Entrevista: Vanessa Krongold apresenta seu primeiro disco solo

 entrevista por Bruno Lisboa

Vanessa Krongold é dona de uma das vozes mais marcantes do cenário musical brasileiro e entre Maybees (que, com ela cantando em inglês, lançou dois álbuns elogiados na virada do milênio) e Ludov (com quatro álbuns e quatro EPs a partir de 2002), soma 22 anos de microfone na mão.

Neste ínterim, o Ludov conquistou popularidade através da MTV devido ao sucesso de clipes premiados como “Princesa” (presente no EP “Dois a Rodar”, de 2003), como também a boa veiculação midiática de singles como “Kriptonita” (de “O Exercício das Pequenas Coisas”, de 2005).

Porém, a veterana cantautora vem desde 2015 arquitetando voo solo, quando lançou uma série de singles (a saber: “Hoje”, “Instante”, “Concreto” e “Paciência”) que pavimentaram o caminho para que agora, em 2020, o plano fosse concretizado com o álbum “Singular”.

Composto por nove faixas, “Singular” reúne os quatro singles anteriores mais cinco faixas inéditas. De modo geral, Vanessa explora novas roupagens sonoras, mas mantém em voga composições que promovem um olhar para o cotidiano, o universo das relações humanas e sua complexidade.

Produzido por Emerson Martins, “Singular” conta com a participação de diversos músicos de apoio como o percussionista Guga Machado (em “Recomeço”), o baterista Sérgio Reze (em “Menú del día”) e Fernanda Kostchak (Vanguart) em “À Queima Roupa” – Thadeu Meneghini (Vespas Mandarinas) participou da composição das faixas “Instante”, “Hoje” e “Xeque-mate”.

Na conversa abaixo, ela fala sobre a pandemia, o processo de composição e gravação do disco, as participações especiais, o fato de ter cotidiano como inspiração, o amor em tempos de discurso de ódio, a influência do cinema no seu fazer artístico, o Brasil contemporâneo, o machismo no cenário musical, planos futuros e muito mais.

Primeiramente como você está e o que tem feito para suportar este período de pandemia?
Apesar de todas as atrocidades que culminaram nesse fatídico 2020, estou tentando focar no positivo. Pessoalmente, não posso reclamar porque o universo me protegeu de diversas formas, todos estão com saúde e eu depositei energias na arte, e ela sempre nos salva do que é brutal e feio, não é?

Sua marcante voz é naturalmente indissociável ao seu trabalho junto ao Ludov, mas isto não quer dizer que este novo trabalho não tenha a sua personalidade que, aliás, está claramente representada nas novas roupagens sonoras exploradas e nas parcerias firmadas. Então como foi o processo de composição e gravação de “Singular”?
Eu acho interessante como uma voz às vezes é mais reconhecível do que um rosto, que pode estar maquiado, usando uma máscara, etc… muitas vezes eu reconheço um ator ou atriz em um filme pela voz. Partindo desse princípio, ficou fácil imaginar que a liberdade pra explorar composições, arranjos e sonoridades além da minha voz eram enormes. Com a ajuda do Emmo Martins (Bamba Music), o excelente produtor do álbum, a ideia foi vestir as canções que já estavam prontas com arranjos que trouxessem mais brilho ainda à sua essência, e pra que isso acontecesse, brincamos e experimentamos bastante coisa. Mas os arranjos sempre tiveram um plano antes de acontecer; sabíamos o que queríamos e aí a gente foi atrás do resultado.

Falando ainda nos músicos de apoio deste novo projeto: como você os reuniu e quais as contribuições eles trouxeram ao resultado final?
Os músicos convidados a participar do álbum são ídolos pessoais, amigos e aquele tipo de vibe positiva que eu sabia que só agregaria. E com isso construímos um verdadeiro dream team nas gravações, e acho que conseguimos aliar as qualidades excepcionais de cada pessoa com o que cada faixa pedia. Funcionou bem.

O universo das relações humanas é a força motriz do disco. Nestas observâncias, suas composições aparentam não só expor a sua pessoalidade ante a vida, mas também trazem na mesma medida um lado flâneur, de quem observa o cotidiano e busca inspiração a partir dele. Enxergar suas composições sob esta ótica faz sentido?
Completamente. Eu venho fazendo esse exercício de estar cada vez mais atenta às pequenas situações que acontecem à minha volta e que já me pegaram tantas vezes distraída. Por menor que pareçam, por mais banais e cotidianas, podem ser uma faísca maravilhosa pra iniciar um ambiente cheio de ideias na minha cabeça. É muito mais fácil iniciar uma narrativa nesse ponto.

Abordar o amor, suas potencialidades, distorções e frustações é um outro eixo que tem bastante espaço em sua carreira. Em tempos onde o discurso de ódio segue predominante em muitos espaços, como nas onipresentes redes sociais, para você problematizar e potencializar o universo das relações amorosas torna-se um exercício imperativo?
Falar do amor e do belo é imperativo, sim, eu faço questão. As relações humanas vêm sendo tão desvalorizadas e tão maltratadas que às vezes parecem deixar de fazer sentido. Mas elas são a essência do que somos, nunca podemos deixar de sentir e nos relacionar, isso é o que nos define como seres sociais. Então, esse é o tipo de conexão que eu gosto de estabelecer com quem ouve minhas músicas: exercitar sutilezas e estimular poesia no meio da rotina.

Outro ponto que considero interessante em “Singular” é observar que muitas de suas composições, como o single “À Queima Roupa”, trazem em si um certo ar cinematográfico, pois trazem personagens que vivem alguma situação conflitante. O cinema e suas linguagens exercem de fato alguma influência em seu fazer artístico?
O clipe de “À Queima-Roupa” teve realmente essa intenção, trazida pela diretora Tata Pierry. Eu sou uma pessoa predominantemente visual, então não tenho como negar que tudo é particularmente imagético pra mim. Tanto pra absorver quanto pra digerir e criar. Conceber aquele pequeno universo onde a história acontece é um exercício delicioso, que eu adoro fazer. E acho que minha relação tão próxima com os filmes (e atualmente também com as séries) influencia bastante na minha maneira de compor, sim.

A faixa “Instante” aborda a real necessidade de nos mantermos esperançosos e engajados em tempos difíceis. Como você vê o Brasil contemporâneo e qual é o caminho a ser trilhado para criarmos uma nova perspectiva?
“Todo mundo tem a condição, se quiser, na palma da mão” é a melhor resposta pra essa pergunta. Em qualquer cenário que é devastador – e a situação do país é crítica – muitas vezes a única coisa que nos resta é a nossa própria força e o nosso foco em sermos melhores pessoas, melhores cidadãos, melhores filhos, melhores pais e mães, melhores amores. Nunca ninguém conseguiu resolver uma tragédia sozinho ou de uma vez. Mas uma série de atitudes corretas em algum momento gera uma reviravolta que é difícil até de entender de onde veio, e foi aquele estímulo sombrio que estimulou a luz um pouco mais à frente. Esse ciclo acontece desde sempre nas civilizações, a gente só tá num momento extremamente ruim. É importante não desanimar e continuar fazendo a nossa parte com alegria, sabendo que a reviravolta vai chegar em algum momento. E eu acho que ela já está chegando.

No release há uma menção a intenção de, num mundo pós-pandemia, excursionar com uma banda essencialmente feminina (com exceção do produtor do disco, Emerson Martins). Qual a importância de ações afirmativas como esta? E ainda: experiente como você é, qual a visão que mercado musical apresenta hoje para a ala das mulheres? Você vê alguma evolução?
O mercado ainda é extremamente machista, tem uma estrada e tanto pra evoluir. Mas lentamente tende a enxergar mulheres como excelentes criativas, instrumentistas e realizadoras. Hoje eu vejo mais mulheres à frente de projetos do que eu via no começo da minha carreira. E isso é motivador, claro, porque sei que esse caminho percorrido vai abrir cada vez mais o horizonte pras que estão por vir. E por isso é tão importante que a gente sempre se ajude. Acho maravilhosa a intensidade com que nós mulheres tomamos consciência da nossa importância, do nosso valor, da nossa força juntas. A representatividade sempre houve, o que falta é a visibilidade. E se eu tenho a chance de ter uma banda repleta de mulheres talentosas, clipes dirigidos/produzidos/editados pelas melhores profissionais que eu conheço, eu faço questão de ter essas mulheres ao meu lado. E nós vamos juntas, mostrando nossas caras, nossos nomes e nosso trabalho.

Por fim, falar de planos futuros é um exercício complexo já que um dos setores mais impactados pela pandemia é o da cultura. Como é lançar um disco neste período de incertezas e quais as expectativas você alimenta para daqui em diante?
A decisão de lançar o álbum em meio à pandemia não foi fácil. O plano tão aguardado de fazer shows assim que o lançamento acontecesse teve que ser indefinidamente postergado. Mas, como você mesmo disse, é muito difícil prever o futuro pra qualquer atividade artística, então não havia motivo pra adiar mais ainda, especialmente nesse momento em que todos nós precisamos tanto alimentar a alma. Essas músicas certamente irão encontrar um palco e um público em algum momento, então vamos espalhá-las pelo mundo e deixar que elas cheguem à maior quantidade de pessoas possível. Expectativas não posso ter muitas pois fatalmente vão gerar frustração. Planos pro futuro, tenho vários. Aos pouquinhos, vou realizando todos. Um lançamento é uma virada de ciclo importante, e a sensação de missão cumprida dá ainda mais ânimo pra gente partir pras próximas.

– Bruno Lisboa  é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.

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