texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota
Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 3
Ahhhh, o sol. Ele surgiu lindo e quente na abertura do segundo dia do Coala Festival, e isso fez toda a diferença. Após um dia encapotado de blusas e com capa de chuva para cima e para baixo sob um céu nublado e garoa insistente no jardim de cimento de Oscar Niemeyer, nada como o céu azul para deixar o corpo mais leve – o sorriso, ele não saiu dos rostos, mas se permitiu mais solto em um dia de brasilidade faceira e festeira. Como era de esperar, o público aumentou em relação à sexta-feira e superlotou o Memorial da América Latina sem causar tumulto, ainda que a passarela que une as duas áreas em muitos momentos lembrasse a muvuca da passarela da Basílica de Aparecida (quem conhece, sabe o quanto é tenso).
A opção por manter a área de comida toda de um lado do festival e os shows do outro continuou em prática, o que, após as filas do primeiro dia, facilitou a escolha de deixar para comer fora do evento – houve até pedidos infrutíferos para o pessoal da Lagunitas levar o truck via passarela (risos) para o lado dos shows e deixar ele escondidinho debaixo das árvores lá no fundo, o que economizaria boas subidas e descidas (quem sabe no domingo… sonhar não custa nada). Por sua vez, os DJs sets pareceram mais sintonizados e mais variados nesse segundo dia, com grandes momentos de DJ Tudo (“Viva o povo brasileiro. Viva a nossa cultura. A gente merece muito mais do que estamos vivendo”) e um set impecável e repleto de recados de Tatá Ogan.
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Um dos destaques do Festival Carambola 2022 e indicada ao Prêmio Multishow como Artista Revelação 2022, a baiana Rachel Reis abriu o segundo dia de shows com duas canções do EP “Encosta” (2021), “20h” e “Desatei”, seguidas pelo chameguinho “Sossego”. Seu primeiro álbum chega ainda em setembro, e ela mostrou duas canções do disco, “Consolação” e “Motinha”, que mantém o clima suave de pop eletrônico baiano, algo que o medley “Deusa do Amor/ Garota de Salvador / Você Me Vira a Cabeça” reforçou. Quando “Chanel” surgiu, um bom público já estava presente dançando sob o sol. Ainda rolou uma interessante versão de “Ando Meio Desligado” (Mutantes) e o hit “Maresia”, que fechou um show simples, mas eficiente para o horário.
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Ana Frango Elétrico abriu seu set no clima leve do show anterior de Rachel Reis com “Promessas e Previsões” e “No Bico do Mamilo”, mas “Tem Certeza?” começou a virar o jogo transformando a apresentação em festa. Com toda a banda – cada vez mais entrosada – usando camisas de times de futebol (no melhor estilo Pato Fu anos 90) e uma frontwoman mais assertiva que em sua apresentação anterior na cidade, o show alcançou um crescendo delicioso com “Chocolate”, “Roxo” (com seu divertido trecho punk), “Picles” e “Caspa” (acrescida no set na hora). Para o final, uma versão poderosa da sensacional “Ilegal, Imoral ou Engorda” (melhor do que a que o Robertão anda apresentando em sua turnê atual) e uma das grandes canções do pop brasileiro recente, “Mulher Bicho Homem”, as duas com boa participação do rapper Joca. Baita show!
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E se falamos em festa, estamos falando também do “rei dos palcos” Alceu Valença no show mais feliz dessa edição do Coala (contando os vindouros de domingo). A abertura foi de fazer trenzinho no Memorial: “Pagode Russo”, um medley Gonzagão (“Baião”, “Vem Morena”, “A Ema”), “Xote das Meninas” e “Estação da Luz” fizeram a audiência suar debaixo do sol no cimento. “Tangerina”, que não estava no set, entrou num equívoco de Alceu, que ainda contou histórias de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Estava bom demais e só ia melhorar com a poesia e o suingue de “Coração Bobo”, “Solidão”, “Como Dois Animais”, “Taxi Lunar” e “La Belle de Jour” além, claro, dos hits incontestes “Anunciação” (com grande parte do público fazendo L com as mãos no trecho “tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais) e “Tropicana”. Foi pouco mais de uma hora de show, mas poderia ter sido três horas que o público não ia reclamar.
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O hip hop chegou em dose dupla no sábado do Coala trazendo consigo o frio. Primeiro vieram os paulistas Fleezus, Febem e Cesrv com seu excelente “BRIME SET” pedindo para deixarem os garotos brincarem num grime poderoso e com direito a lembrança de Mc Felipe Boladão (“Residência dos Loucos”), presença de “Terceiro Mundo”, “Yin Yang” e “Soho” (do EP “Brime”) e do single “Sobe o Morro”. Direto do Rio, BK surgiu acompanhado de Jonas Profeta e DJ Dias mandando “Movimento” (“Malcolm X, eu não ‘to bem com isso / Mataram Marielle e ninguém sabe o motivo / Na real, todos sabemos o motivo”) e “Bloco 7”, que abrem seu álbum de 2020, mais “Dinheiro, Poder, Respeito”, a batida irresistível de “Deus do Furdunço”, “Julius”, “Cidade do Pecado”, “Amores, Vícios e Obsessões”, a participação especial de Luccas Carlos em “Planos”, e a intro matadora de “Paraíso Que Me Cerca”. Pra fechar, “Universo”. Bem bom!
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Então surgiu em cena o Bala Desejo, o (super)grupo de recarnaval que uniu a cena indie em torno do mesmo ‘hate’, e que não só lançou o álbum “Sim Sim Sim” (tocado quase na integra no show) pelo selo Coala Lab como é uma banda “juntada” pelos criadores do festival – o que explica seu destaque no line-up. O ranço é entendível, pois é sempre estranho quando uma banda surge aparentemente do nada e começa a ser hypada e a se apresentar em tudo quanto é lugar enquanto muitas, fodas, esperam uma chance que nunca vem. Agora com um álbum, Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra se provam um grupo despolitizado num dos momentos mais políticos da história do país, mas foi uma opção partir da premissa do desbunde, de usar a alegria como arma e ato político. Funciona? Bem, o grupo de haters só aumenta, mas o show tem momentos bons se esquecermos originalidade e que tudo aquilo já foi feito antes e melhor. E é preciso respeitar a coragem de todos entrarem quase seminus no frio com vento glacial que fatiava o ar no Memorial.
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Para fechar, Gal, num show bem diferente e com uma proposta interessante. Ela surgiu com uma banda formada apenas por baixo (Fábio Sá), teclados (André Lima) e bateria (Victor Brasil) – sem ninguém nas seis cordas –cantando a grandiosa “Fé Cega, Faca Amolada”, mas bastou termina-la que o show engatou uma longa sequencia de faixas mais lentas, baladeiras (e, ok, clássicas), com mutios sucessos de rádio FM como “Hotel de Estrelas”, “Dom de Iludir”, “Desafinado” (“Essa é para vocês”, brincou), “Açai” (que Djavan cantou um dia antes), “Lua de Mel”, “Quando Você Olha Pra Ela”, “Palavras no Corpo”, “Sorte” e “Nada Mais”, entre outras, num ritmo calmo e suave mais próximo do dia anterior do que desse segundo dia mais festeiro.
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Ok, teve um “Divino Maravilhoso” aqui, um “A História de Lily Braun” ali, mas o show só pareceu engatar de verdade, veja só, com a entrada de Rubel, que cantou “Como 2 e 2” com Gal acompanhando-a ao violão, com a sonoridade do show ganhando corpo, e Tim Bernardes que entrou pra solar sua guitarra numa baita versão de “Tigresa”, cantar irrepreensivelmente com Gal “Negro Amor” e, os três juntos, cantarem “Vapor Barato” e “Baby”. Foram só cinco músicas, mas valeram a noite, que voltou para sua vibe de dial de rádio FM com “Um Dia de Domingo”, penúltima canção do set. Antes de chamar a última música do show e do segundo dia do Coala, Gal fez questão de falar: “Daqui 15 dias a gente escolhe o nosso presidente. Vamos votar direitinho (fazendo o L com a mão), votar com sabedoria e inteligência, sem ódio e com amor”. Foi a deixa para que “Brasil”, de Cazuza, que foi sucesso com Gal nos anos 90, entrasse nos lembrando que “em nenhum momento devemos trair essa grande pátria desimportante”.
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Com um final digno para um segundo dia de festival bastante digno e mais empolgante que o primeiro, o Coala Festival 2022 presenteou o público com cerca de 20 minutos incríveis de Gal com dois moleques (“Ah se eu fosse mais jovem”, brincou a diva na saída dos dois), um show inteirinho incrível de Alceu Valença e intervenções caprichadas de Ana Frango Elétrico, BRIME, BK e dos DJs Tudo e Tata Ogan, com Rachel Reis e Bala Desejo cumprindo bem a tarefa de entreter o público, mas não encantando. Para o terceiro dia, a programação escalou Chico Chico com Juliana Linhares (um show para ficar curioso e deixar o público cantando “Bombinha” o dia inteiro), Nego Bala, Marina Sena, Rodrigo Amarante (as redes no fim do espaço da área principal serão uteis), Black Alien (viva!) e Maria Bethânia fazendo seu primeiro show em festival na vida. Um domingo que promete.
Saiba como foi o Dia 1 e o Dia 3
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
Olha, cagaram muito nessa matéria na parte sobre o show de Gal, análise rasa de um show que colocou todo o público em êxtase, cantando TODAS as músicas.
Não gosto do Bala Sem Desejo,mas vem cá:agora todo mundo é obrigado a falar de politica,de preferência com “L” na mão?Se esse é o desbunde,só lamento.
Ninguém é obrigado, muito pelo contrário, tem muita gente que não fala de política, só que a manifestação artística já é um ato político. Por outro lado, o Desbunde foi um movimento que surgiu nos anos 70 como única saída possível para quem fazia arte, porque quem não foi preso e torturado pela Ditadura foi extraditado, então a única maneira de se viver a arte naquele período para muitos artistas era desbundar, o que de certa forma diferencia o momento, afinal todo mundo é livre no Brasil para falar de quem quiser, inclusive de candidatos que não tenham L na mão – inclusive, tem muitos por ai. Dai que A utilização do desbunde hoje, para mim, perde referência. Não quer falar de política? Não fala. Agora justificar que não quer falar de política e prefere desbundar me soa distante do que o movimento foi.
Bala desejo é uma daquelas coisas que eu sempre fico com um pé atrás. Muita gratiluz pro meu gosto.
Bala Desejo é difícil. Colo com o Mac, que disse que isso já foi feito antes, e (muito) melhor.