entrevista por Luciano Ferreira
Tudo que fazemos é na busca do acerto, mas sempre passível ao erro. Inclusive é nesse processo de erros e acertos que as ciências trabalham, aprendem, evoluem. Essa diferença entre o que se busca e o que se alcança é um antagonismo que caminha inevitavelmente de mãos dadas. Entender e aceitar os erros como parte do processo permite o crescimento. Na imobilidade ou na passividade se esconde quem teme o erro. O grupo Linda Martini, por sua vez, aceita o erro como parte do processo – até já comentaram que a própria banda é fruto de um erro.
É entendendo e abraçando o erro como algo muitas vezes inevitável e até mesmo inexorável que o grupo nomeia o seu sexto álbum de “Errôr” (2022). O próprio lançamento do trabalho foi marcado por uma sucessão de “erros”, seja na programação das gravações, seja na própria data de lançamento do disco, adiado por causa da pandemia, um tema que, inclusive, surge em várias das novas letras de André Henriques: “Depois de um ano com as notícias (da Covid) nos bombardeando diariamente, e não tendo mais nada a acontecer nas nossas vidas, seria difícil fugir ao tema”.
Porém, não só a pandemia e seus efeitos (físicos ou psicológicos) estão presentes em “Errôr”. O recrudescimento do extremismo e do negacionismo surgem em faixas como “E Não Sobrou Ninguém” e “Objeções à Firmeza do Olhar”, e eles explicam: “Tudo se tornou extremo nestes últimos tempos, mas no que diz respeito às desigualdades, que são sempre acentuadas em alturas de crise, o mundo já estava no caminho de retrocesso (…). Este disco funcionou como uma esponja de todos os assuntos dos quais não pudemos fugir desde 2020”.
“Errôr” também vem marcado por uma estética que prioriza o preto e branco, seja na fotografia dos videoclipes, nos títulos e nas próprias letras como também na capa do disco, criação da baixista Claudia Guerreiro, como na ambiência dos shows: “Uma das coisas que definimos logo no início, mesmo antes de ter músicas fechadas, é que queríamos um ambiente escuro. A começar por nós, vestidos de preto. Isso acabou por definir o caminho estético”, contam. “Sabíamos que queríamos um disco mais escuro. Mais lento, mais repetitivo. Mais pesado”.
Próximo do lançamento de “Errôr”, a banda anunciou a saída do guitarrista Pedro Geraldes, um de seus membros fundadores em 2003 ao lado de André Henriques, Cláudia Guerreiro e Hélio Morais, num momento em que se preparavam para a retomada dos shows. O amigo Rui Carvalho (do projeto Filho da Mãe) foi convocado para assumir a segunda guitarra ao vivo. “Qualquer ruptura numa relação tem impacto na vida de todos os envolvidos, mas as relações são assim e a única hipótese é seguir com a vida”, dizem, de maneira sóbria. Falem mais, Linda Martini:
Vocês acabaram de lançar “Errôr”. O que poderiam contar sobre o processo de gravação?
O processo de gravação foi rápido, o de composição é que foi mais demorado. Começamos a compor para este disco em 2019 e no início de 2020 fizemos uma residência onde fechamos o instrumental de quase todas as músicas, com coisas que já tínhamos e outras que apareceram ali. Apenas “Horário de Verão” surgiu depois, na nossa sala de ensaio. Entretanto rebentou a pandemia e, claro, os planos de gravação e lançamento foram sendo consecutivamente adiados, até que conseguimos gravar em janeiro de 2021 nos estúdios Namouche, tendo o nosso amigo Sandro Garcia vindo até Portugal para se encarregar da produção. Foram cerca de 10 dias em estúdio, com muita liberdade e espaço para experimentar soluções novas e encaixar todas as letras que o André escreveu até à data da gravação.
Nos dois primeiros singles, “Taxonomia” e “Horário de Verão”, o tema da pandemia foi abordado. Como foi pra vocês lidarem com a situação enquanto banda e individualmente?
Individualmente não há de ter sido diferente do que para o resto dos comuns mortais, uns com mais, outros com menos dificuldades. Para a banda implicou ficarmos sem shows (o que individualmente significa falta de trabalho) e adiamentos sucessivos dos planos que tínhamos. Os ensaios ficaram parados e quando voltámos foi quando o André voltou a pegar nas letras, já contaminadas pela nova conjectura.
E de que forma todo o contexto pandêmico está refletido no álbum?
Depois de um ano com as notícias (sobre a Covid) nos bombardeando diariamente, e não tendo mais nada acontecendo nas nossas vidas, seria difícil fugir ao tema. Todo o isolamento a que esta situação nos obrigou, numa altura em que tudo se tornou extremo, em que as questões da saúde mental e as diferenças sociais se tornaram tão evidentes, levou-nos naturalmente às questões que abordamos. Não costumamos fazer (letras) de forma tão direta, mas neste disco pareceu-nos incontornável.
A letra de “E Não Sobrou Ninguém” é inspirada num poema de Martin Niemoller e toca em assuntos como preconceito e discriminação, algo que recrudesceu em escala global nos últimos anos…
O título da música, bem como parte da letra, são, de fato, inspirados nesse poema, tornando-se depois num exercício sobre os assuntos que referes. Sem dúvida que esse sentimento está presente no disco. Como dissemos antes, tudo se tornou extremo nestes últimos tempos, mas no que diz respeito às desigualdades, que são sempre acentuadas em alturas de crise, o mundo já estava no caminho de retrocesso, com os, cada vez mais, surgimentos de partidos de extrema direita e todos os extremismos que o seu posicionamento implica. Este disco funcionou como uma esponja de todos os assuntos dos quais não pudemos fugir desde 2020.
Poderiam contar sobre as influências presentes em “Errôr”?
Sabíamos que queríamos um disco mais escuro. Mais lento, mais repetitivo. Mais pesado. Pensamos em Nick Cave, Protomartyr, Daughters, Queens of the Stone Age… o Hélio (baterista) tinha desde início a referência de bateria de Peixe:Avião. Claro que muitas outras referências vão surgindo, não intencionais, mas que têm sempre que ver com a nossa bagagem musical. Por exemplo, a referência ao Brasil é recorrente nos nossos discos. Desta vez foi em “Obá Obá Obá”.
Esteticamente vocês têm utilizado a fotografia em preto e branco seja nos vídeos ou nas fotos recentes. O que poderiam contar a respeito dessa escolha?
Uma das coisas que definimos logo no início, mesmo antes de ter músicas fechadas, é que queríamos um ambiente escuro. A começar por nós, vestidos de preto. Isso acabou por definir o caminho estético dos vídeos e de tudo o resto. A capa é um desenho da Cláudia, também preto e branco, uma mancha que escorre, um borrão, algo que também pode ser visto como um erro. Dessa capa acabamos por definir a nossa imagem de palco, tudo a preto e branco, com um vídeo no fundo com uma mancha galopante que nunca para de escorrer até ao final da apresentação. Como se quer que também seja a música.
Vocês estão com alguns shows agendados e houve a saída do Pedro Geraldes, como essa mudança impacta ao vivo e na banda de forma geral?
Qualquer ruptura numa relação tem impacto na vida de todos os envolvidos, mas as relações são assim e a única hipótese é seguir com a vida. Tínhamos um disco para mostrar e muita vontade de tocá-lo ao vivo, e é isso que estamos fazendo. Tivemos que chamar outra pessoa para tocar conosco, porque o disco e as nossas outras músicas assim o exigem, por agora. Chamamos alguém da família, o Rui Carvalho, também conhecido como Filho da Mãe. Tivemos duas semanas de ensaios exaustivos com ele e os shows estão correndo muito bem. O Rui vem ocupar o espaço de uma segunda guitarra, não necessariamente igual ao que foi gravado. É um espaço musical que precisa de ser preenchido e ele está a fazê-lo da melhor maneira. Estamos muito felizes com as apresentações, com a reação do público e com a possibilidade de podermos voltar a tocar ao vivo.
Em 2023 vocês completam 20 anos de banda. Já pararam para fazer essa reflexão? Pretendem fazer algo em comemoração?
Desde 2006 que temos a ideia de fazer um disco chamado “20 anos, 20 canções”. Quem sabe se será para o ano! Hahaha!
Em uma entrevista de 2020, vocês falaram da interessante partilha da língua entre Portugal e Brasil e afirmaram a vontade de tocar aqui. O que sabem sobre os fãs brasileiros da Linda Martini e se já foram convidados ou sondados para shows no país? O que falta para acontecer?
Não sabemos muito, mas de vez em quando vão aparecendo alguns com muita vontade de nos ver no Brasil. Claro que isso nos deixa entusiasmados! Mas até hoje, infelizmente, não aconteceu… Falta algum promotor brasileiro que se encante conosco e que nos queira levai aí. A nós não nos falta vontade!
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.