Música: Canções de Guerra, Pública

por Bruno Capelas

O ano é 1991. Milton Nascimento, descontente com a situação política do país, compra uma passagem só de ida pra Inglaterra. Lá, Bituca se depara com uma cena musical fervilhante, e se envolve com o som das bandas locais. Bobby Gillespie o chama para tocar baixo em alguns shows do Primal Scream, e o Stone Roses pensa em gravar alguma canção do Clube da Esquina em seu aguardado segundo disco… paremos por aqui, porque isso não é mais do que uma grande ilusão. Mas, se fosse para descrever rapidamente “Canções de Guerra”, o terceiro disco da Pública, poucas imagens teriam melhor poder de síntese.

O que a Pública apresenta em seu mais recente álbum é um som bem setentista, filtrado por referências musicais da virada dos anos 80 para os 90 – época que norteou o primeiro trabalho dos gaúchos, “Polaris”, e também predominou no seguinte “Como Num Filme Sem Fim”. Entretanto, no segundo álbum, a banda de Pedro Metz já dava algumas pistas de como poderia vir a se portar dali para diante: é o caso da kinksniana “Sessão da Tarde”, com apelo nostálgico evidente. Em “Canções da Guerra”, entretanto, esse viés saudosista deixa de lado os irmãos Davies para aportar na esquina da Rua Paraisópolis com a Rua Divinópolis, no qual o arranjo e o clima do libelo pacifista “Cartas da Guerra” lembram a primeira Coca Cola de “Conversando no Bar (Saudade dos Aviões da Panair)” – e também alguma coisa do Beach Boys da fase “Smile”.

A menção a Belo Horizonte não é gratuita apenas no sentido da sonoridade: a Pública, das boas bandas que despontaram do Rio Grande nos últimos anos, é a menos gaúcha de todas. Desde o começo, ela fez uma recusa às duas sonoridades mais predominantes na cena gaudéria: não lota suas letras de piadas engraçadinhas ou referências cabeça, em uma linhagem que pode abranger os Engenheiros do Hawaii, a Graforreia Xilarmônica e a Bidê ou Balde; nem entrou de cabeça na onda do rock sessentista/setentista, à moda do The Who, dos Stones e do AC/DC, cujo maior representante é a Cachorro Grande (de uma linhagem que começa lá atrás nos Cascavelletes).

Alguns dirão que a Pública opta pela terceira via, a indie dos anos 2000, que surgiu principalmente na esteira de bandas como Strokes e Interpol. Não deixa de ser uma verdade, especialmente para a época de “Polaris”, mas mesmo ali já se viam matizes diferentes, como a lisergia de “Bicicleta” e a beatlesca “Long Plays”. Em “Canções da Guerra”, essa vertente aparece pouco: só a dançante “Lembre Que Eu Me Lembro” parece lembrar ao ouvinte que este é um disco feito em 2011. Além disso, vale citar que nem o sotaque nem as referências ao estado aparecem de maneira forte aqui.

Por falar em “Long Plays”, é preciso dizer que falta a “Canções de Guerra” uma música de punch, para pegar o ouvinte pelo estômago ou pelos pés e fazê-lo se contorcer, como também era “Casa Abandonada” ou “Há Dez Anos ou Mais”. A escolha inicial parece recair aqui sobre “Corpo Fechado”, mas ela tem uma natureza diferente das anteriores, por sua atmosfera mais espiritual – uma das abordagens possíveis para sua temática, que pode ser também interpretada como uma metáfora para a morte, a vida nas cidades ou o final de um romance. Esse clima mais triste também toma conta da parte final do disco, em especial na dobradinha “Silenciou” e “Apagar as Luzes”, que por seus próprios nomes já preveem um apocalipse dos sentidos.

“Canções da Guerra” é um bonito disco, sim, e não dá pra duvidar muito disso. Mas ele tem um problema: pela terceira vez seguida, é um álbum que bate na trave – a sensação que fica, quando se acaba de escutá-lo, é que a banda tinha tudo para fazer um golaço, mas um toque de calcanhar a la Deivid impediu-a de fazer isso. Potencial para isso, ela tem de sobra – “Long Plays” é, sem dúvida alguma, uma das baladas mais fodas da década 00, só pra citar uma. Para continuar na metáfora futebolística, parece faltar fôlego aos gaúchos, como um time que joga pela Libertadores na altitude e sofre um empate aos 40 minutos do segundo tempo. Em todo caso, vale esperar a partida de volta.

– Bruno Capelas é estudante de jornalismo e assina o blog Pergunte ao Pop.

Leia também:
– Entrevista: Pedro Metz revela a influência de SP e o processo de concepção do álbum (aqui)

ComScore

6 thoughts on “Música: Canções de Guerra, Pública

  1. Apagaram o meu reply só porque eu disse que os vocais do primeiro disco da Pública parecem com os do Roupa Nova…

  2. concordo com o bruno, a pública é uma das mais competentes. e particularmente gosto muito do disco. só que ele tem uns problemas sérios, apesar dos arranjos bonitos, algumas letras soam piegas (demais).
    no mais, comercialmente (falo de novelas, já que citaram o roupa nova aí) o disco podia ter sido descoberto. se cai na boca do povo faz um sucessão.

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