texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari
São Paulo é uma apaixonante megalópole de 12 milhões de habitantes “se amando com todo ódio, se odiando com todo amor”. Porém, ao mesmo tempo em que ostenta uma altíssima densidade demográfica (7 mil e 300 pessoas por quilometro quadrado) parece dificultar ao máximo a tarefa de colocar 100 pessoas em um mesmo local dispostas a assistir um show de música que não esteja no radar do hype e do mainstream. A conta parece não fechar, certo: são 12 milhões de pessoas e juntar 100 num mesmo lugar é um desafio? Sim, acontece.
Não à toa, enquanto várias outras capitais pelo país produzem excelentes festivais de música independente, São Paulo sofre para ter um festival pra chamar de seu. Produzir eventos na capital paulista não é nada fácil, e as dificuldades surgem de todo o lado. Um show / festival em São Paulo não compete apenas com outros shows e festivais, muitos deles acontecendo simultaneamente, mas também com o boteco badalado, o parque, a peça de teatro, a estreia no cinema, a preguiça de se ficar em casa vendo TV, o transporte público complicado…
Principalmente, São Paulo sofre de uma super-oferta de entretenimento que entorpeceu o cidadão médio, que não se preocupa em perder um show ou um filme ou uma exposição que seja porque semana que vem haverá outros shows, outros filmes, outras exposições, e esse empurrar com a barriga eterno transforma a produção de eventos culturais na cidade uma grande tacada de risco. Se numa cidade pequena, de interior, qualquer evento é “o” evento, em São Paulo é mais um momento de entretenimento entre tantos outros.
Por tudo isso, um festival com a pegada do Coala Festival chegar a sua terceira edição não só merece aplausos com o reconhecimento. Colocar 10 mil pessoas juntas em um mesmo lugar para assistir a excelentes artistas que, porém, trilham uma carreira à margem do dial das FMs é uma imensa vitória da curadoria do festival, que vem colhendo os frutos do que plantou nas edições anteriores tanto quanto a sabedoria de olhar para o cenário musical brasileiro e pescar um excelente line-up para 2016 (enquanto muitos outros festivais montam line-ups datados).
Se a curadoria foi bola dentro, o crescimento natural do festival de um ano para outro causou ajustes que precisam ser calibrados nas próximas edições. Se em 2015 a opção por food trucks se mostrou um enorme acerto, em 2016 o festival assumiu a parte de comida e ficou devendo – nada que se compare ao desastre de comer em outros eventos de música, mas foi um passo atrás. Outro problema desta edição: o som. Mal equalizado, com graves exagerados e poucas caixas mal direcionadas, a sonorização do evento não esteve à altura dos artistas que escalou.
Os portões abriram às 13h de um sábado de sol e quem abriu a maratona de shows (que iria se encerrar praticamente 10 horas depois) foi Silva, com seu pop elegante que levou um público enorme (para o horário!) ao Memorial da América Latina. Com um repertório mais focado em seu álbum mais recente, “Júpiter” (2015), o capixaba Lúcio Silva de Souza viu seu público fiel cantar canções novas como “Feliz e Ponto”, mas mostrar real devoção em “É Preciso Dizer”, hit do álbum “Vista Pro Mar” (2014), num show dançante e correto.
Com apenas um EP lançado, a amapaense Lila colheu os frutos da expertise da produção, que permitiu que ela saboreasse o excelente público que chegou cedo para ver Silva, e ficou para vê-la. “É a primeira vez que canto para tanta gente”, confessou. O show juntou as canções do EP com covers espertos de “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, de Lô Borges, “De Ladinho”, de Ivete Sangalo, e “Odara”, de Caetano, inserida dentro de “Aparição”, e rendeu o primeiro #ForaTemer do dia, com Lila esbravejando: “Eu não reconheço esse governo! Diretas Já”.
O coro de #ForaTemer se repetiu no show seguinte, da cantora Céu: “Estou vendo que está difícil segurar esse grito, então vamos lá!”, e a hashtag política ecoou pelo Memorial. De todos os shows que passaram pelo local no sábado, o único que soou musicalmente impecável foi o de Céu, com as eletronices do álbum “Tropix” sendo recriadas com perfeição no palco. Novas canções, como a belíssima “Perfume do Invísivel”, soaram encantadoras e foram cantadas em coro pelo público, que também aprovou as versões “Tropix” para canções antigas, como “Vagarosa”, num dos grandes shows nacionais do ano (de um dos grandes discos de 2016).
Na sequencia, um encontro inédito: Cícero, escudado por integrantes do Ventre (Gabriel Ventura) e Baleia (Cairê Rego), receberia Marcelo Camelo para uma participação especial que acabou por se tornar um dos grandes momentos do festival. Antes, porém, Cìcero mostrou canções de seus três álbuns (“O Bobo”, “Tempo de Pipa”, “Pra Animar o Bar”). Com Camelo em cena e o público nas mãos vieram versões celebradas de “Hey Nana”, da Banda do Mar, e “Conversa de Botas Batidas”, do Los Hermanos. E mais #ForaTemer. Um belo show, ainda que as guitarras estivessem soando mais baixo do que deveriam.
Responsável por um dos grandes discos de 2016, “Duas Cidades”, e também por alguns dos melhores shows do ano, o BaianaSystem não se encontrou no palco do Coala. O mix de axé, batidão, guitarra baiana, rock e reggae sofreu com o apertado do tempo, e muitas canções surgiram em versões reduzidas, o que impediu o crescendo matador dos shows tradicionais da banda. Quem já conhecia o Baiana de outros carnavais viu uma apresentação menor do grupo. Quem não conhecia, porém, se apaixonou, o que prova que mesmo um show médio do BaianaSystem pode arrebatar novos fiéis. E dá-lhe #ForaTemer.
Encerrando a maratona, a headliner Karol Conka desfilou elegância com seu “Batuk Freak” acompanhada apenas de DJ e distribuiu recados entre as canções: “Fodam-se os padrões”, bradou em certo momento. “Obrigada por me aceitarem do jeito que sou”, disse na sequencia. “Vamos nos odiar menos”, pediu depois. A cada frase seguia-se uma multidão de aplausos, que só paravam quando o DJ soltava o som e os beats chacoalhavam a galera. “É o Poder”, “Gandaia”, “Mundo Loco” e “Tombei” fizeram a festa da audiência.
Problemas de som à parte, o saldo final do Coala Festival 2016 foi excelente porque mostra que é possível montar um festival com line-up de qualidade em São Paulo e ainda arrebatar um ótimo público. Na aglomerada solidão desta cidade cinza que com todo defeito carregamos no peito surge um festival bacana disposto a dialogar com a nova música brasileira. Que os 10 mil pagantes deste ano se tornem 15 mil ano que vem. Que o line-up cuidadoso continue valorizando a boa música. E que o golpista caia o mais rápido possível. Viva Coala. #ForaTemer.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Liliane Callegari (@licallegari) é fotógrafa e arquiteta.
Pena que o som do Baiana System não estava 100%. Show da Céu todos que vi sempre mandou bem, repertório ótimo e a voz dela é linda. Já Silva e Cícero na minha opinião conseguem ser mais chatos do que ver a grama crescer. Lógico que a participação do Camelo deu um grau mas para o público que estava lá se o Camelo cantasse até com um boneco pokemon seria um sucesso também.
Eu sei que deve ser muito dificil neste momento do país não dizer “Fora,Temer” mas será que isso deveria ocupar o enredo de um festival inteiro? Explico, tantos shows acontecendo, tantas pessoas com visões diferentes, tantas coisas acontecendo, e fica nisso sempre? Tá mais pra um meme do que pra algo que vai resultar em alguma coisa, convenhamos. Quanto a parte de shows, eu não assisti o BaianaSystem ainda (só ouvi em disco, ótimo por sinal) mas deve ser uma daquelas experiências loucas que existem só na música. Cícero fez o show de sempre, com o seu ídolo e nada mais. Acho que tá faltando uma banda de rock nesse evento, até pra ele ser realmente representativo de uma diversidade que querem pontuar.