por Adriano Costa
O escritor e filósofo inglês Francis Bacon escreveu em uma de suas obras no longínquo ano de 1625 que “os homens temem a morte como as crianças temem ir ao escuro”. Tal assertiva personifica o temor do ser humano com o perecimento, com o final a que todos estamos sujeitos. Quanto mais velhos ficamos é normal que essa ideia esteja mais presente nos nossos pensamentos e mesmo que não se fique paranoico com isso, vez ou outra esse pensamento surge.
Baseado nesse compromisso inadiável que todos nós temos é que Fernanda Torres ambienta seu primeiro romance, intitulado não por acaso com o nome de “Fim” (2013). Atriz competente e hábil tanto no teatro quanto na televisão e no cinema, Fernanda Torres já se arriscava na escrita com textos para a Revista Piauí e a Folha de São Paulo. Essa transição para um romance completo foi, então, gradual e começou com um conto encomendando pelo diretor Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”) anos atrás.
Com 208 páginas e lançado pela Companhia Das Letras, “Fim” discorre sobre a morte e não esconde este intento de maneira alguma, mas também investe no modo de vida que se leva até chegar a esse dia. As escolhas, loucuras, amores, arrependimentos, brigas. O caminhar rotineiro de cada indivíduo sobre a terra. Para tanto, Fernanda usa um tom debochado, satírico, desvairado e repleto de humor, que surpreende até mesmo quem já havia lido outro texto seu antes. É sentimental, mas com elevada carga de escárnio.
“Fim” usa o Rio de Janeiro como recinto, um Rio de Janeiro bem diferente do atual. O contraponto entre as épocas é talentosamente utilizado e é importante para ambientar a trama que se centraliza em cinco amigos (Álvaro, Sílvio, Ribeiro, Neto e Ciro) que invadem os anos 50 e vivem a mudança acentuada de comportamento que a sociedade passou, assim como já entram nos anos 60 com tudo de bom e de ruim que isso representa. A vida dos personagens viaja pelas demais décadas até o dia anterior de seu falecimento.
O grupo de amigos é composto por um cara certinho, um perito em drogas diversas e álcool, um conquistador nato, um atleta radiante e um reclamão de primeira linha. Atrás dessas vestes iniciais, Fernanda Torres estrutura muito bem cada um com seus defeitos, neuroses, dúvidas e aspirações. Essa estruturação é fundamental para que o romance funcione levando-se a crer fortemente que a autora não é uma mulher de 48 anos e sim um homem que viveu os mesmos regalos e desgostos que os personagens que criou.
Para deixar a coisa ainda mais satisfatória, a autora corta o tempo em fatias e muda o narrador da história frequentemente, não somente passando pelos cinco amigos, como também se difundindo entre esposas, filhos, amantes e até mesmo o capelão do cemitério São João Batista. De modo escrachado e sagaz, ela discorre sobre cenários típicos da cidade e situações que de um modo ou outro todos se sujeitam totalmente ou parcialmente no decorrer da vida. Para a autora Fernanda Torres nada é intocável, tudo merece uma alfinetada aqui e acolá.
No seu romance de estreia, Fernanda Torres toma o leitor de assalto e agrada bastante. Fala de uma questão séria como a morte e daquele momento que já se deseja que ela venha em troca da amarga vida atual, depois de tanta coisa experimentada e sentida no passar dos anos. E faz isso sem soar piegas, pelo contrário. Com uma escrita que remete levemente a nomes como Reinaldo Moraes e Sérgio Sant’Anna, Fernanda em “Fim” (leia um trecho) versa sobre o usufruto da vida e sua finitude, para no meio disso também versar sobre uma geração que aprendeu que ninguém pode fugir nem do amor e nem da morte.
– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
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– Reinaldo Moraes: “A música pop é aspirina pra tudo. Dor de corno, desespero, sexo, solidão”. (aqui)
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