays desnudas, porém logo a casa se tornou também espaço de festas de música eletrônica, com nomes luxuosos discotecando, como Valentina Luz e Paulete Lindacelva. E começou a se transformar no espaço dos afters pós-festivais de música – foi o espaço para onde os gays correram após o Primavera Sound São Paulo de 2022 e também o mesmo espaço que naquela semana recebeu o Club Shy, a festa feita pela inglesa Shygirl, que estava no line-up do Primavera. Nessa festa ela levou de Pabllo Vittar a Charli XCX para o palco do Zigão. Depois daí, a casa entrou na rota dos artistas e outros passaram por lá.

Nessa toada, vale destaque especial citar o cantor, DJ e produtor britânico Fred again.., um dos headliners do Lollapalooza 2023. Fred queria um espaço para uma festa pós-festival e foi durante o final de semana visitar o Zig Studio. E sabe qual dia ele escolheu para a visita? Bem no dia da Kevin, com as gays peladas dançando e fazendo outras coisas na pista de dança. Fred e seu produtor adoraram o espaço, segundo eles era isso mesmo que eles procuravam, casas undergrounds que celebrassem a música e a noite da cidade. No domingo de Lollapalooza, o after do Zig, que teve seus primeiros ingressos vendidos a 15 reais, contou com um line-up casual de Pedrowl, FUSO!, Badsista e ele, Fred again.., que dançou, subiu na mesa de som e levou as pessoas a loucura – aquelas que conseguiram entrar, pois parece que teve até gente na porta de fora sonhando com um ingressinho.

O babado forte mais recente foi de Jessie Ware, que mandou um recadinho para os fãs que iriam na festa oficial de lançamento de seu novo disco, “That! Feels Good”, no Zig Studio: “Preciso ir de novo ao Brasil para dançar no Zig” – vamos ver se ela cumpre a promessa. Enfim, foi um ano de fortes emoções no Zig e isso se deve ao trabalho de Rafa Maia e Werik Andrade, os responsáveis por todas essas movimentações e que conseguem manter no Zig um espaço importante de celebração LGBTQIA+ em que a música é a espinha dorsal de tudo. A pista de dança sempre foi um espaço de liberdade e de celebração queer e, por isso mesmo, é nesses espaços que continuamos reafirmando nossas existências e nossos desejos. Por isso é até simbólico que o Zig Studio celebre seu primeiro ano de vida bem no mês do orgulho LGBTQIA+. E para esse aniversário, o espaço chamou a multiartista Linn da Quebrada para um show poderoso. Linn participou ano passado do Big Brother Brasil e depois disso sua carreira deu outras guinadas. Aqui no Scream & Yell a vimos no passado em show no Cine Joia, porém suas apresentações ao vivo andam cada vez mais escassas, com ela se dividindo com outras frentes de sua carreira – atualmente, pode ser vista na TV na série “Cine Holliúdy”, da Globo.

Porém, antes de Linn subir ao palco, uma série de apresentações marcaram a noite de celebração do Zig. Entre as drags que subiram ao palco, destacamos aqui a presença de Marcia Pantera (na foto abaixo com Linn), nome fundamental da cena drag brasileira. Marcia era figura sempre presente sabe onde? Lá na coluna de Erika Palomino. Na Noite Ilustrada, em 1992, Erika publicou uma foto de Marcia Pantera toda montada e recebeu cartas de protesto na redação, dizendo que sua coluna incentivava o “homossexualismo”. Marcia foi musa de Alexandre Herchcovitch e é considerada a precursora do bate-cabelo, um movimento que as drags brasileiras fazem com as longas perucas. Marcia Pantera é um furacão no palco, com 53 anos, ela se joga pra lá e pra cá, é conhecida por escalar espaços e fazer acrobacias inimagináveis. No Zig Studio, ela já entrou de moto em uma festa celebrando o álbum “Motomami”, de Rosalía, e, nessa última noite, bateu cabelo de formas impensadas. É emocionante ver uma artista como Marcia performar, é como um testamento vivo da história da arte LGBTQIA+ brasileira.

Na hora do show de Linn da Quebrada, ela também quis trazer outro nome fundamental da nossa história: Silvetty Montilla, drag queen lendária da noite, conhecida por seus trabalhos na TV e no teatro, tendo integrado o elenco do espetáculo Terça Insana. No palco, ao lado de Linn, ela cantou o ponto “O Sino da Igrejinha”, fez galhofas e até chamou Marcia Pantera novamente ao palco. A noite era de farra, a ideia era celebrar o Zig, celebrar os nossos e se divertir. Por isso mesmo, Linn da Quebrada passeou entre canções de seus dois discos, o fundamental “Pajubá” (2017) e o mais recente “Trava Línguas” (2021). Canções como “Pense & Dance” parecem que nasceram para aquele espaço esfumaçado, com seus versos que dizem “Traga a voz para a cabeça / A cabeça para o corpo / O corpo para o pescoço / Põe o pé no chão / E vamo dançar”.

Se Linn tem feito muito menos shows do que seu público gostaria, sua energia em cena é a de uma artista que parece ter saído de uma extensa turnê, pois sua naturalidade e leveza no palco são impressionantes. É como se naquele espaço ela se transformasse e transbordasse na artista completa que ela é. Entre atriz e cantora, ela sabe dominar o público deixando-o na palma da mão, fazendo as pessoas agacharem no chão no meio da boate ou colocando todos para cantar a plenos pulmões suas canções. É bonito demais poder viver no mesmo tempo que artistas tão potentes no palco e, mais gratificante ainda, vê-los celebrando aqueles que vieram antes de nós.

Foi uma noite histórica para aqueles que estavam lá, porque é disso que se faz a noite: “A noite rebola no meu colo e lambe a boca / A noite corre, não estará mais aqui quando acabar a festa / Nada restará da festa”, como canta Liana Padilha, do NoPorn (outra banda habitué das pistas do Zig). A pista de dança é do espaço do efêmero e é isso que é tão atraente, um pouco de alucinação e hedonismo que se perde e se esquece na pista de dança, entre luzes e fumaça, entre suor e cerveja. E assim se faz um novo futuro possível em meio a velocidade de tudo. Que nesse ritmo frenético, o Zig permaneça e as histórias se repitam.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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