Jack White no Coliseu de Lisboa

Jack White no Coliseu de Lisboa: Comunhão Geracional
Texto por Pedro Salgado, especial de Lisboa
Fotos de Jo McCaughey

O que dizer de um show em que o público destila entusiasmo da primeira à última música? Benevolência, fome de apresentações ao vivo ou maestria do artista? É certo que a agradabilíssima noite de verão de uma sexta-feira, 31 de agosto, bem como o estatuto de Jack White, impulsionou as diversas tribos roqueiras e os novos cristãos da era “Blunderbuss” para o concerto do músico do momento, lotando por completo a famosa sala de espetáculos lisboeta.

Em sua segunda visita a Portugal (a primeira ocorreu há cinco anos, no Festival Optimus Alive, com o The White Stripes), o show começou pouco depois das 22 horas, com uma introdução da banda de apoio, os Buzzards (a banda de “meninos”), numa efusiva combinação instrumental de contrabaixo, violino, teclas e guitarra, destacando-se o versátil baterista Daru Jones. Em seguida, White entrou e, literalmente, o rock soltou as amarras com “Dead Leaves and the Dirty Ground”, do White Stripes, seguindo-se uma abrasiva e fortemente percussiva rendição de “Sixteen Saltines”, segundo single de “Blunderbuss”.

Com a assistência completamente rendida à sua descarga sónica intensa e apaixonante, White refreou os ânimos, lançou um “Hello Portugal!” e prosseguiu com a country interativa de “Weep Themselves to Sleep” e os blues de “Blunderbuss”, ainda assim acompanhados pelas palmas do Coliseu de Lisboa. De forma geral, Jack White foi um homem de poucas falas, porque parece demasiadamente envolvido no seu transe sonoro e na trepidação da música. Apresentou a banda e, pontualmente, deixou-se levar pelo entusiasmo reinante, mas não descambou em palavras fáceis ou clichés típicos do showbusiness.

Depois de uma versão elegante e misteriosa de “I Guess I Should Go To Sleep”, o guitarrista desfilaria “I Cut Like A Buffalo”, do The Dead Weather, vários temas do The White Stripes, como “The Same Boy You’ve Always Known”, interpretaria “Two Against One”, do projeto Rome (com Danger Mouse e Daniele Luppi), na qual a sensação de partilha e de crescendo do público foi notória. Antes de abandonar o palco, “The Hardest Button to Button”, próxima do hino de estádio, inflamou ainda mais a assistência e destacou a sempre presente herança do grupo americano.

Perante os cânticos incessantes de “Seven Nation Army”, Jack e os Buzzards regressaram para um encore que incluiu “Steady, As She Goes”, do The Raconteurs, numa leitura empolgante, suficientemente roqueira e com algumas derivas pop. Seguiu-se uma poderosa “Freedom At 21”, provocando um coro geral de “Jack, Jack!”. “Hypocritical Kiss” cumpriu a sua missão, bem como a versão de “Nitro”, do bardo Hank Williams. “Blue Blood Blues”, do The Dead Weather, abriu caminho para a apoteose sonora e vocal de “Seven Nation Army”, que encerrou um show memorável.

Embora permaneça a ideia de que Jack White, de algum modo, seja o músico que veio resgatar o rock da sua crise existencial, alimentada pela sua inegável capacidade de construir canções com substância, tal como o virtuosismo instrumental que o habita (e ele esteve presente em Lisboa), é na forma natural como se apropria da linguagem universalmente celebrada, e a devolve ao público como nova, que se encontra o segredo do seu sucesso e a razão de tanta unanimidade. Pela sua honestidade, profissionalismo e originalidade, ele é o grande músico da sua geração.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja algumas entrevistas de Pedro Salgado aqui

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