entrevista de João Paulo Barreto
Existe uma notória (e apocalíptica, vale salientar) frase proferida por Albert Einstein na qual ele lança luz para uma possibilidade de extinção das abelhas. Em sua análise, o notório físico alemão dá um ultimato ao Homem ao afirmar que “se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência”. Por mais áspera e desesperançosa que sua afirmação possa parecer, o gênio, obviamente, não estava errado em seu embasamento para cravar um futuro tão nefasto para a raça dominante do planeta Terra em caso de uma extinção desses pequenos seres. “Sem abelhas, não há polinização. Sem polinização, não há reprodução da flora. Sem flora, não há animais. Sem animais, não haverá raça humana”, explicou o criador da Teoria da Relatividade ao desenvolver seu raciocínio.
Seguindo uma análise semelhante à proposta por Einstein em relação à preservação das abelhas, a série “Floradas – Na Trilha a Agroecologia” (2023) oferece à sua audiência essa reflexão de maneira documental, em um didatismo (no melhor sentido da palavra) necessário em suas fontes entrevistadas. Além disso, em uma feliz escolha de formato ficcional, na qual os conflitos da protagonista Flora (Carluce Couto), uma ativista ecológica e herdeira das terras de uma fazenda, diante da estagnação intelectual e priorização capitalista do latifundiário Henrique (Jhoilson Oliveira), ilustram para o telespectador esse choque entre um pensamento progressista contra um retrógrado, fazendo valer a importância dos caminhos sugeridos pelo primeiro. Em entrevista ao Scream & Yell, Anderson Soares, diretor e co-roteirista de “Floradas”, aborda esses caminhos de reflexão trazidos pela série, atualmente disponível na TVE Bahia (horários da programação aqui).
“A frase de Einstein era um conceito que, inicialmente, era algo muito forte na série. Se não encontrarmos uma maneira de conviver bem com a natureza, a humanidade vai ser extinta. Mas o interessante é que esses mesmos encontros com várias dessas pessoas que já trabalham com agroecologia, eles não só trazem esperança de mudança, mas também trazem uma reflexão de que não é que vá acabar a humanidade, mas, sim, a qualidade de vida”, explica Anderson ao pontuar os encontros que “Floradas” trouxe entre personagens reais que utilizam a agroecologia como modo de produção e a presença idealista de sua protagonista, a obstinada Flora.
“De uma certa forma, Flora existe. Não plenamente, mas em várias das mulheres que nós entrevistamos. Elas vivenciaram situações muito próximas do que Flora vivenciou. Elas tiveram curas, desencantos, e elas tiveram, também, os ‘Henriques’. Maridos que trabalhavam com agronegócio, altamente machistas, tóxicos, e que tinham uma visão de mundo muito personalíssima. Esses dois personagens são fruto dessas relações. Como não queríamos tratar da exposição ou dar exposição a essas pessoas, preferimos ficcionalizar parte das histórias. Fizemos uma forma de narrativa que conduzisse a um outro lugar e a tornasse mais interessante com essa costura da história como um todo”, afirma o diretor.
Em seus muitos encontros, “Floradas” destaca a presença de Marsha Hanzi, estadunidense de 76 anos que reside em Tucano, interior da Bahia, há décadas. Em sua fala durante a entrevista concedida à produção, Hanzi pontua seus esforços dentro da agroecologia no sítio onde mora. Após anos batalhando em busca de um equilíbrio de plantio e criação de animais, Marsha conseguiu criar um oásis dentro da aridez da caatinga. O produtor-executivo da série, Léo Silva, relembra esse encontro com Marsha e com outros personagens que a série traz. “Iniciamos a etapa de pesquisa e desenvolvimento viajando para todos os cantos da Bahia e o que mais me impactou foram as histórias de vida e o entendimento que agroecologia é muito mais que plantar, colher e sobreviver daquela colheita”, esclarece o produtor. “Aprendemos que, mais que isso, agroecologia é uma forma de enxergar o mundo e buscar uma forma harmônica de vida na terra. Conhecer Marsha e seu sítio encantado; Joelson e Solange com a luta pela terra; Dona Maria Muniz com sua espiritualidade e liderança; Edilson e sua sociedade alternativa; Brígida em sua generosidade; Ana Célia e a força da nossa ancestralidade. Além das comunidades e das paisagens que passamos, foi algo que nos arrebatou e me fez perceber que essas histórias seriam potentes e que precisávamos fazer uma série que lançasse tudo isso para o mundo”, comemora Léo.
Escrita antes da pandemia modificar os modos da sociedade encarar a rotina de cuidados preventivos, “Floradas” se passa em um futuro no qual o hábito de usar máscaras de proteção diante de um risco de contaminação se tornou definitivo. Já em sua estrutura híbrida que equilibra ficção e documentário, “Floradas” acaba diluindo seu didatismo e abrangendo as possibilidades de alcance que sua narrativa tem diante de vários públicos. Ao unir o drama ficcional de Flora e Henrique aos aspectos reais que a primeira encontra perante os desafios que a diversas fontes entrevistadas têm em suas lutas diárias por uma conscientização da agroecologia, a série dialoga em uma esfera bem maior de espectadores.
Anderson Soares explica o direcionamento do roteiro: “Essa proposta veio da ideia de querermos expandir esse conceito e não ficar unicamente nas mãos do documentário. Precisávamos levar esse conceito, essa estética e, particularmente, trazer essas informações bem-sucedidas de agroecologia para um público que não está acostumado a isso. Então, queríamos sair dos formatos tradicionais, digamos assim, do que seria o documentário. Trazer uma dramaturgia que pudesse dar conta de explicar tudo que acontece nesse mundo da agroecologia, abordando as divergências do agroecológico e tudo mais”, aponta o diretor.
Diante de um presente que beira o distópico, no qual vírus letais são vistos como “gripezinhas” tratáveis com vermífugos e negacionistas plantam ideias terraplanistas e de anti-ciência, a catástrofe do futuro imaginado por Albert Einstein com possíveis extinções de espécies, infelizmente, se torna cada vez mais real. Neste papo com o Scream & Yell, Anderson e Léo aprofundam a experiência conscientizadora que a produção da série lhes trouxe. Confira!
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Qual o embrião de desenvolvimento da série “Floradas: Na Trilha da Agroecologia” dentro de um tema tão urgente relacionado à preservação ambiental?
Anderson Soares – “Floradas” começa com um convite de uma colega minha, a Lala, que é diretora de Arte. Ela veio do Paraguai com duas amigas e, também, colegas de profissão. Ambas latinas, sendo uma da Espanha e outra da Argentina. As três, a partir de Lala, me convidaram para fazer esse projeto sobre a Agroecologia. O início da pesquisa que elas trouxeram era muito pautada em experiências agroecológicas bem ao estilo europeu, com uma construção de uma classe dominante que está trazendo uma solução para o mundo. E ali, quando começamos a fazer nossa pesquisa, já identificamos que tinha muito desse olhar eurocêntrico mais uma vez. Mas topamos fazer. Partimos para construir o projeto e, nesse momento, elas tiveram algumas questões e não conseguiram permanecer na pesquisa e, também, no projeto. Acabou que tivemos que desenvolvê-lo separado delas. Nessa pesquisa, a primeira experiência que pegamos aqui no Brasil, já sentimos que teríamos um olhar diferente. Essa coisa de agroecologia, esses conceitos, essas ideias, tinham uma inspiração muito forte nos povos originários, particularmente os povos indígenas do Brasil e em como é que eles viviam em harmonia com a natureza. Eles conseguiam plantar, conseguiam colher, conseguiam cultivar e fazer todos os processos sem essa necessidade de ter que destruir, ter que matar a floresta e tudo mais. Esses ensinamentos foram passados e o plantio antigo, que chamavam de plantio caboclo, mesmo os povos brasileiros já descendentes já cultivavam. Foi quando a gente foi atrás dessas informações, dessas pessoas que tivessem boas experiências agroecológicas e construímos a ideia de trazer uma narrativa de ficção. Isso já foi uma outra coisa que trouxemos. Essa proposta veio da ideia de querermos expandir esse conceito e não ficar unicamente nas mãos do documentário. Precisávamos levar esse conceito, essa estética e, particularmente, trazer essas informações bem-sucedidas de agroecologia para um público que não está acostumado a isso. Então, queríamos sair dos formatos tradicionais, digamos assim, do que seria o documentário. Trazer uma dramaturgia que pudesse dar conta de explicar tudo que acontece nesse mundo da agroecologia, abordando as divergências do agroecológico e tudo mais.
Leonardo, você atuou como produtor-executivo da série. Como foi esse processo de descoberta dos personagens entrevistados e das histórias reais que poderiam ser contadas?
Leonardo Silva – Produzir “Floradas” veio como um grande desafio quando a temática do documentário se mostrou para mim, que nunca tive nenhuma relação direta com o campo e seus meios de produção e de vida. Iniciamos a etapa de pesquisa e desenvolvimento viajando para todos os cantos da Bahia e o que mais me impactou foram as histórias de vida e o entendimento que agroecologia é muito mais que plantar, colher e sobreviver daquela colheita. Aprendemos que, mais que isso, agroecologia é uma forma de enxergar o mundo e buscar uma forma harmônica de vida na terra. Conhecer Marsha e seu sítio encantado; Joelson e Solange com a luta pela terra; Dona Maria Muniz com sua espiritualidade e liderança; Edilson e sua sociedade alternativa; Brígida em sua generosidade; Ana Célia e a força da nossa ancestralidade. Além das comunidades e das paisagens que passamos, foi algo que nos arrebatou e me fez perceber que essas histórias seriam potentes e que precisávamos fazer uma série que lançasse tudo isso para o mundo.
Como surgiu a ideia original do roteiro? A abordagem relacionada ao (des)equilíbrio da natureza com uma possibilidade de extinção das abelhas sempre foi uma premissa básica?
Anderson Soares – Esse início da pesquisa trazia uma frase do Albert Einstein: “Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência.” Esse era um conceito que, inicialmente, era algo muito forte. Se não encontrarmos uma maneira de conviver bem com a natureza, a humanidade vai ser extinta. Mas o interessante é que esses mesmos encontros com várias dessas pessoas que já trabalham com agroecologia, eles não só trazem esperança de mudança, mas também trazem uma reflexão de que não é que vá acabar a humanidade, mas, sim, a qualidade de vida. As diferenças sociais, o custo de vida, a qualidade como um todo, ou seja, cada vez mais, você vai lutar e trabalhar mais por menos. E aí é isso que eles trazem. Ou seja, vai diminuir a diversidade da comida, vai diminuir a quantidade de água potável, os bens de consumo vão subir elevadamente. Acaba que você vai ter uma qualidade de vida muito ruim. E são poucos aqueles que terão uma boa qualidade de vida. Esse foi o entendimento ao qual chegamos. Um futuro sem agroecologia, um futuro sem o homem repensar sobre como tratar a natureza, ele não vai trazer uma extinção da humanidade, mas vai trazer uma extinção de um modo de vida mais harmônico, com qualidade, uma coisa em que as pessoas possam viver bem, inclusive as pessoas de classes mais pobres, aquelas do interior, as que vivem do plantio.
Do mesmo modo, a união narrativa entre documentário e ficção foi o ponto inicial da proposta de escrita?
Anderson Soares – Sim. A narrativa documental já era a proposta inicial de tratar com personagens, que eu vou colocar aqui como reais, no sentido de que são pessoas que vivem, realmente, da agroecologia, que têm suas experiências agroecológicas e que isso é o sustento delas e de suas famílias. Mas a gente, já nas primeiras propostas, quando a Cine Art’s começa a desenvolver esse projeto, ela já traz esse pensamento de ser… (pausa) vou chamar de ficção. Demorei muito para aceitar, porque tudo o que a gente criou na ficção foi fruto da pesquisa. De uma certa forma, Flora existe. Não plenamente, mas em várias das mulheres que nós entrevistamos. Elas vivenciaram situações muito próximas do que Flora vivenciou. Elas tiveram curas, elas tiveram desencantos, e elas tiveram, também, os “Henriques”. Maridos que trabalhavam com agronegócio, altamente machistas, tóxicos, e que tinham uma visão de mundo muito personalíssima. Então, esses dois personagens são fruto dessas relações. Como a gente não queria tratar da exposição ou dar exposição a essas pessoas, preferimos ficcionalizar parte das histórias. Fizemos uma forma de narrativa que conduzisse a um outro lugar e a tornasse mais interessante com essa, digamos, costura da história como um todo.
A criação do choque entre os dois personagens ficcionais serviu para espelhar muito do que é visto em situações reais desse ambiente, então?
Anderson Soares – Isso. Na série, a ficção é o ponto central da história. Ela está no futuro, quando já temos uma qualidade de vida muito ruim por conta da degradação da atmosfera, dos ambientes e dos lugares, mas ela tem uma esperança. A personagem da Flora traz uma esperança de repovoar as abelhas, de começar a plantar, de ter as experiências agroecológicas a partir do que ela vivenciou no seu passado. E aí, com esse intuito, ela quer voltar e fazer a terra respirar novamente, reviver, encontrar água, e trazer todos esses conceitos. E o Henrique, que, de alguma forma, cuidou das terras dos pais dela, e hoje está assentado no lugar, continua nas terras dele. O personagem dele tem dificuldade não só de compreensão desse novo olhar, mas, também, dificuldade de olhar para ela.
Como foi o processo de pesquisa de campo e busca pelos personagens que seriam entrevistados pelos seus trabalhos com a agroecologia na criação da estrutura híbrida entre documentário e ficção?
Anderson Soares – Nós já tínhamos entendido que não íamos dar conta dessas histórias somente em buscas pela internet ou através dos livros. Claro que pegamos boas referências em conceitos sobre agroecologia, sobre a revolução verde que, na verdade, não é agroecologia, mas traz a questão do plantio, do agronegócio e como forma de, digamos, alimentar a humanidade. Nesse processo, a (pesquisadora) Ana Primavesi foi fundamental para o que buscamos. E isso, inicialmente ainda, como uma leitura teórica. Mas sentimos, ali, que se não fôssemos à campo, se não entendêssemos isso, como é que estava sendo aplicado, não seria suficiente para poder escrever um projeto como esse. E aí, realmente, fizemos os primeiros contatos, encontramos as Teias dos Povos, que é uma organização que tem a ideia de juntar os povos originários e, de alguma forma, esses povos poderem propor mudanças e se organizar. E já dali nós encontramos personagens que seriam bem interessantes. Nesse processo de pesquisa, também, a gente já teve um encontro que foi com um produtor de agroecologia. Ele faz agrofloresta, mas já está em um ponto tão comercial que não nos interessou que aquela experiência dele servisse para esse documentário. Então, começamos a cortar alguns personagens. Quando fechamos o primeiro tratamento do roteiro, nós tínhamos quarenta e oito personagens para serem entrevistados. E é engraçado que nesse processo, um dos personagens, o Joelson, de Iarataca, do assentamento Terra à Vista, um assentamento que era dos Sem-Terra, mas agora não é mais porque eles já são assentados e estão instalados nessa região. Ele trouxe isso: “você não vai fazer um filme ‘Narradores de Javé'”. A gente ficou invocado. O filme “Narradores de Javé” é um tipo de filme em que cada um fala um pedacinho e ninguém fala bem de nada. E no final o que todo mundo fala não tem nada a ver com a informação inicial. E é interessante que, com muitos anos de documentário, foi nesse aí que eu vi uma grande experiência. E aí a gente opta: ao invés de ter 48 pessoas falando sobre Agroecologia, pegamos oito personagens e eles podem contar tudo sobre agroecologia. E ter um aprofundamento não só nos conhecimentos deles, mas particularmente nos jeitos, nas idiossincrasias, ou seja, conhecer essas pessoas para construir boas histórias e a gente se afeiçoar. E aqui, também, na estética na qual tentamos fazer um elo entre os nossos personagens ficcionais e os personagens do documentário. Para que tudo parecesse uma história só. Não são duas histórias. É uma história só contada com estéticas diferentes, digamos assim.
A produção foi impactada pela pandemia, com a suspensão das atividades e o confinamento. Como foi para a equipe de roteiristas essa pausa?
Leonardo Silva – No período do desenvolvimento dos roteiros, vivíamos um momento de Brasil que beirava a distopia. Os noticiários, as crises e golpes políticos, a instabilidade e a vida que vivíamos, sem dúvidas, impactaram a sala de roteiro e como nós, produtores, víamos o real potencial da série como ferramenta de impacto social. A cada passo que avançávamos nas pesquisas e criação, o Brasil e o mundo nos mostravam realidades que pareciam nos desafiar, culminando diretamente numa pandemia. Estávamos a apenas três dias de iniciar as viagens de produção quando as medidas sanitárias foram impostas e o que pensávamos que iríamos adiar em alguns dias de produção, passou mais de um ano. Isso foi um golpe severo na produção, que teve que administrar todos os recursos, financeiros e humanos. Como lidar com a equipe, como manter a relação com os personagens depoentes, como administrar o orçamento, já que o tempo passava e a produção não avançava. Todos os custos aumentaram nesse período, como combustível, alimentação, por exemplo. E nós tínhamos o mesmo orçamento em mãos. Apesar de todo mal, esse período serviu para amadurecermos o nosso entendimento e o desenho de produção da série, ajustando as viagens, alinhando a equipe até que, mais de um ano depois, remontamos a equipe e partimos para a jornada de “Floradas”. Iniciar as filmagens e entrar em diversas comunidades logo depois da pandemia foi o desafio maior, os protocolos nos impunha cuidados ainda maiores, mas montamos uma equipe técnica compacta e que conseguisse a cada dia de gravação se imbuir da vontade de cumprir as demandas.
Anderson Soares – Em 2019, fizemos essa pesquisa e fomos visitar todos os lugares onde já queríamos fazer as gravações. Para o começo de 2020, em março, estava programada a primeira viagem para encontrar nossos primeiros personagens. O roteiro já estava pronto e íamos partir em viagem. Lembro-me que a viagem ia ser em uma quinta-feira, e, na terça anterior, houve o decreto de fechamento de estabelecimentos e orientando as pessoas a ficarem em casa. Naquele momento, imaginamos até que seria bom, pois teríamos um tempo maior para nos debruçar sobre o projeto, para preparar melhor, planejar, enfim, ter uma releitura do roteiro e melhorá-lo. Mas isso demorou bastante, né? Quase dois anos. Isso porque, entre as viagens, íamos visitar comunidades muito vulneráveis. As visitas seriam a comunidades quilombolas, a comunidades indígenas, e eles não têm hospitais próximos. E nós não poderíamos de forma nenhuma expô-los a uma possibilidade de vírus. Mas, na verdade, esses dois anos ajudaram para que nós conseguíssemos avançar ainda mais na pesquisa, nas relações, melhorar o roteiro. Porque a gente teve esse tempo todo de refletir sobre o que tínhamos vivenciado com os personagens. Assim, modificamos o roteiro, modificamos nossas ideias e nosso olhar. Então, tudo isso aconteceu nesse período. Somente em 2022 que voltamos a campo para, aí sim, finalmente, gravar a série.
Uma vez que a pandemia arrefeceu e o processo de filmagens avançaram, quais desafios você encontrou na produção, Leonardo?
Leonardo Silva – A produção de ficção foi um desafio grande. Tínhamos planejado apenas seis diárias para realizar todas as gravações e isso daria mais de sete páginas de roteiro por dia. Qualquer imprevisto poderia inviabilizar a meta. Na primeira diária, nós não cumprimos a quantidade necessária, o que jogou para a segunda diária uma demanda ainda maior. Aí tive que lançar mão da habilidade de produtor para chamar a equipe para o “jogo”, propondo uma dinâmica que motivasse a equipe para a missão das diárias seguintes. E conseguimos! Tínhamos o filme nas mãos, documentário e ficção em arquivos e mais arquivos de áudio e vídeo que nos lançou na rotina diária das ilhas de edição, onde eu atuo com muita intimidade, afinal essa foi a minha escola no audiovisual.
A pandemia atrasou, foi um processo longo, mas, finalmente, o projeto foi entregue.
Anderson Soares – Sim, verdade. Mas um projeto como “Floradas” só acontece se tiver um trabalho de coletividade muito, muito importante. Se as pessoas, realmente, abrirem seus corações. Não só as pessoas que abriram seus corações para falar sobre as suas experiências, mas nossa equipe estar atenta a ouvir, estar atenta à sensibilidade de construir, de pedir licença, de união, sabe? E acho que isso foi fundamental para fazermos. Dentro da experiência que nós optamos, nós costumávamos nos hospedar ou próximo na casa ou nos lugares que essas pessoas tinham. E nós vivenciamos um período com eles para que a gente pudesse ter toda essa intimidade. E a equipe topou isso. A equipe teve muito esse desprendimento de valores, abrindo mão de estar em hotéis, abrindo mão de estar almoçando em restaurantes, para estar ali, junto com aquelas pessoas e vivenciando o dia a dia delas. E acho que isso foi uma coisa que deu para a gente um tom muito interessante. E toda a equipe, desde quem capta as imagens, o som, até as pessoas que participam da parte técnica, como o Moises (Neuma, responsável pela Captação de Som), o Daniel Talento (Direção de Fotografia), os assistentes, ou seja, foi uma equipe muito forte. Nossos produtores, a Aline Cléa, o Léo Silva, a Alessandra, a Aleide, eles foram fundamentais. São eles que foram fechar com as pessoas em campo. É fundamental essa grande união para que a gente possa construir. E aí, depois, a sensibilidade, de Luiz Chaves, tanto no roteiro quanto na música. E o Eduardo Ayrosa, que veio com a mixagem e a finalização tão importante. A união dessa equipe foi um passo fundamental para o êxito da obra.
Leonardo Silva – Válido lembrar, também, que à medida que a série ia ganhando forma, uma grande preocupação me norteava: à frente da Mantra, uma produtora que colocou como missão produzir obras com padrões de qualidade que alcance mercado, eu precisava garantir que tivéssemos o melhor tratamento de cor, o melhor som, a melhor edição para entregar para o público uma série que possa alcançar grandes janelas de exibição. Acredito que conseguimos. Por fim, “Floradas – Na Trilha da Agroecologia” é uma série que chegou na produtora como mais uma demanda e demonstrou ser uma série única que vai impactar a audiência e suscitar pensamentos sobre o modo de vida de cada pessoa que tiver a oportunidade de assistir.
– Leia também entrevista com a atriz Carluce Couto, protagonista de “Floradas”
– Co-roteirista, Vitor Sousa fala dVer Posta emergência em repensar a maneira como lidamos com a agroecologia
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.