Cinema: “Old Henry”, um faroeste de Potsy Ponciroli

texto por João Paulo Barreto

Ao invés de gastar seus últimos e preciosos anos de trabalho em bobagens como “Cry Macho” (2021), “Old Henry” (2021) é o filme com o qual Clint Eastwood poderia ter encerrado a carreira. O estilo de roteiro apresentado (e dirigido) aqui pelo quase desconhecido Potsy Ponciroli, e estrelado por Tim Blake Nelson, é o tipo de filme que te faz se perguntar como essa história não foi parar nas mãos de algum big shot hollywoodiano como Brad Pitt, Leonardo DiCaprio ou o próprio Clint, mesmo idoso ao extremo, em destaque de protagonista. Não que o ator, roteirista e também cineasta Blake Nelson esteja deslocado no papel. Muito pelo contrário. Sua composição como o velho Henry do título casa perfeitamente com a premissa de um western brutal que tem em sua presença a desconfiança de que por trás daquela figura franzina, há uma criatura feroz a ser despertada.

Possivelmente, seja a lembrança do altamente clássico “Os Imperdoáveis” (1992) em seu arco dramático relacionado a um homem que foge do próprio passado que nos faça pensar em Eastwood como protagonista aqui. Mas, de fato, Nelson encabeça essa história com méritos entregando tudo o que o papel pede. Ferrenho e dedicado em sua rotina como agricultor, o viúvo Henry tenta domar os ímpetos rebeldes de seu filho adolescente, que não quer o mesmo futuro do pai e desconhece totalmente o passado que ele esconde. Nelson, com sua aparência maltrapilha e cansada de trabalhador do campo; seu carregado sotaque; sua forma quase trôpega de caminhar, além de seu olhar peculiar de desconfiança, cujo olho meio fechado, comum às engraçadas composições anteriores dele como ator coadjuvante em (outro clássico) “E aí Meu Irmão, Cadê Você?” (2000), por exemplo, traz aqui não um aspecto cômico, mas sombrio, criando no velho Henry a figura de comportamento exato ao choque que teremos quando a fera surgir por debaixo daquela persona.

Em seu roteiro, porém, Ponciroli evita ceder a armadilhas fáceis na criação de uma tensão diante da expectativa do que todo nós já esperamos como algo a acontecer dentro da construção de seu protagonista. E isso é posto não de modo a salientar qualquer suposta previsibilidade. Isso não existe aqui. Sabemos da tensão representada por aquela dinamite com pavio a queimar lentamente dentro dos breves 100 minutos de projeção. Do mesmo modo, diante do caos que se avizinha em seus minutos finais, o diretor opta por manter suas longas tomadas em destaque, como a calma que antecede a tormenta. Na sua cena inicial, por exemplo, a fuga de um homem por entre árvores remete a outra pepita dos irmãos Coen: o clássico “Ajuste Final” (1990), cujo título em português para “Miller’s Crossing” rima tão bem com o “Old Henry” aqui.

Em outros pontos, o diretor cria longas sequências de observação em apenas diálogos, algo que a montagem de Jamie Kirkpatrick parece colocar de maneira crescente, uma vez que quanto mais nos aproximamos do ponto de climax diante do explosivo desfecho, mais rápidos e enérgicos seus cortes se tornam. Do mesmo modo, todo uso de silêncio com as poucas inserções incidentais compostas por Jordan Lehning colocam o espectador dentro da calma e tranquilidade buscada pelo já velho Henry em seu rancho, onde foge de seu passado explosivo. Mas este, infelizmente, o alcançará.

Quando o eu lírico da canção de Bob Dylan, “Knockin’ On Heaven ‘s Door”, pede para que tirem as armas dele, citando a nuvem negra que o persegue, é justamente a esse sentimento que o velho Henry se refere ao tentar explicar ao filho ansioso por partir que há situações piores do aquela que o coloca a arar campos, alimentar porcos e a madrugar como agricultor. E se a música de Zimmerman aparece aqui de modo tão gratuito, creia: ao ver a surpresa final que “Old Henry” traz, pensar na tal nuvem da canção e em sua origem cinematográfica no clássico de Sam Peckinpah faz a metáfora do tempo sombrio que se avizinha para o humilde camponês ainda mais densa e sanguinolenta. Em sua vida, do mesmo modo que na letra, logo ficará escuro, muito escuro para se enxergar.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.

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