Entrevista: Leandro Souto Maior fala sobre o livro “Jimmy Page no Brasil”

entrevista por João Paulo Barreto

A fama é sedutora e hipnótica. Muitas vezes, nociva. Requer equilíbrio administrá-la. Há quem consegue lidar com ela por décadas. Há quem ceda aos seus encantos e riscos de sufocamento. E há aquelas pessoas que, após anos dentro daquela espiral, apenas almejam por um respiro. Em um exercício de imaginação, é curioso pensar em Jimmy Page passando por essa sensação de busca por esse respiro quando chegou aos 50 anos. Crise de meia idade? Existencial? A comichão de um grande amor que lhe encantava? As possibilidades são muitas. As décadas de 1960 e 1970, quando fez parte de bandas pilares do rock como Yardbirds e Led Zeppelin, foram intensas para Page. Junto a Eric Clapton e Jeff Beck na primeira; e a Robert Plant, John Paul Jones e John Bonham na segunda, o guitarrista ajudou a construir fundações de um estilo que moldaria a Cultura no século XX. Imaginá-lo, então, após recém completados 50 anos de idade a buscar, em 1995, por esse respiro em um local remoto como a cidade baiana de Lençóis, na Chapada de Diamantina, é algo muito compreensível.

Os dias de Jimmy Page no Brasil, há 25 anos, são o tema da pesquisa do jornalista e músico, Leandro Souto Maior, que lança, pela editora Garota FM Books, o livro “Jimmy Page no Brasil”, extensa pesquisa que refaz os passos do guitarrista britânico não somente em Lençóis, mas em Salvador, Rio e São Paulo durante aqueles dias da pré-internet e sem a fugacidade e imediatismos baratos das redes sociais. Atualmente em financiamento coletivo, a obra tem previsão de ser lançada em dezembro. “Há mais de 20 livros escritos por jornalistas e pesquisadores gringos sobre Led Zeppelin e sobre Jimmy Page. Em nenhum deles há nada sobre essa fase. Chega nessa época, tem um pulo. Um hiato que parece que não aconteceu”, explica Leandro acerca da motivação em registrar essa história em um livro bilíngue. “Eu quero que os fãs do mundo inteiro saibam o que aconteceu. Foi um período longo que ele passou aqui e que viveu coisas que não viveu, por exemplo, nos Estados Unidos ou em algum outro país”, pontua o autor.

Dentre os diversos entrevistados, nomes como os de Margareth Menezes, Charles Gavin, Roberto Frejat, Paulo Ricardo, Daniela Mercury, Pepeu Gomes, e diversas outras pessoas que, famosas ou não, estiveram com um dos maiores mestres da guitarra naquele seu período nessa terra brasilis. “Em Lençóis, tinha muita gente que sequer sabia quem era Jimmy Page. Só veio a saber depois, quando a história começou a circular. Souberam que ele era alguém muito famoso. Mas, em um primeiro momento, quem o encontrou por lá, era o cara do açougue ou o padeiro, sabe?”, conta Leandro. “Jimmy Lama”, apelido irônico como ficou conhecido no circulo de músicos e admiradores que frequentavam a cidade à época, aproveitou seu anonimato até quando pôde. “Quando o Jimmy foi parar em Lençóis, tem histórias curiosas. Uma delas diz que ele adorava acordar cedinho, nas primeiras horas do dia, e ir para a padaria. Lá, ele comprava o pão da primeira fornada que saia, passava manteiga, e sentava ali mesmo, na calçada em frente à padaria, para comer. E isso era todo dia! Foram vários relatos sobre isso que eu tive. Várias pessoas testemunharam isso”, relata Leandro. “A galera o chamava de ‘Jimmy Lama’ porque ele andava todo largado, de chinelo, de bermuda rasgada, totalmente oposto da visão de um rock star que a gente costuma ver. E até das próprias fotos famosas que a gente vê do Jimmy. Ele sempre muito bem vestido, um verdadeiro lorde inglês”, explica.

Em Lençóis, Jimmy Page financiou instituições de amparo a jovens em situação de risco, bem como, no Rio de Janeiro, ajudou a fundar a Casa Jimmy, local voltado para abrigar jovens sem lar. Na capital fluminense, inclusive, Page recebeu o título de Cidadão Honorário. Sua passagem pelo Brasil destoa da imagem do astro do rock, do glamour, da soberba tão característica em diversas histórias envolvendo as bandas setentistas em suas lendárias “bad trips”. “Em todos os relatos, não teve um que não atestasse essa impressão dele como um cara aberto, acessível. Que gostava de conversar, especialmente se o assunto era música. Um cara que se deslumbrava com coisas novas. Por exemplo, há relatos de quando ele viu um berimbau pela primeira vez. Dá pra imaginar um cara que tirou cada efeito mais louco que o outro da guitarra, chegar e dar de cara com um instrumento não eletrificado, de uma corda só, e que faz aquele som hipnótico?”, exemplifica Leandro.

Nessa entrevista ao Scream & Yell, Leandro Souto Maior fala sobre o processo de pesquisa acerca do período de Page no Brasil, bem como traz reflexões sobre o período de autoconhecimento que deve ter perpassado o guitarrista do Led Zeppelin durante sua fase como um (quase) anônimo em Lençóis e em Salvador naquele distante 1995. Confira o papo!

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Jimmy Page passou pela Bahia durante os anos 1990 e teve contato com diversos pessoas dentro e fora da cena artística. Desde anônimos moradores de Lençóis, na Chapada Diamantina, bem como músicos profissionais e amadores de lá e de Salvador. Como jornalista e escritor, como foi essa busca de um equilíbrio na captação dos depoimentos das pessoas que tiveram uma proximidade com o guitarrista do Led Zeppelin?
Na Bahia, eu tive dois momentos. Um foi em Salvador, e o outro foi em Lençóis. E teve, realmente, esses três tipos de personagens entrevistados. Músicos, que já têm uma outra visão. Alguns, inclusive, que tocaram com o próprio Jimmy Page, que levaram um som com ele. Eu tive a oportunidade de entrevistar alguns que tiveram esse privilegio de fazer um som com o Jimmy em um estúdio no (bairro da) Pituba, em Salvador. Teve também os fãs que já sabiam quem era o Jimmy Page e que, eventualmente, foram até Lençóis na esperança de encontrá-lo. E acabaram eventualmente encontrando. Em Lençóis, também, tinha muita gente que sequer sabia quem era Jimmy Page. Só veio a saber depois, quando a história começou a circular. Souberam que ele era alguém muito famoso. Mas, em um primeiro momento, quem o encontrou por lá, era o cara do açougue ou o padeiro, sabe? Então, eu acho que são três visões, três tipos de encontros bem específicos. Cada um rendeu um tipo de história, de experiência muito particular. E eu juntei todas elas. Acho que isso que é legal. A diversidade de histórias, de tipos de encontros. Isso é uma das coisas que fez livro ficar mais interessante. Essa diversificação. Quando a gente lê, por exemplo, as biografias internacionais que já saíram sobre o Jimmy, esse tipo de encontro informal, tipo o que eu citei do cara da padaria, esses personagens não existem. (Nesses livros) parece que o Jimmy é só um superstar. Esse lado, vamos dizer, humano, por trás da fama, raramente, ou quase nunca, é desvendado nos livros que existem, os livros famosos sobre o Led Zepellin e sobre o próprio Jimmy Page. Então, eu acho que os relatos brasileiros, especialmente desses que você chamou de anônimos, vão dar um charme todo especial à publicação. E estou muito orgulhoso de ter conseguido reunir tantas histórias. Tanto com esse teor dos músicos. E não só de músicos famosos. Da Bahia, por exemplo, eu captei relatos emocionados da Margareth Menezes, da Daniela Mercury, do Pepeu Gomes. Mas o Jimmy fez uma jams, também. Ele levava som na praça em Lençóis. E como eu falei, existe um estúdio na Pituba, onde ele passou várias vezes. Era o estúdio onde a Margareth Menezes ensaiava com a banda dela. E ele acabou se aproximando dela, e dos músicos da banda. Então, esses sons que foram levados com o Jimmy Page, foram desde músicos famosos a músicos amadores.

Jimmy Page e Roberto Frejat

Você já tinha nomes específicos para as entrevistas a serem realizadas aqui na Bahia?
Sim. Eu já sai do Rio de Janeiro para a Bahia com uma lista de personagens que eu sabia que eu deveria achar e algumas entrevistas até já pré-marcadas. Pessoas que eu sabia que tinham uma história forte com o Jimmy, de vários momentos. Por exemplo, o Luciano Silva, que era um dos músicos, o saxofonista, da banda da Margareth Menezes. E ele era também o ex da Jimena Gomez, que foi a mulher com quem o Jimmy acabou casando. Apesar do fim do relacionamento, o Luciano e a Jimena continuaram amigos. E ele, também, se tornou muito amigo do Jimmy. Ele era um cara que eu precisava entrevistar. Até porque o Jimmy Page adotou a filha que o Luciano teve com a Jimena, que era um bebê quando eles se separaram. Logo depois, ela conheceu o Jimmy, que adotou essa criança. Hoje, esse bebê é uma mulher, a Jana. Seu sobrenome é Page. E o Luciano deu um depoimento bem emocionado falando de como ele é agradecido ao Jimmy por ter sido um ótimo padrasto. Esse depoimento dele me emocionou um pouco. Então, sim, eu já cheguei na Bahia com uma lista de entrevistas agendadas. Mas, a cada fonte, você vai vendo que elas começam a citar mais três pessoas, que você vai e pede o contato. Então, se cheguei à Bahia com 10 nomes certos para entrevistar, eu acabei entrevistando 50, porque foi o desenrolar das entrevistas que me levaram a outras várias pessoas. Quando o Jimmy foi parar em Lençois, tem histórias curiosas. Uma delas diz que ele adorava acordar cedinho, nas primeiras horas do dia, e ir para a padaria de Lençóis. Lá, ele comprava o pão da primeira fornada que saia, passava manteiga, deixava derreter no pão, e sentava ali mesmo, na calçada, em frente à padaria para comer. E isso era todo dia! Foram vários relatos sobre isso que eu tive. Várias pessoas testemunharam isso. O Jimmy estava todo dia na frente da padaria sentado na calçada. O Jimmy chegou a ganhar um apelido local lá em Lençóis que era “Jimmy Lama”. A galera o chamava de “Jimmy Lama” porque ele andava todo largado, de chinelo, de bermuda rasgada, totalmente oposto da visão de um rock star que a gente costuma ver. E até das próprias fotos famosas que a gente vê do Jimmy. Ele sempre muito bem vestido, um verdadeiro lorde inglês. Tem uma história do Fernando Nunes, baixista que conheceu o Jimmy em Salvador. Na época, o Fernando não era muito conhecido. Depois que ele se tornou baixista da Cássia Eller e gravou o DVD do Rock’n’Rio com ela. Mas quando ele conheceu o Jimmy em Salvador, na casa de um amigo em comum, nos anos 1990, ele falou que teve um momento em que o Jimmy chegou e falou para ele: “Eu queria comprar um cigarro”. E o Fernando Nunes imediatamente se prontificou para comprar o cigarro para ele. “Eu vou para você”. E o Jimmy respondeu: “Não, eu quero ir também.” E o Fernando disse para mim que estranhou, pois imaginou que sair com o Jimmy Page na rua ia ser uma sucessão de fotos e autógrafos. Mas, curiosamente, ninguém em Salvador o reconhecia na rua, segundo o Fernando. “O Jimmy gostava muito disso na Bahia”, me explicou o Fernando. Além disso, ele comentou que o Jimmy lhe falou que, no Rio e em São Paulo, ele não tinha essa liberdade de andar nas ruas. Ele era muito mais rapidamente reconhecido. Eu não sei o porquê disso. Talvez no bairro onde eles andavam não tivessem muito roqueiros, ou talvez ninguém imaginava que ia dar de cara com o Jimmy Page no boteco da esquina. Voltando a esse dia em que eles saíram para comprar o tal cigarro, o Fernando saiu com ele e disse que ia entrar no boteco para comprar o cigarro e pediu para o Jimmy esperar ali fora. Ele me falou que, enquanto estava lá dentro comprando o cigarro, o Jimmy Page ficou ajudando os motoristas que estavam tentando estacionar, dando uma de manobrista, de graça, assim. (risos) Agora, eu fiquei imaginando: se eu estou estacionando meu carro, alguém se propõe a me ajudar, eu olho para essa pessoa e vejo o Jimmy Page, cacete! Eu ia ter que me beliscar (risos). Então, o Jimmy viveu muitas situações desse tipo no Brasil. De alguém anônimo, mesmo. Uma pessoa qualquer. Como se fosse uma pessoa comum. E naquele momento, ele buscou aquilo. E acho que ele viveu aquilo ao máximo até quando ele começou a ser reconhecido. E aí ele começou a ficar bem chateado. Você vê pelos relatos, as entrevistas que ele deu na época, que ele começou a ficar bem puto na verdade, por ser reconhecido. Acho que isso acabou afastando ele bastante de Lençóis e tudo mais.

Robert Plant e Jimmy Page / Coletiva do Hollywood Rock 1996 no Rio de Janeiro

Verdade. Lembro de ter visto uma reportagem feita pela TV local em que mostra ele um tanto incomodado com a equipe de TV o filmando. Ele até concordou em falar, mas somente sem ser filmado, sobre a instituição social que ele ajudou em Lençóis.
Eu conheço essa reportagem. E uma das coisas que eu posso te falar a respeito do livro que escrevi é que, na internet, tem muita informação… (pausa) não diria informação somente errada. Bom, tem muita informação errada, também, sobre o Jimmy Page no Brasil. Mas tem muita informação pela metade. E eu busquei esmiuçar, detalhar e arrumar todas essas informações. Em Lençóis, ele não ajudou somente uma instituição, mas mais de uma. E eu falei com as pessoas das instituições e as cito no livro. Isso foi legal, porque tem bastante informação sobre o Jimmy no Brasil pela internet, mas tem muita coisa meio solta, não aprofundada. E além dessa parte dos projetos sociais, como a Casa Jimmy, que ele inaugurou no Rio de Janeiro, tiveram os shows que ele fez em São Paulo e no Rio. Nessas temporadas que ele passou na Bahia, ele comprou um terreno em Lençóis e construiu uma casa. Depois ele construiu uma casa em um terreno que era da Jimena. Depois ele comprou uma casa já construída. Ele acabou tendo três casas em Lençóis. Esses detalhes, para quem curte o astro, o artista ali em questão, eu acho que gosta de saber. Eu, pelo menos, gosto. Sou um devorador de biografias dos artistas que gosto. Quanto mais detalhado e mais íntimo a gente consegue ir na história, o fã curte pra caramba. Eu, como fã, tentei meio que satisfazer a mim mesmo (risos). Ou, de igual, aos fãs.

Uma das coisas que me chamaram a atenção na proposta do livro é o desmistificar do ídolo, do astro. Jimmy Page, com essa ideia de ir morar em Lençóis, na Bahia, me pareceu alguém em busca de um sossego, de uma paz, que o turbilhão do final dos anos 1960 e toda a década de 1970 não lhe proporcionaram. Isso me fez lembrar as declarações de George Harrison acerca do período da Beatlemania. E essa ideia do Jimmy Page ir a uma padaria, conversar com pessoas locais em Lençóis, tentar viver um pouco como alguém dali, me faz pensar muito sobre sua personalidade, sobre como ele me parece ser um cara bastante simples nessa busca por contato humano. Você teve essa impressão?
Perfeito. Totalmente. Em todos os relatos, não teve um que não atestasse essa impressão que você está descrevendo. De um cara aberto, acessível. Que gostava de conversar, especialmente se o assunto era música. E que se deslumbrava com coisas novas. Por exemplo, há relatos de quando ele viu um berimbau pela primeira vez. Dá pra imaginar um cara que tirou cada efeito mais louco que o outro da guitarra, chegar e dar de cara com um instrumento não eletrificado de uma corda só e que faz aquele som hipnótico? Um efeito que até lembra o daquele pedal wah-wah de guitarra. E quando ele viu o berimbau, ele ficou maluco, segundo os relatos. E acredito que ele realmente tenha ficado. E há também entrevistas do Jimmy da época na Bahia em que ele fala que ficou fascinado com a capoeira, e não só com a dança, não só com o visual. Mas ele também é um cara interessado na História. Ele deu uma entrevista para um jornal britânico na época em que ele ia muito a Bahia em que ele faz uma descrição perfeita da capoeira, falando que é uma dança de defesa dos escravos que não tinham armas para se defender e tiveram que criar um jeito. Cara, às vezes eu acho que ele sabe mais sobre a capoeira do que muito brasileiro. Então, acho que ele é um cara muito interessado e humilde, também. Todos os relatos de todo mundo que esteve com o Jimmy usam essa palavra: humilde. Ele não tinha soberba. Ele não se colocava acima, apesar de toda a história, toda influência, todo legado para a cultura mundial que ele já tinha deixado ali naquela altura da vida. Então, cara, a minha opinião é que o Jimmy Page é um ser humano admirável.

Margareth Menezes e Jimmy Page / Foto de Marcio Lima

Estamos falando de um período há 25 anos, meados dos anos 1990, quando a internet engatinhava, a tecnologia de celulares com câmera ainda não era o que é hoje e as redes sociais não existiam. Para um artista buscar o mesmo tipo de refúgio hoje, seu equilíbrio psíquico, sua forma de lidar com o público, bem como sua compreensão diante do modo como essa atitude será lidada pela imprensa, precisa seguir por outro tipo de busca interna, por outra maneira de encarar a fama. Para dar exemplos, vemos artistas como Bruce Springsteen, em Nova Jersey, se situar como um local, frequentando a mesma academia de sempre. Bono, na Irlanda, também costuma frequentar locais públicos de forma natural. Até mesmo o Paul McCartney tem seus momentos em que é visto caminhando por Londres. Em um exercício de imaginação, você consegue imaginar, hoje, Jimmy Page buscando por algo como buscou naquela época?
Adorei essa pergunta. E sabe que eu não tinha pensado sobre isso? Mas agora que você me perguntou, vamos ver o que me ocorre. Eu acredito que se o Jimmy tivesse ido para algum lugar do mundo, fosse o Brasil ou qualquer outro país, atrás de um anonimato, atrás da oportunidade de poder comprar pão na padaria e comer sentado na calçada, sem ninguém chegar e pedir para bater uma foto, ele teria que ir para um lugar bem remoto, alguma coisa bem pequena, uma vilazinha nos cafundós de algum interior onde a civilização não chegou com tanta violência, vamos dizer assim, ou com tanta presença. Eu só conheci Lençóis recentemente e soube que, na época, era bem menor. Mas mesmo a Lençóis dos anos 1990, como menos turismo, menos gente morando, eu acho que ainda seria grande para alguém do vulto do Jimmy Page conseguir fica anônimo. Acho que mesmo a Lençóis do tamanho que ele conheceu quando chegou lá pela primeira vez, antes do tempo das redes sociais e dos celulares, já seria grande demais para ele conseguir passear anonimamente Mas isso é só uma suposição. Mas gostei de pensar sobre isso. Você citou o Paul, e eu lembrei de um amigo que recentemente foi a Londres. E ele adora os Beatles. Ele resolveu passear por perto da casa do Paul para ver se esbarrava com ele. E acabou vendo o Paul cruzar a esquina. Ele ficou surpreso e já foi se aproximando com o celular na mão. Quando o Paul notou, falou: “No photos!” Tipo assim: “Eu posso conversar com você, mas por favor não bata fotos”. E esse meu amigo respeitou o pedido e disse que bateu um papo de, sei lá, cinco minutos que pareceram ser cinco horas com o Paul McCartney. É isso. O Paul McCartney anda, pelo que sei, por Londres. Ele dá umas idas ao mercadinho da esquina, vamos dizer assim. Eventualmente, ele é abordado, claro. Mas sempre contando com o bom senso dos fãs. Nesse caso, foi a história que esse meu amigo contou. Ele foi muito solicito, mas pediu para não bater fotos. E até onde eu sei, o Jimmy Page também passeia ali no bairro onde mora com a nova namorada dele. Claro que isso antes da pandemia. E tem até um relato no livro, de um guitarrista brasileiro muito fã do Led Zeppelin, e que mora em Londres. Ele falou que, quando chegou lá, uma das missões pessoais dele era encontrar o Jimmy Page e dar uma cachaça mineira de presente para ele. Ele falou que ficou durante vários dias na frente da casa do Jimmy. E até que um dia o Jimmy Page abriu o portão e saiu. Esse guitarrista era bem jovem na época. Tinha vinte e poucos anos. Isso já faz uns oito anos. Ele chegou, falou que era fã, que tinha um presente para ele e deu a cachaça. Ele falou que o Jimmy foi super acessível e que conseguiu bater uma foto. Essa foto está no livro. Assim como ele, essa pessoa que eu acabei conhecendo, eu acho que existam outros fãs que ficam ali à espreita do Jimmy dar uma saída. Porque ele costuma sair, sim, andando e sem seguranças. Eu acho que até para manter alguma sanidade, o Jimmy tenta dar esses passeios por Londres, ali por onde ele mora. Acho que muitas vezes ele é reconhecido, mas acredito que ele consiga dar uns passeios anonimamente, sim.

Uma das coisas que a pessoa que vai ler o seu livro vai poder refletir é sobre a desconstrução do artista. E um artista como o Jimmy Page, alguém que parece não ter se deslumbrado com a fama que conseguiu e percebe-se como uma pessoa comum. E é curioso nós discutirmos sobre essa opção.
Eu tenho certeza de que o Jimmy tem a real noção do tamanho dele dentro da história da cultura mundial, Inclusive, na autobiografia dele, a “Jimmy Page by Jimmy Page”, que é um livro de fotos incríveis do acervo dele e que ele lançou em 2010. Eu não sei se chamaria de autobiografia, mas ele comenta cada foto. E a cada imagem, ele vai contando a história dele. Ele não mergulha em detalhes, nem fala muito de vida pessoal. A passagem dele pelo Brasil é ignorada nesse livro. Mas no último parágrafo, no final desse livro, ele diz ter a consciência, àquela altura da vida, já com mais de 60 anos, e que ele ainda continuava a inspirar jovens a se interessar pela música, por guitarra e a se tornarem músicos. Ele diz: “isso, para mim, é a minha maior conquista de vida.” Eu acho bonito e tocante o jeito como ele coloca. E isso me faz entender que ele tem noção exata do legado que ele está deixando para a humanidade.

Jimmy Page e Paulo Ricardo em 1996 no Rio de Janeiro / Foto de Cristina Granato

Eu vi que o Charles Gavin é uma das suas fontes no livro. Lembrei que, em uma entrevista que fiz com ele acerca dos 80 anos do Ringo Starr, ele me falou sobre essa geração de pessoas que nasceram na década de 1940 e que, agora, está chegando aos 80 anos e contemplando esse final de jornada. No papo, tentamos não parecer preciosistas, mas foi inevitável não constatar aquela geração como sendo única para a música mundial. Como você avalia esse momento em que vemos diversos nomes dos anos 1960 e 1970 chegando aos 80 anos?
Penso muito sobre isso. Acho que essa geração foi muito especial, também, por causa da Guerra. Eles nasceram no meio de cidades bombardeadas. E a gente aqui, de longe, acho que não dá para fazer uma avaliação real do modo como que isso pode ter influenciado comportamento, a revolta de uma geração. Mas, com certeza, esse aspecto e outros, como as drogas psicodélicas que surgiram nos anos 1960, a liberdade sexual. É um momento histórico muito específico. Penso muito sobre isso, mas ficar no desejo de ter que ter uma outra guerra ou algum tipo de tragédia para que surja uma geração de ouro? Não dá. Se bem que a gente está vivendo uma tragédia com a Covid-19. Que sirva pelo menos para que inspire uma geração de forma criativa. Que sirva para alguma coisa essa loucura que a gente não sabe nem dizer ou explicar. Mas, realmente, acho que essa turma toda dos anos 1960 e 1970, na minha opinião pessoal, representa o auge da música. Especialmente do rock. São os artistas que eu mais gosto. E quando você conversa com pessoas que pesquisam, que ouvem muito, você vê que ali é uma unanimidade esse tipo de opinião. Aquela turma dos anos 1960 e 1970, que geração! Especialmente os ingleses e os americanos, mas no Brasil, também, a gente sofreu alguns outros reflexos, como a ditadura. A música caminha com os fatos históricos, com a Cultura, e costuma refletir muito disso. E você falou sobre o Gavin, cara, a história que ele me contou de como conheceu o Jimmy é bem curiosa. Ele esteve pessoalmente com o Jimmy Page quando os Titãs estavam em Londres, ensaiando para gravar o disco “Go Back”, que eles gravaram em Moutreux, na Suíça. Os ensaios foram uma semana antes, em Londres. E eram um estúdio bem top que a gravadora havia agendado para eles. Na semana anterior, estava o David Bowie. Naquela mesma semana em que os Titãs estavam agendados, estava o Jimmy Page ensaiando para uma turnê daquele disco solo que ele lançou em 1988 (“Outrider”). O “Go Back”, que, se não me engano, é de 1989 (nota do editor: 1988). Na mesma época. Então, o Gavin falou que foi fazer xixi e tinha um banheiro em comum para as salas do estúdio. O Gavin disse que o primeiro encontro dele com o Jimmy Page foi na banheiro fazendo xixi (risos). O depoimento dele é bem engraçado. E aí a gente volta lá pro inicio. Os relatos, cada encontro, é algo único. E quanto aos grandes ídolos brasileiros, aqui guardadas as devidas proporções, mas os maiores nomes da música brasileira, não só do rock, como Herbert Vianna, os Titãs, o Frejat, que também encontraram com o Jimmy Page. Esses grandes nomes brasileiros, quando estiveram diante do Page, se tornaram fãs. Pagaram de tiete. É muito interessante também não só essa desconstrução do Page, que eu pretendo fazer no livro, mas a desconstrução dos próprios ídolos brasileiros que chegam diante de um cara que eles ouviram desde crianças. É como o próprio Gavin me disse em um depoimento. Ele disse que chegou para o Page e falou: “Cara, se não fosse por você, eu não estaria aqui hoje. Eu teria tido outro caminho na vida.”. Atestando que o Led Zeppelin o inspirou a se tornar um músico e a querer trilhar essa profissão. Ele me falou que a primeira música que ele ouviu na vida e que o fez se interessar por rock foi “Black Dog”, a primeira música do “Led Zeppelin IV” (1971). Eu acho isso muito interessante e espero que outras pessoas achem, também. Esse tipo de reflexão. De quebrar o mito, de desconstruir. Não só do Page, mas de outras estrelas, como as nacionais que estão mais próximas da gente, também.

E creio que a opção de fazer uma edição bilíngue do livro é uma oportunidade bem legal de imaginar o Jimmy Page rememorando aquele período no Brasil.
Sim. Mas, também, a ideia de fazer a edição bilíngue é porque, puxa, tem mais de 20 livros escritos por jornalistas e pesquisadores gringos sobre Led Zeppelin e sobre Jimmy Page. Em nenhum deles há nada sobre essa fase. Chega nessa época, tem um pulo. Tem um hiato que parece que não aconteceu. E eu quero que os fãs do mundo inteiro saibam o que aconteceu. Foi um período longo que ele passou aqui e que viveu coisas que não viveu, por exemplo, nos Estados Unidos ou em algum outro país. Confesso que fico até meio chateado quando falo para você que, no próprio livro dele, o único momento em que ele cita o Brasil é para falar do Rock’n’Rio de 2001, quando ele veio junto com o Iron Maiden. Na época, tiveram muitos boatos de que ele poderia tocar com o Iron Maiden. Esse é o único momento do livro em que o Jimmy Page fala do Brasil. Confesso que isso me chateia. A minha ideia de escrever esse livro foi para mostrar a quantidade de histórias que existem do Jimmy Page aqui. E colocar em inglês também foi para que os gringos leiam. O próprio Jimmy, eu queria que lesse. É claro que isso é uma incógnita, mas fico na torcida. Mas acho que os fãs do Led Zeppelin precisam saber. É uma parte grande da história do Jimmy. Bem relevante e significativa, na minha avaliação. Mas, claro, sobre essa opção dele em não colocar na sua biografia essa fase, podem ter outras coisas que não me dizem respeito. E não entrei muito nesses assuntos na escrita do livro. Mas nesse período no Brasil, ele viveu um grande amor. Casou-se com essa moça. Teve dois filhos com ela. Adotou um terceiro, que era a filha que ela já tinha. E, de repente, quando lançou essa biografia, ele já estava com outra mulher e talvez não quisesse trazer isso à tona. Mas também não me interessa. Não é uma biografia de fofocas ou de vida pessoal nesse âmbito. Mas suponho que possa, talvez, passar por isso. Pelo fato da história dele com o Brasil estar muito ligada a uma história de amor que ele viveu aqui, também. Então, tem a parte dos projetos sociais, tem a parte do anonimato, mas tem um grande amor. Talvez se ele fosse escrever sobre isso, ele teria que falar muito sobre essa mulher, sobre a ex. E na verdade, se você vê nesse livro especificamente, o “Jimmy Page by Jimmy Page”, ele não fala de nenhuma ex. E ele teve outras. É um livro bem sobre a carreira dele como artista. Então, dá para entender, realmente, ele ter tirado o Brasil dessa. Porque como é um livro muito sobre a parte dele como artista, eu acho que essa parte em que ele viveu uma história de amor intensa, talvez ele tenha avaliado que não caberia ali.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.

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