Entrevista: Rodrigo Nassif Trio dá um basta às plataformas de streaming

entrevista por Leonardo Vinhas 

Jazz, folk, pancadaria. A sonoridade do Rodrigo Nassif Trio (outrora Quarteto) pode ser apresentada com esses elementos, ao menos inicialmente. A agremiação gaúcha, que além do guitarrista Nassif conta com o baixista Samuel Basso e o baterista Leandro Schirmer, sempre primou pelo vigor e por caminhos que desafiassem as expectativas que se podiam lançar a músicos de formação acadêmica que transitam por gêneros associados à virtuose. E “Estrada Nova”, seu mais recente álbum, lançado em 2020, mantém as surpresas.

O som do trio chega à nova década mais agressivo, suingado e “zappófilo” que nos lançamentos anteriores (dois álbuns e três EPs). É menos “cancioneiro” que “Rupestre do Futuro” (2017), ainda seu álbum mais direto e acessível. Porém, trata-se de um animal de uma outra espécie, que nem se alimenta muito daquilo que abastecia o “Rupestre”.

“Se você for ver, ‘Inverno no Cassino’ é ‘canção-canção’, e ‘Brincando na Tempestade’, também. Só que essa, por exemplo, tem o Zappa rindo na plateia e fazendo um cool com as mãos”, brinca Nassif durante sua conversa por chat com o Scream & Yell realizada no fim de março de 2021.

“Estrada Nova” é um disco bem centrado, onde cabe uma expansão harmônica maior do que nos discos anteriores, mais folk. Aqui há espaço para teclado, trompete, percussão, cordas – um caminho que já se anunciava sutilmente no antecessor “Hai Kai Ser” (2019) e também na impressionante versão de “Tropicalia” (Caetano Veloso), que haviam registrado para o álbum “Sem Palavras II”, lançado pelo Scream & Yell (também em 2019).

Em 2019 e 2020, Rodrigo fez shows em Nova York, que tiveram grande impacto na concepção de “Estrada Nova”. No mesmo período, compareceu a um evento que o fez questionar a necessidade de estar presente nas plataformas de streaming – e decidiu não se valer delas para veicular o novo álbum, que pode ser adquirido por e-mail – rodrigonassif@gmail.com – com recompensas de camisetas e lives a partir de R$ 30. E no meio disso tudo, uma pandemia. Muitos acontecimentos marcantes, e todos foram abordados nessa entrevista.

Me conta desses shows de NYC. Como surgiu a oportunidade de tocar lá?
Então… Um bom tempo atrás, por intermédio de um amigo que foi estudar baixo no Kansas, fiz amizade com um guitarrista de avant garde, o Craig Ovens. Ele veio passar um tempo no Brasil e eu ficava de intérprete dele. Anos depois, um camarada que foi aluno de teoria dele, o Nathan Webb, veio passar uns dias em Porto Alegre para cursar um simpósio de educação musical, e o Craig deu meu contato para ele. Eu não sabia que o Nathan tinha tocado com Gary Burton, Kenny Garrett, essa turma toda, nem que ele tinha ido morar em New Jersey a 15 minutos de Manhattan. Ele veio tocar aqui na minha casa e nos entendemos telepaticamente, sintonia impressionante. Depois que fiquei sabendo que ele tinha toda essa experiência. Ele é uma pessoa reservada e brincalhona que mesmo antes da gente ficar de jam ele não comentou nada. Aí no final de 2019 ele me telefonou dos EUA, contou que tinha passado em um concurso para dar aulas em New Jersey e que se eu pudesse ir para lá ele gostaria que eu fosse tocar na escola New Roberto Clemente, onde ele lecionava, e aí a gente fechava com um show no Shangai Jazz em Madison, que foi eleito um dos melhores clubes de jazz dos EUA pela Downbeat. Fui cumprir estes primeiros compromissos em 2019 e foi ótimo, conheci mais uma galera do meio que eram amigos dele e dos irmãos dele, o Jacob e a April May.

E esses shows eram só você? Ou montou uma minibanda local?
Tocamos em trio eu, ele na bateria e o irmão dele no baixo. Esses primeiros shows levaram ao convite para tocar em três locais bem mais conceituados, que funcionam com leis de incentivo à cultura. No ShapeshifterLab, toquei com o batera brasileiro Uka Gameiro. Fomos acolhidos por Mathew Garrison, ex-baixista de Herbie Hancock e filho do baixista do John Coltrane, Jimmy Garrison. No Café Thalia, na Broadway, fiz violão solo; e no Jazz Forum, em Tarrytown, onde tocam vários nomes consagrados, repetimos o trio americano

E esses shows influenciaram o disco, não?
Cada set com os americanos foi uma hora e meia com muito swing despreocupado, e quis deixar um pouco desse modo presente no nosso trio daqui. Porque terminei indo para lados nos quais fiquei bem acostumado com essa improvisação tão solta assim. Creio que repassei essa influência para o Leandro e para o Samuel, e eles absorveram espontaneamente Foi tudo sem fazer mapas ou planejar muito. E a gente vai sempre pelo caminho de não se repetir.

E ter mudado de quarteto para trio, algo que já rolou há um tempo, também deve ter tido alguma influência nisso, não?
Inconscientemente, talvez. Quanto maior o grupo, mais tempo para organizar os arranjos, e tendo só os três na base realmente facilita. O que leva tempo mesmo é a pesquisa para interação cordas-seção percussiva.

Vocês aboliram as plataformas digitais do lançamento do álbum. E também não fizeram edição física. Pode comentar sobre isso?
Claro. Tínhamos planejado o ano todo para viajar fazendo os shows do “Hai Kai Ser”, e vimos todo esse planejamento virar poeira em questão de uma semana. Aí pensamos que nossa relação com nosso público era sólida o suficiente para que a gente não disponibilizasse o disco nas plataformas, e sim vendesse os arquivos em altíssima qualidade por e-mail. (Nota: após essa entrevista, Rodrigo informou que há o projeto de editar “Estrada Nova” em vinil.)

Imagino que a baixíssima porcentagem paga pelas plataformas também tenha pesado nessa decisão.
100%. Aliás, “baixíssima” é elogio (risos). Diria que é imaginária. E em um período indeterminado sem shows, era preciso criar uma alternativa. Mas quem fica muito feliz mesmo é o pessoal de rádios. Em qualquer parte do mundo pessoal fica feliz em ter exclusividade.

Aliás, o projeto de crowdfunding do “Estrada Nova” e as lives têm sido essenciais para a sobrevivência financeira da banda, não?
Completamente! A época atual transformou o valor criativo da música em um chaveirinho para dar de brinde. Quem ganha é o “dono do posto” – no caso, quem gerencia as plataformas. Pesou muito o fato de, no começo de 2020, eu ter ido a uma palestra de um gerente de plataforma digital e perceber que realmente ele realmente acreditava que a música para ele não tinha critério algum, assim na cara-de-pau. O que interessava era quanta propaganda ele podia pôr em cima, quanto ele podia lucrar. Em nenhum momento ele disse a palavra “músicos”. Isso me revoltou muito. Pois bem, se ele não pensa nos músicos, eu penso. Sou um deles

E agora, com caos pandêmico, sem shows e monopólio de indústrias de exploração que se escondem sob o rótulo benevolente de “economia colaborativa”, qual o caminho para músicos como você, que são veteranos na criação artística e em transitar fora dos caminhos mainstream?
O engajamento que tivemos foi uma surpresa positiva, e a quantidade de músicos que veio demonstrar apoio e comentar que deseja seguir essa trilha também surpreendeu. Vamos nos manter trabalhando desse modo por um bom tempo.

É possível continuar com o espírito em condições de criar, em meio a todo esse caos?
O carma coletivo está terrível, não há como não sentir essa pedrada em certos dias. Mas há o carma individual, e neste, quem consegue manter uma energia criativa há de preservá-la, pois é mais necessária que nunca.

Dá para confiar em um futuro melhor?
Creio que apesar de tudo, sim, os problemas sempre surgem de todos os lados , mas a criatividade para lidar com eles também!

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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