por Marcelo Costa
Pouco mais de duas semanas antes do carnaval 2013, recebi um convite para conferir o pré-carnaval de Belo Horizonte, que aconteceria (e aconteceu) no dia 02 de fevereiro, quando blocos como Banda Mole, Praia da Estação e Mamá na Vaca!, entre outros, cruzariam as ruas da capital mineira. O convite veio da produção do Festival S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L., que naquele mesmo dia iria fechar a Savassi com dois palcos e mais de 10 atrações independentes, que incluía nomes da nova cena da cidade além de gente do Rio, Pará, Argentina e Colômbia em shows gratuitos.
A primeira questão surgiu ainda em São Paulo, quando amigos ficaram surpresos não só pela existência de carnaval em Belo Horizonte, mas ainda mais de um pré-carnaval. A sensação – reforçada em conversas com amigos durante o fim de semana de folia na cidade – era de que o carnaval era para os mineiros (como para muita gente no país) um feriado estendido em que o povo buscava destinos na serra, em Ouro Preto ou mesmo em praias distantes e deixava a cidade vazia para aqueles que não pudessem (por trabalho) viajar. O último apagava a luz.
É uma visão de forasteiro corroborada por locais, que também indicaram um belo texto de Guto Borges, da banda Dead Lover’s Twisted Heart (grande abraço Thiago Pereira), como uma carta de intenções sobre a folia belo-horizontina. “Na verdade, quando se diz ‘renascimento’ do carnaval de rua não é bem verdade. O carnaval aqui nunca morreu”, defende Guto no texto “Confundir: Carnavais e Revoluções”, que traça um interessante paralelo entre o poder político que nos afasta da cidade e a manifestação de liberdade que tenta nos aproximar a ela.
Ainda assim, o fato que impressiona nessa manifestação de liberdade é a retomada da cidade. Nos últimos anos, a folia mineira (e, interessante, paulistana também) tem ganhado força, e muitos são os que desistem de viajar para aproveitar o carnaval (e o pré) na própria cidade. No ano passado, a 3ª edição do Festival S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L., recebeu 15 mil pessoas na Praça da Liberdade. Neste ano, fechando a Savassi (desde 1997, quando o Pato Fu lançava “Televisão de Cachorro”, o cruzamento não era fechado para um evento), eram esperadas 20 mil.
E o dia prometia muito, embora o céu nublado previsse chuva. O público, desde o começo da tarde, começou a tomar as ruas em torno do cruzamento da Savassi, para ver nomes como o desencanado duo 7 Estrello praticando um som que une baixo, batidas eletrônicas e flauta; o rock de riffs fortes do Tempo Plástico, que remete a nomes do underground da cidade nos anos 80 como Overdose e Divergência Socialista, embora o vocal de Fabio Gruppi seja mais punk e sua apresentação no palco mais vigorosa; ou o funk rap jazz do Zimum.
A chuva deu o ar de sua graça assim que a noite caiu e veio forte. Pouco antes, mais de 15 mil pessoas circulava pela Savassi, com um grande contingente de jovens marcando presença para conferir e prestigiar um line-up de bandas independentes. Assim que o pé d’agua se fez, o Dona Joana, do Rio, entretia a audiência. A grande maioria do público correu para os marquises protegendo-se da água que caia, mas muita gente levou ao pé do letra o ditado que diz que “quem tá na chuva é pra se molhar”, e não arredou o pé da frente do palco até o momento da chuva parar, quase duas horas depois.
Nesse meio tempo passaram pelo palco o elogiado Iconilli, com uma apresentação intensa, o contagiante swing cigano (na definição precisa do especialista em música latina Marcos Losanoff) dos colombianos da Monsieur Periné (meu show preferido de todo festival) e o ska competente do cada vez mais conhecido Pequena Morte, que teve suas canções cantadas em coro pela boa plateia presente pós-chuva e encerrou a noitada chamando ao palco a bateria da Escola de Samba Cidade Jardim formando uma parede sonora de ska e samba.
Conferi tudo isso tendo em mente uma pergunta à queima roupa (risos) da Mariana Campos, uma das produtoras do festival, assim que cheguei ao aeroporto de Confins, na madrugada de sexta para sábado. “Por que vocês gostam tanto de música triste?”, foi a questão que tinha como base o resultado do Prêmio Melhores do Ano do Scream & Yell. Tentei defender, tergiversei, mas acabei concordando e lembrando-me da famosa questão Tostines de Rob Fleming: “Sou triste porque ouço música pop ou ouço música pop porque estou triste?”.
Mariana me preparou para o festival garantindo que haveria muita coisa alegre, e, de fato, esse foi o cenário que encontrei no Festival S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L., e que amigos mineiros em mesa de bar confirmaram como sendo o reflexo da nova geração mineira, com poucos dissidentes tristes. Voltei no tempo para perceber que os últimos grandes expoentes da cena mineira no universo pop, o triunvirato Skank, Jota Quest e Pato Fu, mesmo com suas baladas e momentos reflexivos, são bandas alegres – e mesmo a Transmissor, que, para mim, é a grande banda mineira da atualidade, é feliz mesmo quando soa… reflexiva.
Nesse pacote de reflexões, chocando o ideário dos blocos carnavalescos – que começam a se multiplicar como coelhos pelas ruas antes cinzas de Belo Horizonte – com a nova cena musical local (que estampa a liberdade do sorriso em riffs e canções) ao lado de movimentos como o da Praia da Estação (vale ler esse texto de Nuno Manna sobre a comemoração do dia de Iemanjá a 450 quilômetros do oceano Atlântico) mostram que a capital mineira vive um momento especialíssimo, que se reflete no sucesso de festivais como o S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L. e na busca do belo-horizontino em tomar a cidade para si (novamente).
Desta forma, a sigla quilométrica S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L. – Simpósio de Empreendedorismo Nada Sensato Articulado no Cenário Internacional e Organizado por Nossos Amigos Legais! – tenta disfarçar, mas parece tão sensata e articulada com um novo modo de pensar e viver a cidade que merece aplausos e admiração. Num cenário balizado por imersões, vivências e discussões políticas que se revelam meros interesses pessoais e políticos, o exemplo do Festival S.E.N.S.A.C.I.O.N.A.L. é daqueles que deve ser admirado e copiado. Um viva ao (pré-)carnaval mineiro.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Fotos 1, 3, 5 e 6 por João Miranda / Divulgação S!4; 2 e 4 por Marcelo Costa.
Leia também: Diário de Festivais, por Marcelo Costa
– 51 Festivais 2013: Agenda Estados Unidos e Europa (aqui)
– Festivais 2012: Primavera Sound (aqui) e ATP 2012 (aqui)
– Festivais 2011: Coachella (aqui), Primavera Sound (aqui) e Benicàssim (aqui)
– Festivais 2010: Primavera Sound (aqui) e Isle of Wight (aqui)
– Festivais 2009: Cactus (aqui), Rock Werchter (aqui) Serpentine (aqui)
– Festivais 2008: Benicàssim (aqui), T In The Park (aqui) Werchter (aqui)
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