texto por Fernando Yokota
Em recentes entrevistas, Eric Burton, vocalista dos Black Pumas, pontuou dois aspectos importantes no lançamento de “Chronicles Of A Diamond” (2023), novo álbum do projeto também encabeçado por Adrian Quesada (que, por sinal, lançou no ano passado o interessantíssimo “Boleros Psicodélicos”).
O primeiro é que a nova coleção de músicas — quatro anos depois do aclamado álbum homônimo — é um esforço que correu em mão dupla, ao contrário de “Black Pumas”, um conjunto de ideias de Quesada que foram apresentadas a Burton para que este cuidasse de eventuais ajustes finais.
O outro ponto tocado por Burton é que eles (tavez pela mudança da dinâmica na composição das canções) preferem encarar “Chronicles Of A Diamond” mais como uma reestreia da dupla, tentando se distanciar da ideia da temida síndrome do segundo disco.
Dar sequência a um registro que se tornou sinônimo de um gênero (“neo soul”) é tarefa ingrata e “Chronicles Of A Diamond” pode ser encarado como uma guerra em dois fronts: aplacar a sede do rebanho fiel e explorar novas abordagens, um servindo como âncora para o progresso do outro.
Uma interpretação possível é que este novo trabalho seja um álbum de transição, começando o doloroso processo de corte do cordão umbilical que liga o grupo ao aconchego do útero do soul. Ainda que seja um disco sólido, abdica de arrasa-quarteirões como “Colors” em prol de aventuras por outras praias, ainda que sejam tímidos dedos na água, e deixa o ouvinte na expectativa de qual será o desfecho da metamorfose dos Pumas.
Mixado por Steve Everett — responsável por discos de Alabama Shakes e, em especial, “Everything Is Alive”, do Slowdive, tivemos a oportunidade de participar da avant première de “Chronicles Of A Diamond” em mais um evento sediado na Casa da Mia / Made In Quebrada (que também sediou a audição do último álbum de Mitski) na Galeria Nova Barão, o coração pulsante do vinil paulistano. Abaixo, um breve relato faixa a faixa do disco que chega nesta sexta-feira ao mundo:
O Black Pumas é atração confirmada do C6 Fest 2024, em São Paulo
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01) More Than A Love Song: O primeiro single e a faixa que abre o álbum é um aceno à base de fãs. As palmas, o clima gospel e os backing vocals repetindo “fly together” mil vezes compõem uma canção que nasceu para ser tocada ao vivo e fará sucesso com os fãs.
02) Ice Cream (Pay Phone): Começa com alguma coisa de “Everybody Wants To Rule The World”, do Tears For Fears, e rapidamente se transforma em Jackson 5. O contraste do falsetto por cima de guitarras distorcidas e a bateria saturada funciona bem na canção mais divertida do disco. Composição de Burton diferente de tudo que haviam feito antes. Serve de exemplo de como o método de construção do disco, mais colaborativo, afetou o produto final.
03) Mrs. Postman: O segundo single deixa de lado a cozinha clássica que marca o som característico da banda, que é substituído por um loop que pende mais ao trip hop de Tricky ou DJ Shadow que ao soul tradicional. A ambientação noventista é completada com o coral ao estilo TLC que deita sobre uma linha de baixo redonda, mas a cereja do bolo é o riff de piano, filho bastardo de “C.R.E.A.M.”, do Wu-Tang Clan, com “Still D.R.E.” e que só é retirada dos ouvidos mediante procedimento cirúrgico. Nasceu para ser o hit do álbum.
04) Chronicles of a Diamond: Com o piano conduzindo a faixa, tem a cadência lenta e mais uma vez o timbre saturado da bateria que dá o ar vintage. Poderia tranquilamente estar no primeiro disco e vai agradar aos fãs mais ortodoxos.
05) Angel: Terceiro single e a mais longa faixa do álbum, é mais uma para pregar aos convertidos e o mais próximo da grandiosidade de “Colors” ou “Black Moon Rising” e vai agradar a quem gostou de “OCT 33”. Fica o destaque para o inspirado solo de slide de Quesada, inspirado quase integralmente do Evangelho de São George Harrison.
06) Hello: Começando com um sintetizador e uma bateria eletrônica lo-fi, é mais uma das que tem uma sonoridade diferente. Ao contrário do som grandioso, é introvertida perto do resto do disco, ainda que a voz de Burton esteja bem à frente do resto da mix. Os backing vocals, metidos em reverb, não têm o efeito de elevação do receituário da música gospel, funcionando quase como uma camada de sintetizador que fica mergulhada ao fundo até o último momento, quando emerge modulado num phaser psicodélico.
07) Sauvignon: Com uma guitarra matadora de Quesada, meio western spaghetti, poderia ser descrita como a “mais inquieta” do álbum, com o elemento percussivo trabalhando para além da manutenção do tempo, dando acentos extras ao andamento. Burton intercala linhas em falsetto com outras mais graves, sendo que nessas últimas quase conversa com a levada sincopada da bateria.
08) Tomorrow: Tem vocalizações interessantes de Burton, mas o melhor momento é mais uma vez a guitarra de Quesada, num solo com fuzz modulado e que infelizmente se perde no fade out. Provavelmente a menos interessante do disco.
09) Gemini Sun: Com timbres gigantescos de bateria com uma levada pesada (pense no refrão de “Come Together”), é quando a banda dá sinais de que quer romper com a fórmula consagrada, ainda que não perca a ternura. É o momento mais Led Zeppelin do álbum…
10) Rock and Roll: E falando em Led Zeppelin, a faixa derradeira — sem qualquer relação com a faixa homônima da banda inglesa — começa com arpeggios de piano seguido por um violão que pode lembrar “Ramble On” para uns ou Clube da Esquina para outros. A faixa avança para uma levada em tempo composto que, assim como “Gemini Sun”, traz o Black Pumas menos soul/gospel e mais pesado. Seria esse o prefácio do próximo disco?
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: instagram.com/fernandoyokota/